Esse filme faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto.
Resgatando o formato 4:3 polegadas nas telas de cinema, menos alongado em relação ao olhar humano, Cidade Pássaro (Shine Your Eyes, 2020) faz um recorte geometricamente calculado da cidade de São Paulo e conta uma história com um olhar estrangeiro frente aos arranha-céus e às vidas que passam por debaixo deles.
Roteirizado a muitíssimas mãos (Matias Mariani, Chika Anadu, Francine Barbosa, Roberto Winter, Maíra Bühler, Chioma Thompson, Júlia Murat) e dirigido pelo brasileiro Mariani, o longa-metragem começa na cidade nigeriana de Nsukka, em 1988, e vai até a São Paulo de 2019.
É ali onde o músico Amadi, interpretado pelo nigeriano OC Ukeje, vai em busca de seu irmão mais velho Ikenna (Chukwudi Iwuji), que mudou-se para o Brasil, com indícios de um desenvolvimento próspero como professor de matemática em uma universidade. No entanto, depois de um tempo, ele para de enviar notícias à família.
Eles são dois personagens intimamente ligados não apenas pelos laços de sangue, mas também por uma espiritualidade que faz parte da cosmovisão Igbo. No filme, é possível mergulhar na cultura dessa etnia centenária, com maior parte da população residente na Nigéria. Ela é inclusive um vínculo entre Amadi e esse lugar estrangeiro. Uma cidade dos prédios e “dos brancos”, como falado no filme, mas também dos imigrantes.
No meio do caminho, cruzando com línguas que variam de Igbo, Português, Inglês, Chinês e Hungáro, ele vai descobrindo novas possibilidades naquela cidade sedutora, diversa, e o foco passa a não ser simplesmente no irmão mais velho. Redirecionamento que cai bem.
São Paulo vai se mostrando um lugar onde pessoas, pais e filhos, que dividem a mesma casa podem ser estrangeiras; enquanto outras, de países diferentes e com línguas mais distintas aindas, conseguem se entender naturalmente bem. Disso desponta até um romance com Emília (Indira Nascimento), uma cabeleireira da Galeria. Relação fraterna, sensível e que rende ótimos momentos na obra, baseada no sentimento de se estar em boa companhia, mesmo sem saber o que o outro está dizendo.
As teorias numéricas caóticas orquestradas por Ikenna dão um quê de ficção científica a Cidade Pássaro e os espectadores acompanham sua obsessão pelo controle do caos e da aleatoriedade do mundo.
Essa visão matemática dos acontecimentos acaba se desenrolando durante todo o filme, como se a vinda de Amadi ao Brasil já estivesse premeditada e os encontros e desencontros da vida se sucedessem não simplesmente de modo aleatório. Um pouco confuso e desconfortável, assim como o desfecho do longa, baseado nessa premissa. Mas isso não tira os méritos de Cidade Pássaro, que é um mergulho particular e milimetricamente pensado para representar a ocupação de espaços de certa forma sempre interconectados.
A partir de um acordo com a Netflix, o filme já está rodando em mais de 190 países. No Brasil, ele estreou na exibição da 44ª Mostra Internacional de SP e deve entrar no catálogo do streaming no final deste ano. Você pode conferir o trailer aqui:
*Capa: [Imagem: Divulgação/Vitrine Filmes]