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‘Estranha Forma de Vida’: com ar publicitário, Almodóvar leva as cores do arco-íris para o faroeste

Produzido pela grife Saint Laurent, o romance entre caubói e xerife homenageia o cinema de faroeste e apresenta uma versão retraída de Almodóvar

O média-metragem espanhol Estranha Forma de Vida (Extraña Forma de Vida, 2023) reúne homens populares da indústria: Pedro Almodóvar dirige, Pedro Pascal estrela, Caetano Veloso canta, Manu Ríos modela, tudo isso vestidos por Saint Laurent. No 76º Festival de Cannes, a expectativa de encontrar o elenco do faroeste gay enfileirou fãs por horas, um prenúncio do sucesso da produção. Após 25 anos separados, o caubói Silva (Pedro Pascal) visita o xerife Jake (Ethan Hawke), em trinta minutos marcados por sangue, vinho, cavalos e alta costura.

O cinema de Almodóvar é marcado por reencontros, cores e mulheres complexas. O gênero tende a ser subvertido por meio de figuras irreverentes e, dessa vez, os homens gays trazem a masculinidade ao foco. Os personagens desse faroeste são clássicos no uso da violência em defesa da honra, moral e glória, mas ganham nuance por envolver, nos conflitos, suas famílias e a repressão do romance homossexual.

O tema de caubóis gays foi canonizado nas telonas por O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005), vencedor do Oscar de Melhor Direção por Ang Lee. Na época, Almodóvar recusou a direção do filme por temer a rigidez de Hollywood perante sua liberdade artística: “se eu tivesse escrito o roteiro, teria incluído muito mais cenas de sexo”, disse à revista espanhola Fotograma.

Apesar de se pretender uma resposta à Brokeback, Estranha Forma de Vida não possui cenas explícitas como a produção estadunidense. O coração do filme é a discussão acalorada entre os homens, enquanto se vestem de volta na manhã seguinte. “´É uma conversa absolutamente desnuda, estão muito mais expostos nessa cena do que em uma orgia”, Almodóvar conclui na entrevista. A vulnerabilidade está na sutileza da interação no jantar, por exemplo.

A escolha por um casal gay mais velho é novidade na obra de Almodovar e no cinema como um todo. [Divulgação/O2 Play]

A exibição de filmes curtos como esse é rara nos cinemas brasileiros, afinal, os preços altos sugerem experiências mais longas. Os 30 minutos do filme serão complementados, nas salas presenciais, por uma entrevista de quase uma hora com Almodóvar. No seu escritório em Madrid, ele conta sobre suas inspirações para a obra em um nível técnico, o que enriquece a experiência dos cinéfilos, mas dificilmente agrada o público geral. A participação do elenco deixaria a entrevista mais dinâmica e apelativa para o mercado, mas os atores protagonistas já demonstraram apoio à greve de Hollywood, o que pode ter impedido o fan-service.

As longas respostas da entrevista incluem, por exemplo, a produção da trilha sonora, a fotografia, o faroeste americano, e o “espaguete”, detalhes de outros filmes do diretor e ideias alternativas para este roteiro. Na última delas, Almodóvar discorre sobre o que acontece com o casal após o fim do filme, estragando o cliffhanger deixado por ele mesmo na cena final, em que Silva responde uma pergunta feita por Ennis (Heath Ledger) em 2005.

Apesar de se passar nos Estados Unidos pré-independência, Estranha Forma de Vida não é inspirado nessa época, mas nos filmes feitos sobre ela. Os personagens não são baseados nos vaqueiros reais, mas nos cowboys que conquistaram os cinemas nos anos 50 e 60. Almodóvar brinca com figuras que jamais existiram, mas que são vivas no imaginário do espectador; é uma homenagem à história do cinema, muito mais do que à história da conquista da costa oeste.

A prova disso é que o cenário empoeirado fica em Almería, na Espanha, e foi montado para a gravação de filmes italianos nos anos 60. Quando Sergio Leone dirigiu a clássica“Trilogia dos Dólares” lá, os casebres foram confeccionados para parecerem estragados pelo tempo. Almodóvar registra as mesmas construções quase 60 anos depois, quando elas já foram envelhecidas permanentemente, e a memória que evocam não são dos xerifes estadunidenses, mas dos personagens “espaguete” eternizados ali.

A obra foi, também, a estréia da grife francesa Saint Laurent como produtora de cinema. Todo o figurino foi desenhado pelo diretor criativo Anthony Vaccarello, com inspiração nos filmes de faroeste – a jaqueta verde que chama atenção no pôster, vestida por Pascal, homenageia o traje de James Stewart no filme O Preço de um Homem (The Naked Spur, 1953). É o segundo filme do ano que foi co-produzido por uma grande fabricante de outra indústria: Barbie (2023) foi o primeiro projeto da Mattel Films, um sucesso bilionário. Pode ser o surgimento de uma nova forma de criar blockbusters, afinal as duas novas produtoras já anunciaram novos roteiros sendo feitos.

A jaqueta verde de Silva homenageia o traje de James Stewart no filme de 1953. [Divulgação /MGM] 

A parceria com a Saint Laurent Prods. glamouriza ainda mais o visual dos personagens, que, pelo casting, são galãs naturalmente. As cenas com zoom máximo em seus rostos, legado deixado pelos close-ups nos caubóis de Sergio Leone, não ajudam a diminuir o tom publicitário do curta. Com um investimento financeiro grande que garantiu a participação de celebridades, a obra parece um fashion film muito elaborado, o tipo de comercial feito pelas marcas de luxo com produções dignas de cinema.

Estranha Forma de Vida ousa no protagonismo de um casal de gays com mais de 50 anos, no gênero faroeste ressignificado e no formato curta-metragem, mas joga seguro ao se unir com uma marca e apresentar um Almodóvar mais contido, garantindo o viés comercial.

O filme entra em cartaz nos cinemas na quinta-feira, dia 14. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/O2 Play

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