Das calças de Marlene Dietrich ao recente protagonismo feminino em space operas consolidadas, a sétima arte vem se mostrando um importante instrumento para quebrar paradigmas de gênero. No entanto, ainda que seja incontável a quantidade de personagens inspiradoras e revolucionárias flagradas pelas câmeras de cinema, são poucas as mulheres que tiveram a oportunidade de estar do outro lado lente.
No caso de O Que Está Por Vir (L’Avenir, 2016), a bagagem e o talento feminino pulsam em todos os sentidos da telona. O filme é dirigido e roteirizado pela francesa Mia Hansen-Løve, que, com 35 anos, recebeu o Urso de Prata por Melhor Direção no 66º Festival de Berlim pela película. Dentro dos quadros de Mia, Isabelle Huppert interpreta a professora de filosofia Nathalie Chazeaux, que terá que repensar sua carreira e vida pessoal quando chega à meia-idade.
A depressão da mãe, a traição do marido, o afastamento dos filhos, a rebeldia dos alunos e a adaptação de sua refinada obra intelectual para o gosto “barato” do mercado são algumas situações que surgem no horizonte de Nathalie em questão de poucos meses. Mas, mesmo que tenha uma personalidade resistente a mudanças, a professora consegue enfrentar os problemas com frieza e razoável naturalidade.
Nathalie não se entrega às adversidades nem deixa que a dominem. Sua estratégia é respeitar as liberdades e escolhas do outro e deixar que ele se encarregue de cuidar das consequências. Seja em sala de aula — onde sua meta é educar pessoas pensantes, independentemente se concordam ou não com sua opinião — ou no seu núcleo familiar — ela não chantageia os filhos da forma com a qual sua mãe faz por atenção, e também não faz grandes objeções ao divórcio —, Nathalie se poupa para poder controlar todas as tormentas que invadem sua vida ao mesmo tempo.
Outra forma de se sustentar em meio à desordem é a companhia de seu ex-aluno Fabien, um filósofo anarquista que vive na região rural da França com outros jovens pensadores que planejam formar uma nova corrente. Separados por décadas e por leituras de mundo, a amizade estimula debates instigantes e, por vezes, desafia o autocontrole de Nathalie. De qualquer forma, o recinto dos filósofos pseudo-revolucionários se torna um refúgio criativo para a professora.
Já na cidade, suas moradias rumam à ruína. O apartamento de Nathalie se esvazia com a saída dos filhos e o divórcio, que lhe tomou muitos livros da estante compartilhada com o marido, também professor. O apartamento de Yvette, sua mãe, é um endereço a ser evitado, onde tentativas de suicídio são comuns para chamar a atenção da docente para a solidão de sua mãe. Apesar de ser um prazer exercer sua profissão, a escola é um outro lugar evitado; não por ela, mas pelos alunos, que se organizam para fazer uma greve.
Mesmo que a docente se considere “velha demais para radicalidades”, deve se reconhecer que a personagem em si é um rompimento com a forma de se retratar a mulher de meia-idade. Seu crescimento, suas transformações e sua racionalidade traçam uma mulher para além dos estereótipos ligados ao instinto e à emoção desenfreados. O Que Está Por Vir é um filme de abordagem ímpar sobre um assunto que parecia ter se esgotado.
Confira o trailer:
por Larissa Lopes
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