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O que foi o boom das commodities no Brasil?

Entenda o fenômeno que afetou a economia do país na década de 2000
Por Davi Alves (davi.palves@usp.br)

Entre 2000 e 2014, a economia global foi marcada pelo aumento dos preços de bens como petróleo, minério de ferro, soja e outros produtos agrícolas e minerais. Esse fenômeno ficou conhecido como o “boom das commodities” e gerou impactos em países produtores e exportadores desses produtos.

As commodities são produtos pouco industrializados, fundamentais para a economia global e semelhantes em todos os lugares do mundo onde são produzidos. Elas são fabricadas em larga escala e com capacidade de serem estocadas. Os países necessitam desses produtos para produzir bens de maior valor agregado.

O Brasil é considerado um grande exportador de commodities. Em 2023, a soja, o petróleo e seus derivados e o minério de ferro representaram cerca de 38% do valor das exportações brasileiras, segundo dados do Comex Stat, sistema oficial para extração das estatísticas do comércio exterior brasileiro de bens.

Em entrevista à J.Press, a professora do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Larissa Naves de Deus Dornelas, explica as causas do boom das commodities e analisa o alcance do impacto desse fenômeno no país.

J.Press – Qual é a relevância do boom das commodities ao analisar a economia brasileira nos anos 2000?

Larissa Dornelas – O termo commodities corresponde a um grupo de produtos básicos, em estado bruto ou com baixo grau de transformação (mercadorias com baixo valor agregado), que são negociadas globalmente sob uma mesma categoria. 

O Brasil, historicamente, é um grande produtor e exportador de commodities, agrícolas e minerais. Dados da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) mostram que, em 2014, as commodities representavam 65% do valor das exportações brasileiras. Dessa forma, qualquer alteração de demanda, oferta e preço das commodities pode afetar consideravelmente as quantidades e o valor das exportações brasileiras. Dado o boom de demanda mundial e aumento dos preços das commodities nos anos 2000, houve impacto na economia brasileira, sobretudo via aumento do valor de nossas exportações, influenciando positivamente o PIB (Produto Interno Bruto) e a renda do país.

Segundo o Comex Stat, a soja teve participação de 16% no valor das exportações brasileiras em 2023.

J.Press – Quais foram as principais causas do aumento do preço das commodities nessa época?

Larissa – Uma das principais causas do aumento do preço das commodities nos anos 2000 se deve à forte demanda mundial por estes produtos, impulsionada pelo crescimento da economia chinesa, que ficou em cerca de 11% ao ano entre 2000 e 2010. Com o avanço da China, seus níveis de renda e consumo elevaram significativamente, ampliando consideravelmente a demanda pelas commodities no mundo, o que pressionou seus preços.

J.Press – Como são definidos os preços desses produtos?

Larissa – As commodities podem ser vendidas como qualquer mercadoria, mas na atualidade são negociadas em bolsas de valores, a partir do mercado futuro. Dessa forma, seus preços são influenciados por um conjunto de fatores que afetam o mercado à vista e o mercado futuro do produto. Este último fator é fundamental na determinação dos preços. 

Podemos considerar que os preços das commodities são formados a partir da soma do preço à vista, do custo de carrego e do prêmio pela incerteza. O preço de carrego é composto pelo custo de armazenagem, transporte, seguro e financiamento. Já o prêmio pela incerteza, é dado pelas expectativas dos agentes quanto ao mercado, considerando sazonalidade e tendência do setor.

J.Press – Por que o boom das commodities beneficiou a economia brasileira nos anos 2000?

Larissa – Nesse curto espaço de tempo, os preços das commodities atingiram patamares recordes, o que beneficiou de maneira direta tanto os produtores quanto o país, uma vez que mais empregos e renda são gerados, além da incorporação de tecnologia e produtividade.

J.Press – Outros fatores contribuíram para o crescimento econômico do país durante este período?

Larissa – Até 2003 a taxa de crescimento econômico no Brasil era baixa. Logo após, começa a crescer. A expansão foi liderada inicialmente pelo boom das commodities, mas a partir de 2006, o crescimento das exportações perde influência e o mercado interno cresce mais rápido por meio de uma política macroeconômica mais expansionista. 

Com a crise de 2008 nos EUA e a redução dos juros internacionais, o BC (Banco Central) brasileiro atingiu a meta de inflação com uma taxa básica de juros mais baixa. Houve ainda estímulos econômicos com a política fiscal expansionista, o que fez com que o Brasil retraísse menos com a crise financeira internacional em termos comparativos aos países centrais no mundo.

J.Press – O aumento do preço e das exportações de commodities trouxe impactos negativos na economia interna do país?

Larissa – O aumento dos preços internacionais das commodities causou dois efeitos sobre a inflação brasileira. Primeiramente, pressionou os preços domésticos destas mercadorias. Mas, de outro lado, gerou grande quantidade de divisas (moeda estrangeira) ao país, o que acabou por valorizar o real e ajudou a controlar a inflação via preços dos produtos importados. 

J.Press – Segundo dados do Banco Mundial, entre os anos de 2002 e 2014 os percentuais de pessoas que viviam em situação de pobreza e extrema pobreza reduziram significativamente no Brasil. Há alguma relação entre o aumento do preço das commodities e a queda dos indicadores de pobreza no país?

Larissa – Um estudo de 2018 do Fundo Monetário Internacional (FMI) considera que a taxa de pobreza caiu de cerca de 27% para 12%, e a desigualdade recuou quase 11% em toda a América Latina entre 2000 e 2014. Muitos dos países sul-americanos exportadores de commodities, como a Bolívia, o Brasil e o Peru, também registraram as maiores diminuições da pobreza e da desigualdade. No caso da pobreza, os exportadores de commodities registraram reduções maiores em comparação com os importadores de commodities.

A principal explicação do estudo é que o crescente setor de commodities teve uma considerável expansão e atraiu mão de obra, o que ocasionou uma elevação dos salários e do emprego. A demanda por mais trabalhadores também se espalhou para outros setores, como o de construção. Ao mesmo tempo, as receitas públicas aumentaram, o que apoiou a elevação do investimento público e estimulou a geração de empregos.

Segundo o Datafolha, a avaliação de Lula era classificada como “ótima ou boa” para 83% dos entrevistados em outubro de 2010. A margem de erro é de 2 pontos para mais ou para menos.

J.Press – A avaliação positiva dos dois mandatos do presidente Lula, que coincidem com o período do aumento do preço das commodities, se deu em que medida a esse fenômeno?

Larissa – A avaliação positiva se deve muito a um conjunto de fatores, como a elevação do PIB e da renda do país, as políticas macroeconômicas expansionistas e o estímulo a políticas sociais. Como o PIB e a renda da economia foram muito puxados pelos resultados do setor externo, o boom de commodities contribuiu, sim, para esta avaliação positiva. 

J.Press – O que causou o fim do alto preço das commodities em 2014? A crise econômica e política no Brasil em 2014 tem relação com isso?

Larissa – A queda nos preços globais das commodities tem forte relação com a desaceleração da China por volta de 2011. A economia e a política andam juntas, não há como dissociá-las. Há um peso significativo dos resultados econômicos sobre a disputa política. Entretanto, a crise iniciada em 2014 no Brasil merece uma análise mais profunda, sobretudo em termos de disputa de poder.

J.Press – A partir dos anos 2000, as exportações brasileiras para a China aumentaram significativamente. Na sua avaliação, esse ritmo foi acelerado e influenciado pelo boom das commodities?

Larissa – Sim, a China é nosso principal parceiro comercial, tanto no âmbito das nossas exportações, quanto de nossas importações. O boom das commodities ajuda a explicar esta posição de destaque como um dos fatores. Além deste, a própria dinâmica econômica da China, colocando seu setor externo e industrial como motores do crescimento, é um elemento essencial desta nova configuração.

J.Press – O Brasil está vivenciando um novo boom das commodities?

Larissa – A meu ver, não. A pandemia e a guerra da Ucrânia reconfiguraram cadeias produtivas globais, alteraram preços relativos, e influenciam a organização geopolítica do mundo. Nos últimos anos o mundo lida com o aumento da inflação, a alta dos juros e uma perspectiva de crescimento bem mais contida para quase todos os países. 

Além disso, muito do aumento dos preços das commodities na atualidade se deve aos efeitos das quebras das cadeias globais de valor na pandemia e sua lenta retomada, o que impôs aumento da inflação de custos no mundo todo. 

J.Press – A influência do mercado internacional na economia brasileira é um fator negativo para o desenvolvimento econômico, a redução da pobreza e das desigualdades?

Larissa – O mercado internacional influencia toda economia aberta, comercial e financeiramente. Atualmente é difícil pensar em um exemplo de país livre de influências externas. Esse fenômeno é mais acentuado em países periféricos, como o caso do Brasil. 

Aliar a influência conjuntural do mercado internacional junto às políticas macroeconômicas e sociais internas é que pode levar o país ao desenvolvimento, redução de pobreza e desigualdades. Para isso é imprescindível que o país tenha, mantenha e persiga políticas econômicas internas no caminho destes objetivos.

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