Por Louisa Harryman (louisacoelho@usp.br)
O documentarista Vladimir Carvalho foi o escolhido para ser o homenageado brasileiro da 22ª Conferência Internacional do Documentário, projeto fruto da correalização entre o É Tudo Verdade e a Cinemateca Brasileira. Falecido em outubro do ano passado, Vladimir é o cineasta dedicado exclusivamente à não ficção mais importante do cinema nacional e foi presença constante no festival desde sua primeira edição.
Para a homenagem, o Festival É Tudo Verdade promoveu no dia 9 de abril, na Cinemateca Brasileira, o painel “Vladimir Carvalho: Novas Perspectivas sobre Sua Obra”. Foram convidados para debater o tema os pesquisadores André Manfrim e Aline Carrijo, autores de teses voltadas ao cinema de Vladimir e sua contribuição à cena documental do Brasil.
Antes do início da discussão, Amir Labaki, diretor e fundador do festival, subiu ao palco para apresentar os palestrantes e falar sobre a importância do homenageado para o É Tudo Verdade e para o cinema brasileiro. “Para essa mesa, achamos que valia a pena trazer olhares de uma nova geração de pesquisadores sobre o cinema do Vladimir Carvalho. Ele ficaria, como ficou ainda em vida, muito orgulhoso de saber que a obra dele continuava a inspirar jovens pesquisadores.”
Memória e violência
Aline, que participou de forma remota, iniciou o painel introduzindo a sua tese de doutorado “Diante da catástrofe: a modernização brasileira nos filmes de Vladimir Carvalho entre 1974 e 1991”. Em seus estudos, a pesquisadora analisou sete obras do cineasta que, em conjunto, compõem uma interpretação sobre a modernização do Brasil a partir do interior.
Com a ajuda de imagens e slides, Aline explicou como os documentários usados de base para sua pesquisa denunciam as brutalidades por trás da construção de Brasília através dos depoimentos das pessoas envolvidas. Para ela, as obras atuam como uma forma de reparação dos oprimidos, já que “reconhecem a existência e resistência pelos testemunhos e registros de memória de sujeitos comuns”.
A palestrante apresentou resumidamente as três divisões da sua tese: Memórias Resistentes, Memórias de Guerra e Memórias Interrompidas. Em uma análise conjunta, os documentários expõem as contradições do processo de modernização do país através da capital e os impactos violentos nas pessoas que ocupavam a região.
‘Fase brasiliense’ de Vladimir
Após Aline, foi a vez de André compartilhar os seus estudos e sua análise sobre as obras do homenageado. Antes de se aprofundar nas obras de Vladimir que compõem a sua “fase brasiliense”, o pesquisador contextualizou a carreira do cineasta quando ainda morava na Paraíba: “É uma fase em que ele analisa o sertão nordestino, sobretudo o paraibano, de onde ele é. São filmes alinhados ao que se chamou de cultura nacional popular”.
Em seguida, o palestrante introduziu a sua dissertação de mestrado “A fase brasiliense do cinema de Vladimir Carvalho: um projeto de história e memória popular para Brasília”, que se aprofunda em três obras do cineasta, Brasília segundo Feldman (1979), Perseghini (1984) e Conterrâneos Velhos de Guerra (1990/1991). André explica que o ponto que liga esses filmes é o Massacre da Pacheco Fernandes, ocorrido em 1959 e que vitimou operários da construção de Brasília. “O período JK foi muito memorizado do ponto de vista de uma modernização inclusiva, nostálgica, e o Vladimir aponta que na construção de Brasília tem algo de muito violento e contraditório”, completa.
O pesquisador ainda expõe que Vladimir foi pioneiro nas discussões sobre as contradições que envolvem a construção da capital e no processo de fazer um balanço do modernismo através de Brasília. O cineasta foi, segundo André, um historiador-documentarista que ajudou a escrever uma história de Brasília, de viés crítico, antes mesmo dos debates históricos sobre a sua construção.
*Imagem de capa: Acervo Pessoal/Louisa Harryman