Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
As dinâmicas de filmes western são muito conhecidas, graças ao auge do gênero na metade do século passado pelos estúdios hollywoodianos. Surgiram algumas tentativas de reviver ”o maior dos gêneros” nos últimos anos, como o remake de Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven, 2016). A imensa maioria, porém, fracassou. É nesse contexto que o diretor australiano Warwick Thornton (Música da Alma; Sansão e Dalila) traz um novo faroeste: Doce País (Sweet Country, 2017). Contando com uma mudança de cenário, dessa vez é a Austrália dos anos 20 o palco – nele, ele debate temas interessantes e acerta a mão em um longa belíssimo visualmente, vencedor do Prêmio Especial do Júri de Veneza 2017.
Harry March (Ewen Leslie) é um ex-militar que se muda para uma região no norte da Austrália. Logo, conhece dois vizinhos: Mick Kennedy (Thomas M. Wright) que possui escravos e Fred Smith (Sam Neil) que abriga e dá emprego a uma família de ex-escravos de Mick. Sam (Hamilton Morris), um aborígene, é um desses funcionários, e é requisitado a ajudar Harry na mudança. A relação entre os dois logo se complica, levando Sam a matar o ex-militar em uma luta por sua própria vida. A partir de então, as autoridades – tendo em seu maior representante o Sargento Fletcher (Bryan Brown), começam um jogo de gato e rato à procura de Sam.
A primeira meia hora muito agitada do longa pode enganar. O filme não tem esse estilo, mas isso está longe de ser algo negativo. Com um roteiro muito bem encaixado, a história vai se desenrolando de forma muito calma. O desenvolvimento dos personagens é feito de forma magistral, nada ocorre por acaso e todos os dilemas são entendidos. Baseado em uma história real, Doce País conta também com grandes atuações. Bryan Brown, Hamilton Morris e Ewen Leslie se destacam, principalmente esse último, que mesmo com pouco de tempo de tela faz um trabalho marcante.
Um aspecto muito interessante do longa é relação de Sam e Fred. O patrão deixa claro logo na primeira cena que suas convicções religiosas o fazem tratar todos iguais, e não sua ética, como ocorre em Django Livre (Django Unchained, 2012 – Quentin Tarantino), por exemplo, com Django (Jamie Foxx) e Christoph Waltz (Dr King Schultz). O próprio Sam percebe isso: em certo momento, ao falar com sua mulher, Lizzie (Natassia Gorey-Furbe), ele diz: ”Fred é um bom homem”, mas logo se corrige: ”O Deus de Fred é um bom homem”. Warwick Thornton, dessa forma, faz uma dura crítica à relação entre aborígenes e brancos no país ao longo da história, e também à própria hipocrisia religiosa. Porém, é bom firmar que Fred sempre tem ações éticas, mesmo que movido por motivos não tão nobres, o que traz verossimilhança ao personagem, que nem de longe é dicotômico como muitos o fariam. Aliás, a própria dinâmica dos aborígenes em tela é muito interessante, com eles atuando de forma muito presente na paisagem e nos eventos dos filmes, ressaltando esse confronto entre ambos os povos.
A fotografia é algo a se exaltar. Com destaque aos tons avermelhados, o filme é de uma beleza deslumbrante durante todo o tempo. Além disso, a câmera se movimenta para buscar diferentes ângulos, seja dos personagens ou das paisagens. Quase colada ao chão, ou panorâmica, no alto, ela não deixa que o espectador se acostume com a excelência plástica do filme, que de fato encanta. O deslumbramento surge em toda nova cena. Outro ponto interessante é que o longa utiliza-se muito da ausência de trilha sonora para criar seu clima. Desde respiração, ao som do vento, tudo é ouvido. Essa tática funciona em grande parte do filme; no entanto, em certos momentos acaba o tornando arrastado.
Doce País é uma grata surpresa de um gênero em decadência. Se no meio-oeste americano está difícil de se ver algo de qualidade em relação ao western, foi no Outback que o faroeste voltou à tona.
Trailer:
por André Romani
andreromani@usp.br