Por Ana Alice Coelho (anaalice.coelho@usp.br)
Na tarde do dia 5 de abril de 2025, no espaço do CineSesc, aconteceu a sessão de exposição e debate do documentário Minha Terra Estrangeira, dirigido por João Moreira Salles, Louise Botkay e o Coletivo Lakapoy. A trama aborda a história de Almir Suruí, ambientalista e líder indígena do grupo Suruí-Paiter, ao mesmo tempo que segue Txai Suruí, ativista ambiental e dos direitos indígenas, durante os 40 dias anteriores às eleições de 2022.
Os 99 minutos de documentário acompanham a rotina de pai e filha durante a preparação para as eleições de forma separada, com Almir conduzindo sua campanha para deputado federal em Rondônia e Txai em suas campanhas ativistas em Londres, São Paulo e outros lugares do Brasil. O documentário expõe, além da luta para um governo a favor dos direitos indígenas, o descaso com o território desses grupos e a sua depredação e desmatamento por garimpos ilegais e madeireiras ilícitas, revelando a tomada de terras e o preconceito constante percebido dentro e fora das cidades.

A história do pai
O documentário se inicia seguindo Almir Suruí em sua tentativa de atravessar o rio para levar sua campanha de deputado federal à uma das aldeias de Rondônia. Logo de cara, somos surpreendidos com um dos empecilhos que perdurará durante toda a jornada de Almir: o bloqueio dos “donos de terra” nos caminhos de acesso aos territórios dos grupos indígenas. A barreira invisível impede tanto a equipe de campanha quanto o grupo de filmagem a seguir da forma esperada. Já nesse primeiro momento, entende-se o tom e objetivo do filme, que denuncia de forma pontual a tomada de terras acontecendo pouco a pouco, com o controle sobre a situação se esvaindo pelos dedos daqueles que devem possuí-la, enquanto nada é feito por parte do governo.
Não são poucas as adversidades da equipe de Almir, totalmente composta por não-brancos. Ao longo do filme, o grupo percorre mais de 8 mil quilômetros para promover a campanha, visitando diversas aldeias da região e conversando com empresários e donos de grandes terras. Para Almir, é importante que espaços majoritariamente dominados por brancos sejam ocupados, pois é a partir da escuta do povo indígena que se começa a mudança para a segurança desses grupos.
A história da filha
Txai Suruí é apresentada no documentário por meio de uma ligação de vídeo com o pai, Almir Suruí, enquanto se preparava para seu discurso na 26° Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, que aconteceu em Glasgow, na Escócia. A partir daí, a trama segue com a filha em seu percurso nacional e internacional de ativismo ambiental e indígena. Txai discursa na ONU, participa de protestos e campanhas ambientais, acompanhada pelo fotógrafo e indigenista Gabriel Uchida.
A ativista protesta ao longo do filme sobre como é a constante perseguição para com grupos indígenas e ativistas e defensores do meio ambiente. O medo de Txai faz com que a sua luta contra o descaso e a destruição promovida pelas madeireiras ilegais e os garimpos nocivos seja ainda mais potencializada. Além disso, ela se empenha por uma Rondônia mais acolhedora, já que, para a indígena, “se em outros estados já estão lutando, a gente luta o dobro”.
Em meio a promessas e adversidades, pai e filha se esforçam da maneira que podem para assegurar direitos indígenas assertivos e territórios demarcados e protegidos da forma correta. Com o trabalho da equipe de ambos, o documentário expõe a luta desses povos originários e a esperança por um futuro melhor.

O documentário
A parte mais interessante do documentário se dá pela sua forma de demonstrar o tempo ao longo do filme. A passagem de tempo não acontece de forma cronológica e linear, e sim por meio de voltas ao passado, presente e futuro durante os 40 dias de campanha. As gravações feitas de Almir pelo Coletivo Lakapoy e a cineasta Louise Botkay se intercalam com os vídeos feitos por João Moreira Salles e sua equipe enquanto acompanhavam Txai Suruí. O documentário também faz uso de desenhos e informações que dividem momentos específicos, marcando o início e fim de narrativas ao mesmo tempo que contribuem com o seu fluxo.
Outro destaque interessante é a gravação intimista alcançada pelo grande número de filmagens com as câmeras à mão, ainda incluindo alguns registros feitos por meio do celular de Txai. Esse método utilizado pelos diretores consegue trazer ao público próximo a realidade documentada durante o período de gravação, incluindo momentos e espaços como aldeias, protestos, discursos públicos e a casa da família Suruí. O leve balanço promovido por essa escolha de gravação faz o espectador sentir-se como se estivesse presente na ocasião, tornando mais fácil gerar simpatia com o trajeto de Almir e Txai Suruí.

Esse filme fez parte do Festival Internacional de Documentários ‘É Tudo Verdade’. Para mais resenhas do festival, clique na tag no início do texto.
*Imagem de capa: Divulgação/ VideoFilmes