Por Aline Noronha (alinenoronha@usp.br)
A próxima Conferência das Partes (COP), prevista para acontecer no Brasil em novembro de 2025, será a trigésima reunião entre líderes dos vários Estados que integram a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). O principal intuito é debater medidas para conter os avanços negativos do ser humano na natureza, que agravam exponencialmente o aquecimento global.
No dia 10 de janeiro deste ano, o mundo ultrapassou o marco de 1,5ºC, aumento máximo previsto para que as atitudes antropológicas pudessem ser contidas e revertidas no meio ambiente.
Os efeitos dessa interferência na saúde humana já são comprovados pela medicina. Casos de problemas respiratórios e de pele estão cada vez mais frequentes, em decorrência da exposição contínua a ondas de calor e da péssima qualidade do ar causada pela poluição. Além disso, o aumento da temperatura média global afeta uma parte microscópica do corpo humano, mas essencial para a vida: a produção de hormônios.
Hormônios: pequeno tamanho e grande importância
Os hormônios, principais componentes do sistema endócrino, atuam diretamente na regulação dos sistemas humanos, inibindo ou estimulando suas atividades metabólicas, glândulas variadas são responsáveis pela tarefa de sua produção e secreção. Elas podem ser endócrinas, quando liberam hormônios no sangue em direção às células alvo — como a glândula hipófise e as suprarrenais —, ou exócrinas, quando liberam-os para fora do corpo ou através de ductos — como as glândulas mamárias e sebáceas.
Em entrevista ao Laboratório, Bruna Klassa, bióloga pela UNESP (Universidade Estadual Paulista) e mestre em Educação e Biodiversidade pela UFABC (Universidade Federal do ABC), destaca: “Os hormônios desempenharam um papel essencial na evolução da espécie humana, proporcionando mecanismos regulatórios que possibilitaram a manutenção da homeostase, por meio de processos fisiológicos e adaptativos necessários para a sobrevivência, em diferentes ambientes”.
Bruna afirma que, apesar da estrutura dos hormônios não apresentarem mudanças drásticas em relação a outras espécies, a complexidade da regulação hormonal humana ganha destaque, pois está relacionada a um desenvolvimento cerebral e vida social mais avançados. “A ocitocina e a vasopressina desempenham papéis importantes na formação de laços sociais e no comportamento parental, que são fundamentais para a estrutura social e para a criação de vínculos”, exemplifica.
Os fatores que influenciam a produção de hormônios nos humanos são variados: vão desde questões genéticas até as fases da puberdade e do envelhecimento. Porém, estudos recentes indicam que uma nova relação se estabeleceu entre a regulação hormonal e o aumento médio da temperatura — consequência direta do aquecimento global.

Entretanto, é importante alertar que essas áreas específicas de pesquisa ainda são muito novas na Ciência. A atual presidente da Comissão Endócrina Ambiental da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, doutora Elaine Frade, afirmou para o Laboratório que os estudos estabeleceram relações especulativas e aparentemente indiretas. “A maior parte dos poucos estudos existentes com bom nível de evidência são em animais, e os efeitos encontrados neles não podem ser extrapolados para humanos”, orienta.
Os efeitos do calor nos hormônios sexuais
O aumento progressivo das temperaturas médias, com verões cada vez mais quentes e invernos mais curtos, afeta o funcionamento do sistema reprodutivo dos seres humanos. Bruna afirmou que o principal efeito em homens é a redução do hormônio da testosterona, que prejudica o desenvolvimento sexual, a libido e a qualidade do semên. Já nas mulheres, o estrogênio e a progesterona podem ser afetados, resultando em ciclos menstruais mais irregulares e menores chances de ovulação.
O doutor Oscar Duarte é membro da ASRM (American Society of Reproductive Medicine), da ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embryology) e da SOGESP (Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo) além de diretor médico do FertGroup. Em entrevista à Jornalismo Júnior, ele aponta que o calor interfere na formação dos espermas.
O doutor afirma que as células iniciais passam pelo processo de meiose para formar quatro espermatozóides — que serão amadurecidos até serem ejaculados —, mas o calor pode afetar esse processo e provocar uma queda na quantidade produzida. Além disso, em casos extremos, pode ocasionar a azoospermia, que é a ausência total de espermatozóides no sêmen.

Apesar dos testículos serem mais sensíveis, o Doutor Oscar complementa que os ovários também podem sofrer as consequências. “A exposição ao calor pode afetar as células foliculares e os oócitos, que são sensíveis a altas temperaturas”, afirma. “Isso ocorre através do estresse oxidativo e das alterações nas funções celulares, incluindo a atividade mitocondrial, que são essenciais para a qualidade do oócito”.
Ainda sobre as mulheres, o médico destaca que alguns dos hormônios afetados são o estradiol, essencial para o controle do ciclo ovulatório, e a progesterona, atuante nos folículos. “Isso pode causar problemas no ciclo menstrual e no momento da ovulação, reduzindo, por fim, a probabilidade de uma fertilização e implantação bem-sucedidas”, disse.

O calor prejudica o desenvolvimento de fetos e bebês
Entre as principais novidades acadêmicas da área, também surgem estudos que indicam uma possível relação entre a intensificação do aquecimento global e o desenvolvimento de fetos e bebês. “O excesso de calor diminui as taxas de gravidez, reduzindo a qualidade dos embriões e aumentando as perdas embrionárias iniciais”, afirma o doutor.
“O estresse térmico impacta significativamente a embriogênese e a gravidez, afetando a viabilidade, o crescimento e a sobrevivência do embrião”
Dr. Oscar Duarte
O diretor médico complementa que a elevação da temperatura materna pode resultar, em casos extremos, na morte embrionária, abortos ou atrasos no crescimento. Os efeitos graves para o feto ocorrem não apenas durante o desenvolvimento do tubo neural, que dá origem ao sistema nervoso central (medula espinal e encéfalo), como também no desenvolvimento ósseo em estruturas craniofaciais.
“Em bebês, o estresse gerado pelo calor pode predispor a desidratação severa e hiponatremia, que comprometem o funcionamento neurológico e podem ser fatais em casos extremos”
Bruna Klassa
Entre os principais hormônios afetados, a bióloga destaca os de crescimento (GH) e os tireoidianos, que atuam no metabolismo e no adequamento de batimentos cardíacos, essenciais no desenvolvimento fetal. Além disso, cita o comprometimento da aldosterona, responsável pela regulação de sódio no corpo e pela eliminação de potássio pelos rins, funções vitais para a manutenção do equilíbrio hídrico e eletrolítico.

Bruna destaca que “o sistema de termorregulação [dos nenéns] ainda está em desenvolvimento. Eles perdem calor mais rapidamente, principalmente pela grande proporção de superfície corporal em relação ao peso, o que os torna mais suscetíveis ao superaquecimento e à perda excessiva de água”.
“O estresse térmico pode levar a efeitos duradouros através das gerações”, afirma o doutor Oscar. “Estudos afirmam que filhas de mães expostas ao calor durante a gestação apresentam a saúde reprodutiva comprometida e alterações na expressão gênica, associadas à resposta ao estresse e apoptose [morte celular programada] nos ovários e embriões”, complementa.
Menopausa: ondas de calor por todo lugar
A menopausa é um período de instabilidade hormonal intensa, causada pela redução dos hormônios sexuais femininos. Ela é marcada pelo último ciclo menstrual da vida da mulher, e seus principais sintomas são: ondas de calor (fogachos), sintomas psíquicos, alterações na pele e dificuldades para esvaziar a bexiga.
“Estudos mostram que a temperatura ambiente influencia a frequência e a intensidade dos fogachos. Ambientes mais quentes podem exacerbar-los, pois mulheres na menopausa têm tolerância reduzida ao estresse térmico — devido à diminuição da flexibilidade termorregulatória”, pontua o doutor Duarte.
“O estresse térmico agrava a pressão sobre o sistema cardiovascular, aumentando os riscos de hipertensão, arritmias e outros distúrbios metabólicos”
Bruna Klassa
A bióloga afirma que o aumento da temperatura é capaz de intensificar esses sintomas e sobrecarregar ainda mais o sistema cardiovascular. Esse fenômeno ocorre, sobretudo, em virtude da redução do estrogênio, que torna o sistema mais suscetível a doenças, além de propiciar o desenvolvimento da osteoporose.
Sinais de problemas e dicas de prevenção
A depender do hormônio alterado, os efeitos na saúde variam bastante e, por isso, o diagnóstico pode demorar — especialmente quando o paciente tarda a buscar assistência hospitalar. A doutora Elaine Frade afirma que “muitas vezes os sintomas são inespecíficos, por isso qualquer pessoa que apresente sintomas, relacionados ou não à deficiência de hormônios, deve procurar seu médico”. Os sintomas relacionados ao déficit hormonal podem ir desde uma baixa estatura até a ausência da puberdade.

Especificamente sobre o caso do déficit dos hormônios sexuais, o doutor Oscar afirma que as alterações são silenciosas e lentas no corpo humano, levando anos para dar sinais claros. Ele acrescenta que, com frequência, quando as pessoas vão ao hospital a infertilidade já está estabelecida. “Embora os fatores idade e obesidade sejam os mais prevalentes, outros fatores, como os ambientais, têm interferido na fertilidade: a poluição ambiental, os xenoestrógenos, os plásticos (incluindo o BPA) e microplásticos, os ftalatos…”, expõe.
O médico ainda diz que os sinais hormonais que os homens devem prestar atenção, a curto e longo prazo, são a falta de libido e dificuldades de ereção. Já para as mulheres, as alterações do ciclo menstrual, seja por intervalos mais longos ou mais curtos entre menstruações, são um alvo de cuidado.
O doutor Oscar ainda destaca, entre os riscos, o uso de roupas íntimas apertadas em homens e mulheres. “Neles, o aquecimento da bolsa escrotal pode interferir nas fases iniciais da espermatogênese, reduzindo a produção de espermatozoides”, afirma. Nas mulheres não há uma relação direta com a fertilidade, mas o uso aumenta a probabilidade de infecções por fungos, como a candidíase.

A doutora Elaine Frade aconselha: “em altas temperaturas, as pessoas devem beber acima de dois litros de água por dia, alimentar-se com comidas leves e praticar atividade física em ambientes resfriados.”
Tratamentos e soluções
Buscar ajuda médica especializada referente aos hormônios sexuais ainda é um tabu, sobretudo para homens acima de 40 anos. “Dificilmente os homens procuram uma avaliação preventiva da fertilidade, e os diagnósticos de situações tratáveis, como a varicocele, na maioria das vezes são feitos tardiamente”, afirma o doutor Oscar.
Apesar disso, destaca que homens que apresentam quadros graves e irreversíveis de baixa produção de espermatozoides ainda podem ser pais por meio de técnicas de reprodução assistida. Além disso, mesmo com a ausência total, é possível engravidar suas parceiras por meio da injeção intracitoplasmática de espermatozoides, dentre outras técnicas cirúrgicas.
Ele também lembra que mulheres com baixa reserva ovariana podem ser beneficiadas por tratamentos de estímulo à ovulação e pela fertilização in vitro. Isso reduz as perdas gestacionais, sobretudo acima dos 35 anos de idade.

Quando a deficiência de hormônios é comprovada, a doutora Elaine afirma que um dos caminhos para o tratamento está na terapia hormonal. “A terapia hormonal é sempre eficaz, independente da temperatura climática — salvo nos casos dos hormônios em gel, que podem ter sua absorção prejudicada em regiões muito quentes”, aponta.