A “tour da saudade” é como podemos descrever a epopéia destas jornalistas na noite de estreia do filme. Credenciais trocadas, e-mails confusos, filas intermináveis e uma boa lábia nos colocaram na sala depois de uns apertos. Isso ao som de “Choque de Amor” tocando vez após vez. Fartas da canção, sentamos. Expectativas para o filme: -0, se você aceitar isso como número. O slogan que diz “Ninguém pediu, mas eles voltaram”, uma música irritante e a premissa de comédia trash: o fim daquela noite não seria gratificante. Todos os comerciais de filmes nacionais depois, ele começa. Pouco depois estamos rindo com uma boa sacada, envolvidas com suas histórias emocionais e com a saudade de suas boybands da adolescência vivas, de novo. Nós juramos, Chocante (2017) é divertido e gostoso de ver.

Quando um dos membros do ex-one hit wonder Chocante morre de maneira comicamente inesperada, os caminhos dos quatro restantes se cruzam novamente — eles querendo ou não. Após um curto sucesso com a canção Choque de Amor, os ex-membros da boyband se encontram em situações que provavelmente nunca esperavam acabar. Téo (Bruno Mazzeo), que pode ser considerado o personagem principal, trabalha como cinegrafista independente — o que realmente significa fotógrafo de casamentos, batizados etc. Tim (Lucio Mauro Filho), irmão de Téo, é um médico — isto é, oculista do Detran. Clay (Marcus Majella) trabalha na área de Marketing — anunciando promoções com um megafone num supermercado. O mais apagado do grupo é Toni (Bruno Garcia), um motorista executivo (na Uber).
Cada um carrega consigo uma amargura diferente do período em que fizeram sucesso, e estas são responsáveis por explorar a emoção do enredo. É nisto que se encontra o maior acerto de Chocante: a habilidade de utilizar atores usualmente humorísticos para desenvolver uma história com tridimensionalidade e profundidade foi inesperado, e tocou ainda mais a audiência, fazendo-nos refletir sobre nossos próprios sonhos do passado e o que hoje nos tornamos.
Essa amargura está mais presente nos irmãos, Téo e Tim. O primeiro é constantemente culpabilizado pelo término do grupo, por motivos que vão sendo revelados ao longo da trama, e que envolvem diretamente o falecido membro Tarcísio. Já os problemas de Tim não são envoltos por mistério algum. Pelo contrário, são muito próximos de muitos espectadores. Tim está casado, tem um filho em transição entre a infância e a pré-adolescência e uma esposa difícil de lidar e que constantemente se encarrega de trazê-lo de volta à dura realidade. É entre o casal que ocorre uma das cenas mais intensas, carregadas de emoção e significado do longa.

O drama do personagem de Majella, Clay, é extremamente interessante, embora tenha sido tratado com uma palpável dificuldade. É digno de nota as cenas exclusivas em que o ator mostra o porquê de seus sucesso hoje, usando os jargões e o jeitinho único de Ferdinando (Vai que Cola, 2013 -), que nos arrancam boas gargalhadas e dão um show de talento. Sendo em sua época de fama o maior mulherengo do grupo, Clay por boa parte do filme deixa sua homossexualidade subentendida — quando ela finalmente é revelada diretamente, é de maneira apressada, descompromissada e quase hesitante, gerando uma cena que parece não ter sido feita de livre e espontânea vontade, de tão mal resolvida. Ainda, a cena é seguida por Toni, o personagem de Bruno Garcia, que por mais outras diversas vezes no filme pergunta incrédulo sobre a sexualidade de Clay, como se fizesse de desentendido. São interações bem desconfortáveis que acabam por manchar levemente a imagem do personagem Toni — que já não tinha sido tão bem aproveitado anteriormente.
É louvável a decisão da produção de inserir dramas familiares e existenciais em uma aparente comédia pastelão. No entanto, na segunda metade do longa, após um show não tão bem sucedido de retorno da banda, o enredo se perde em todas as suas facetas e não consegue chegar a uma conclusão definitiva, encerrando com uma cena emocionante e otimista, mas que após uma segunda leitura se mostra realmente vaga e mal resolvida. O término da linha de enredo de alguns personagens fica subentendido, ou mesmo inexistente. O único que é agraciado com um início, meio e fim até que bem definido é Téo, de Bruno Mazzeo, que também por isso se mostra como o verdadeiro protagonista da trama.
A dinâmica da relação entre Téo e sua filha, Dora (Klara Castanho) é indiscutivelmente um dos pontos mais altos do longa. A química entre os dois é crível e agradável de assistir, e a performance de Klara Castanho tem uma doçura natural e arrebatadora. A atriz mirim rouba a cena e se torna uma das mais memoráveis do elenco – ainda mais que alguns principais.
Quem não tem a sorte de ter um personagem bem utilizado é Débora Lamm, intérprete de Quézia, que já foi uma das maiores fãs do grupo Chocante, e hoje é a única restante. Quézia tem um jeito frenético e entusiasmado de fangirl que muito contempla as repórteres que vos escrevem, porém muito as entristecem ao não se mostrar nada além disso. A personagem realmente só tem uma faceta durante todo o longa, e não parece servir como nada além de um instrumento para reunir o grupo e ser por vezes funcionária, amiga, fã ou ainda capacho do grupo — sendo esquecida quando a trama se complica e não recebendo os créditos que merece por seu trabalho.

A produção ganha pontos em conseguir, principalmente na primeira hora, um bom equilibro entre bom humor e drama, tirando boas risadas com piadas e personalidades icônicas — tanto o grupo experiente nas comédias, como suas versões mais jovens, que soam naturais e descontraídos. Os meninos são muito bons, e lembram cenas de DVD de banda, independente da idade. Poderia ser o One Direction, BTS, KLB, BackStreet Boys ou Dominó. A sintonia é palpável e resgata a saudade da adolescência, o envolvimento acompanhando a banda, colecionando revistas e pôsteres. Mais focada no público que vivenciou a década da polaina, os anos 80, a nostalgia se instala também na fotografia levemente mais amarelada, nos figurinos metalizados e cortes de cabelo que dão saudade ao Chitãozinho.
Chocante foi uma positiva surpresa na nossa noite, ainda que falhe com a execução de seu final. Saímos da sala rindo, impressionadas com a montanha-russa que foi a noite e cantarolando seu hit que sabe grudar na cabeça. “Sorriso elétrico, o corpo atlético, amor frenético, não dá para desligar”.
A produção chega aos cinemas dia 5 de outubro. Confira o trailer:
por Juliana Santos e Larissa Santos
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