O filme Chicago (2002), feito duas décadas depois da peça da Broadway da qual foi inspirado, completa 20 anos de estreia em 2022. Com direção de Rob Marshall, roteiro de Bill Condon e estrelado por Renée Zellweger, Catherine Zeta-Jones e Richard Gere, o longa-metragem é considerado uma das melhores adaptações de musicais do teatro para o cinema. Sucesso de crítica e de público, ganhou seis Oscars — incluindo o de Melhor Filme —, três Globos de Ouro, três SAGs e faturou cerca de 306 milhões de dólares — praticamente seis vezes mais do que seu orçamento.
A história de Chicago consiste em duas mulheres, uma dançarina famosa, Velma Kelly (Catherine Zeta-Jones), e outra que sonha em estar nos palcos, Roxie Hart (Renée Zellweger), que assassinam seus amantes no mesmo período e são presas nos anos 1920. Na mesma cadeia, percebem que o segredo para serem libertadas e permanecerem no estrelato é chamar a atenção da imprensa sensacionalista. Entra em cena, então, o advogado Billy Flynn (Richard Gere), especialista em criar imagens e narrativas para suas clientes que comoviam os jornalistas e a audiência. A primeira a usar a estratégia foi Velma. Quando Roxie começa a tomar os holofotes, as duas passam a disputar o protagonismo.
A obra é uma dura crítica à sociedade norte-americana, ao seu sistema jurídico e às convenções sociais. Entretanto, a mensagem de Chicago pode ser entendida não somente nos Estados Unidos, mas com um caráter quase universal e atemporal. Mesmo 20 anos depois de seu lançamento, ainda é comum observar como certos setores da mídia são sensacionalistas e realizam coberturas tendenciosas sobre criminosos. A noção de certo ou errado é outra que segue nebulosa em diversos episódios: a personalidade, a imagem e — até mesmo — a beleza de alguém que cometeu uma infração penal pode servir de salvo conduto? O filme nos convida a refletir sobre quem estamos deixando famosos, o que continua extremamente atual, inclusive no Brasil.
Um dos maiores trunfos do longa-metragem é a forma como o musical é conduzido. Para muitos, pode soar inverossímil quando as pessoas simplesmente começam a cantar e dançar seus dramas “do nada”. Em Chicago foi usada uma alternativa: os números acontecem na imaginação dos personagens, tudo indica que especialmente na de Roxie. O formato ajuda a fomentar os perfis de ilusões e fantasias característicos de personas deslumbradas pela fama e pelo sucesso. As performances de música e dança repletas de jazz são teatrais. Tudo se encaixa perfeitamente no espetáculo, o trabalho de iluminação é fantástico — as luzes têm um papel importante na dramaticidade proposta —, os instrumentais apresentam-se impecáveis e as letras são inteligentes. Porém, o maior destaque é o talento dos atores.
Renée Zellweger entregou uma excelente performance no tom certo com a ambiciosa protagonista Roxie. Demonstrando uma maturidade profissional, consolidou-se como uma das principais atrizes da geração e fez bonito em seus números — especialmente em “Roxie” e “Funny Honey”. Richard Gere fez valer seu nome de peso e construiu seu advogado Billy como um poço de charme e cinismo cativante. Sua apresentação “Razzle Dazzle” é de tirar o fôlego, seu sapateado é sensacional. Os dois levaram os Globos de Ouro de Melhor Atriz e Melhor Ator, respectivamente, para a casa. É impossível não ressaltar, também, a sempre ótima Queen Latifah, que interpretou Mama, a carcereira da prisão. Sua voz potente e seu carisma reluziram em “When You’re Good To Mama”, música que revela o mundo de interesses vivido pela personagem. John C. Reilly, muito bem na pele do marido traído de Roxie, Amos, foi elogiado principalmente por “Mister Cellophane”, que retrata a triste vida daquele homem sempre passado para trás pela amada.
Mas a grande estrela de Chicago sem dúvidas é Catherine Zeta-Jones, ganhadora do merecido Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo longa. Quase se esquece que ela é coadjuvante. Quando se fala no longa, a primeira coisa que vem à cabeça é sua memorável personagem Velma Kelly com o icônico corte de cabelo chanel — do qual a atriz não abriu mão, pois não queria que seus fios caíssem no rosto e houvesse questionamentos se era realmente ela performando. Catherine entrou para a lista das grandes atrizes de Hollywood ao mostrar que poderia atingir a excelência atuando, cantando e dançando — tudo ao mesmo tempo, inclusive.
Sua voz forte e afinada abrilhantou os lendários números de “All That Jazz” e “I Can’t Do It Alone”. “Cell Block Tango” é outro momento inesquecível entre Velma e as outras detentas — palmas também para os coreógrafos e para a direção de luzes do ato. Sua destreza na dança não foi surpresa para quem acompanhava a carreira da artista, que estreou nos palcos no musical “Annie” aos 12 anos e participava de uma companhia de dança no País de Gales, onde nasceu. A presença da atriz em cena tem um magnetismo e ajuda a destacá-la ainda mais. Além da estatueta dourada, Catherine venceu outros importantes prêmios com a cativante Velma Kelly — como SAG, BAFTA e Critics Choice Awards — e se tornou um dos nomes mais desejados nos musicais. No entanto, ela só voltou ao gênero em 2009, desta vez na Broadway, com a peça “A Little Night Music”, que lhe rendeu um Tony Awards — o Oscar da Broadway.
Chicago, 20 anos depois, segue atual e um filme daqueles de encher os olhos. Com drama, humor, acidez, inteligência, jazz e charme, o longa-metragem continua empolgando e não perdeu seu posto de uma das melhores adaptações de uma peça teatral para o cinema. Em um combo de atuações espetaculares e alinhadas de direção, roteiro, atores e equipe, a obra consolida-se como um clássico.
Chicago está disponível para todos os assinantes das plataformas de streaming HBO Max Globoplay. Confira o trailer:
*Capa: Reprodução/TFM Distribution