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As invasões da Fiel Torcida

A torcida do Sport Club Corinthians Paulista tem dois pilares centrais: a fé e a fidelidade. O primeiro motivou, inclusive, a criação da religião do clube, o “corinthianismo”. Ele fica ainda mais claro quando se vê torcedores falando: “Corinthianos tem esperança até se jogar com seis jogadores contra o Real Madrid ou o Barcelona”; “As …

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A torcida do Sport Club Corinthians Paulista tem dois pilares centrais: a fé e a fidelidade. O primeiro motivou, inclusive, a criação da religião do clube, o “corinthianismo”. Ele fica ainda mais claro quando se vê torcedores falando: “Corinthianos tem esperança até se jogar com seis jogadores contra o Real Madrid ou o Barcelona”; “As expectativas eram as melhores possíveis”;  “O Corinthians vinha numa boa sequência, então a expectativa era enorme”.

Esses são relatos de três torcedores corinthianos entrevistados pelo Arquibancada: Sérgio Colato, que esteve no Mundial de 2012, Antonio Carlos Junior e Fábio Luis, que estiveram no Mundial de 2000. O segundo é motivo de ser chamada de “Fiel Torcida”, pilar que levou Antero Pereira, mais um entrevistado, para o Rio de Janeiro em 1976, mesmo em meio a uma seca de títulos de mais de 20 anos.

Essas três datas, 1976, 2000 e 2012 foram lembradas pelas três grandes invasões corinthianas. As três marcaram a história do clube e representam muito do que é torcer para o alvinegro paulista.

 

O time do povo

A história do Corinthians é desde o princípio baseada em grupos sociais populares. O clube foi fundado em 1910 por operários do bairro do Bom Retiro, na cidade de São Paulo. Lá começou seu crescimento introduzindo a classe operária ao até então elitizado futebol.

Sua notoriedade seguiu entre os grupos mais populares da sociedade paulista. “Era o clube dos operários, depois se tornou o clube do povo, o clube dos negros, o clube dos nordestino. É o time que sempre agregou os desvalidos”, contou Celso Unzelte, comentarista dos canais ESPN e grande historiador da história corinthiana.

Na década de 1930, a torcida protagonizou sua primeira invasão a um estádio adversário. Isso aconteceu na última rodada do Campeonato Paulista de 1930 contra o Santos. Os jovens clubes disputavam o título da competição naquele encontro, e a torcida, embalada por um bicampeonato em 1928 e 1929, decidiu subir nos trens que iam até a cidade litorânea na esperança de mais um título. Relatos dizem que dez trens com oito vagões cada foram lotados de torcedores corinthianos.

Com a vitória por 5 a 2, o time sagrou-se tricampeão paulista e a torcida voltou para São Paulo comemorando em cima dos vagões. Por conta da época e das menores proporções, essa invasão não é tão lembrada nos dias atuais. 

Celso ainda conta que foram nos momentos mais difíceis que o clube mais cresceu: “Não era o que ganhava, mas era o que cativava. As pessoas queriam saber dos resultados dos jogos do Corinthians”. Assim, a torcida corinthiana ganhou quantidade e uma identidade que carrega – ou tenta carregar – até os dias atuais. Atualmente, é a segunda maior torcida nacional, atrás apenas do Flamengo.

Dessa identidade, sem dúvida, fazem parte as três principais invasões feitas pela torcida, em 1976, 2000 e 2012. Esses três acontecimentos foram, inclusive, homenageados no terceiro uniforme do time para as temporadas de 2019 e 2020.

Camisa corinthiana que homenageia as invasões de 76; 2000 e 2012 [Imagem: Divulgação/Nike]

1976

A primeira grande invasão é sem dúvidas a mais emblemática. Além de a maior em termos de quantidade de torcedores, foi ela que cunhou o termo “invasão”, e até hoje é conhecida como “A Invasão Corinthiana”. O ano era 1976 e o time paulista completava 22 anos de jejum de títulos.

“Criou-se uma mística. O período de 22 anos do Corinthians não campeão é um fenômeno social que transcende o futebol. Havia referências em peças de teatro, em filmes, programas de televisão, botecos que tinham lá o adesivo ‘Fiado só quando o Corinthians for campeão’”, contou Celso Unzelte.

O Corinthians vinha bem no campeonato nacional daquele ano e chegou a semifinal contra o estrelado Fluminense, de Carlos Alberto Torres, capitão na Copa de 1970, e Rivellino, ídolo no time carioca e no paulista. Definitivamente, o favoritismo estava do lado tricolor. “Corinthians tinha um time tecnicamente limitado, muito pior do que o Fluminense”, cravou Celso.

O ponto-chave que transformaria aquele confronto para sempre foi a disponibilização de 80 mil ingressos para a Fiel Torcida. “O presidente Francisco Horta era um grande motivador do futebol”, definiu Celso sobre o presidente tricolor que disponibilizou a quantidade enorme de ingressos para o adversário. 

Além dos ingressos, Horta passou toda a semana do jogo inflamando confronto, indo em rádios e TVs. Chegou a dizer até: “Vocês dizem que são fiéis, que são a torcida fiel, provem!”.

E provaram. Embalados pela ânsia de quebrar aquele jejum, milhares de corinthianos pegaram seus carros, foram de ônibus e até de avião para alguns poucos que tinham condições e chegaram a cidade maravilhosa para a semifinal. “Nunca vi a [Rodovia] Dutra tão linda e festiva. 95% dos veículos eram de corinthianos. As bandeiras tremulando, soltando rojões. No dia do jogo, no Rio de Janeiro, logo de manhã fomos a praia de Copacabana. Todo lugar só tinha corinthiano. Foi uma festa total. Colocaram uma bandeira até no Cristo no Corcovado”, contou Antero Pereira, que esteve presente nesse jogo.

Celso ainda ressaltou a característica de espontaneidade dessa primeira invasão: “‘76’ foi uma mobilização popular, eram pessoas que faltaram ao emprego, office boys, operários, que foram e voltaram de ônibus. Nem todo mundo tinha carro, não tinha internet, não tinha telefone. Foi uma invasão fantástica nesse sentido, porque foi espontânea”. 

Antero é um exemplo dessa característica: “No sábado, véspera do jogo, tínhamos um grupo e fomos jogar futebol em uma quadra no bairro do Tatuapé. Após o jogo e algumas cervejas, no bate papo, os corinthianos ali presentes decidiram ir”, relatou.

Chegando ao jogo, as arquibancadas foram enchidas e ali figurava uma das cenas mais emblemáticas da história do Corinthians e do futebol nacional: metade do Maracanã tomado por preto e branco. Cerca de 76 mil pessoas, das 146.043 totais, faziam parte daquele mar de torcedores corinthianos.

Alguma parte daqueles 76 mil eram de torcidas rivais ao Fluminense, principalmente a do Flamengo, que possuía uma relação de parceria com a torcida alvinegra na época. “A torcida do Flamengo era em torno de 5% do total” estimou Antero. De longe, a maioria era de corinthianos que saíram de São Paulo. O importante jornalista corinthiano Juca Kfouri denomina esse evento como “o maior deslocamento de massa em tempos de paz”.

Em campo, um jogo amarrado por conta de uma forte chuva que caía. Ainda antes da tempestade, saíram dois gols, um de cada lado. Carlos Alberto Pintinho pelo Flu e Ruço pelo Corinthians. Nos pênaltis, o goleiro alvinegro Tobias fez duas defesas e classificou o time para a final do Campeonato Brasileiro daquele ano contra o Internacional. 

Festa da torcida no Maracanã após o pênalti da classificação corinthiana ser convertido em 1976 [Reprodução/TV Cultura]

2000

Em janeiro do ano de 2000, a FIFA decidiu organizar pela primeira vez um torneio mundial de clubes que contaria com equipes dos cinco continentes. Al Nassr-SA, Raja Casablanca-MA, South Melbourne-AU, Manchester United-ING, Necaxa-MEX e Vasco da Gama foram convidados por serem campeões continentais entre 1998 e 1999. Além desses, Real Madrid foi convocado por ter sido campeão da Copa Intercontinental de 1998. Por fim, o Corinthians, que entrou no torneio como convidado do país sede, porque era o atual bicampeão nacional.

24 anos depois da primeira grande invasão, o time do Corinthians estava em um contexto muito diferente daquele vivido na década de 70. Após encerrar  jejum no ano seguinte ao da primeira invasão, o time paulista venceu seu primeiro Brasileirão em 1990 e encerrou a mesma década vencendo mais dois nacionais, em 1998 e 1999. “Nosso time era uma seleção” cravou Antonio Junior, que esteve presente na final daquele mundial.

As equipes foram divididas em dois grupos com quatro equipes, das quais sairiam os dois finalistas. Corinthians e Vasco foram os líderes em seus grupos e se enfrentaram na final no Maracanã. Até aquele momento, os jogos do alvinegro paulista tinham sido realizados no Morumbi, em São Paulo. 

Não era apenas a situação do clube que era muito diferente. A do mundo e do futebol também eram. “Estamos falando de um mundo totalmente diferente. 2000 já é um mundo com internet, em um momento do país em que as pessoas tinham um poder aquisitivo, por exemplo, para ir de avião” analisou Celso Unzelte. 

Além disso, o comentarista também contou que já era uma época de valores diferentes no futebol, em que já existia um certo deslumbramento em relação ao peso de uma competição como um Mundial. “Em 1976, ninguém falava de Mundial nem de Libertadores. O que a torcida queria era ver o Corinthians”, completa Celso.

Apesar das diferenças entre as duas eras, uma nova invasão ao Rio de Janeiro aconteceu. Mais de 30 mil torcedores saíram de São Paulo para assistir a final daquele mundial no Maracanã. “A torcida corinthiana foi em peso para o Rio de Janeiro por acreditar no título e também porque somos a fiel torcida”, contou Fabio.

Invasões da torcida corinthiana
Torcida corinthiana no estádio do Maracanã na final do Mundial de Clubes em 2000 [Imagem: Reprodução/2000]
Além do ótimo time e da fé no título inédito, havia também uma certa inspiração na primeira grande invasão feita em 76, o que levou milhares de corinthianos a acompanhar de perto aquele jogo. “Tem a mística de ser no Rio de Janeiro, de que quem invadiu uma vez pode invadir outra”, contou Celso.

Tanto Antonio quanto Fabio foram de carro com amigos para a cidade carioca, terra do adversário daquela final. Era quase inevitável que o clima fosse hostil para os corinthianos forasteiros que chegavam. “Nós precisamos deixar o carro cerca de dois quilômetros de distância do Maracanã. Muitos que foram tiveram seus veículos roubados, e muitos deles foram quebrados pelos cariocas”. “Lá o clima foi tenso, vários ônibus da torcida vascaína jogavam coisas pela janela em nossa direção, passavam as bandeiras da Torcida Jovem no nosso carro, nos ameaçavam”, contaram eles, respectivamente

Em um verdadeiro clima de final, Corinthians e Vasco, que possuíam ótimos times na época, entraram em campo e empataram em 0 a 0. Nos pênaltis, o time paulista levou a melhor por 4 a 3 e sagrou-se o campeão daquele primeiro campeonato denominado como Mundial pela FIFA. Nem aquele clima hostil impediu a festa da torcida corinthiana pelo título inédito conquistado.

 

2012

Mais de uma década depois, o Corinthians voltaria ao Mundial de Clubes da FIFA. Dessa vez, seguindo o caminho tradicional, sendo campeão da Libertadores da América, depois de 102 anos de espera. “Tem aquele clima envolvendo aquele time, aquela conquista que se cobrava muito. Tinha aquela história de que ‘para conquistar o mundo é preciso atravessá-lo’. Havia uma expectativa grande desses anos todos esperando Libertadores”, analisou Celso.

Para Sérgio Colato, que viajou ao Japão para esse Mundial de Clubes, a espera pela Libertadores não influenciou em sua decisão de viajar: “O que mais me atraiu foi ir ver o Timão no campeonato Mundial de Clubes”. Essa vontade era tanta que ele reservou o voo para o país asiático antes mesmo do clube erguer a taça da Libertadores.

A torcida parecia em êxtase após aquele título continental depois de tanto tempo de espera, mas movimentações para assistir o Mundial do outro lado do mundo em poucos meses depois precisavam começar logo. Sérgio, além de reservar o voo, teve que batalhar para comprar seu ingresso, reservar um hotel e tirar os vistos para a viagem: “Eu tive que tirar dois vistos: o japonês e o americano, pois a viagem fez escala em Chicago-EUA”, contou.

Na viagem da delegação para o Japão, a Fiel Torcida já mostrava sinais de seu entusiasmo com o torneio. Cerca de 15 mil torcedores foram ao aeroporto acompanhar o embarque da equipe e fizeram uma festa incrível. “Geralmente é torcedor que gosta de tirar foto de jogador. Quando estavam indo para o aeroporto, eram os jogadores dentro do ônibus tirando a foto da torcida. Isso é uma coisa emocionante”.

Invasões da torcida corinthiana
Aeroporto de Guarulhos no dia do embarque da delegação corinthiana para o Japão em 2012 [Imagem: Reprodução/YouTube – Canal Vinicius Rabelo]
Estima-se que havia pelo menos 30 mil corinthianos no Japão para assistir as partidas do torneio. Mas, “em um estádio de 60 mil [de público] quase tomado, em que o Corinthians era a maioria absoluta, estou deixando barato considerar meio estádio”, contou Celso Unzelte, que também esteve no Japão para a competição. 

Com certeza não saíram 30 mil torcedores do Brasil e atravessaram mundo para ver o time. Além daqueles residentes no Japão, Celso e Sérgio contam que encontraram corinthianos do mundo todo: “Tinha gente da Austrália, do Canadá, eu conheci um professor de inglês catarinense corinthiano que veio da China”; “Na final foi muito interessante. Conheci corinthianos da Nova Zelândia, Inglaterra, EUA, enfim, do mundo inteiro”.

Tóquio estava tomada de preto e branco, e, no Yokohama Stadium, a FIFA viu algo que nunca tinha visto em mundiais de clubes. “Se a FIFA tivesse no mundo inteiro torcidas que fizessem aquilo, o Mundial de Clubes seria um sucesso” cravou Celso.

Invasões da torcida corinthiana
Torcida do Corinthians no Yokohama Stadium na final do Mundial de Clubes de 2012 [Imagem: Reprodução/TV Globo]
Com uma festa incrível, em clima de Pacaembu, o Corinthians venceu a competição contra o Chelsea na final por 1 a 0 com gol de Paolo Guerrero. “Era torcedor se abraçando, chorando, pulando, gritando, todo tipo de comemoração”, contou Sérgio.

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