Por Luiz Dias (lhp.dias11973@usp.br)
“Eu sou mais coautor do que autor.” A frase de Roberto Berliner durante sua palestra para a 30ª edição do Festival de Documentários É Tudo Verdade sintetiza o espírito não apenas de sua apresentação, como de sua carreira: construída com os pés nas ruas, a câmera na mão e o coração aberto ao acaso.
Em palestra para estudantes de comunicação, o cineasta carioca compartilhou momentos de sua trajetória na produção audiovisual, em especial nos documentários.Ao longo da conversa, Berliner falou sobre sua passagem pelo Circo Voador, a fundação da MTV, os anos na publicidade e, principalmente, sobre como personagens comuns — como três irmãs cegas do sertão da Paraíba ou uma trupe de anões de circo vivendo num lixão — tornaram-se protagonistas de filmes que emocionaram o Brasil e o mundo. Entre um caso e outro, refletiu sobre o erro como potência criativa, o respeito com os retratados e a leveza que o documentário permite, em contraste com a rigidez do cinema de ficção.
Quem é Roberto Berliner?
Nascido no Rio de Janeiro em 1957, Roberto Berliner se formou em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e começou sua carreira ainda nos anos 1980, em meio a um ambiente de constante transformação na mídia e à introdução do vídeo. O autor gostava de experimentar com sua câmera: “O legal era treinar”.
O ambiente do Circo Voador foi particularmente fértil para essa experimentação, impulsionando-o a gravações cada vez mais elaboradas. Lá, conviveu com artistas de diferentes linguagens — do teatro ao rock, do palhaço ao vídeo independente —, num espaço fundamental de formação. Foi nesse espaço que sua visão coletiva sobre o cinema começou a se consolidar, inspirada também pela experiência de um ano em um kibutz israelense. “O cinema, pra mim, é coletivo. Não sou autor, sou coautor”, resume.
Berliner é fundador da produtora TV Zero e foi um dos criadores da MTV Brasil. Ao longo das décadas, transitou com fluidez entre videoclipes, publicidade, televisão e cinema documental, sempre valorizando a observação atenta e a escuta generosa. Trabalhou na TV Manchete, teve passagem pela TV Globo — onde aprendeu edição em condições técnicas privilegiadas — e levou videoclipes independentes ao ar no programa Fantástico, o que alavancou sua carreira nos anos 1980.
Um método guiado pelo afeto e pelo acaso
Seu olhar está voltado para os excluídos, os esquecidos, os marginalizados — pessoas reais cujas histórias revelam tanto a fragilidade quanto a força diante de um mundo, muitas vezes, hostil. Com empatia e respeito, transforma suas vidas em filmes profundamente humanos.
“Todos os meus filmes refletem a união de pessoas contra um mundo hostil”
Roberto Berliner
Não à toa, entre tantas obras, duas foram constantemente mencionadas por ele ao longo da palestra: A Pessoa é para o que Nasce (2004), documentário sobre a vida de três mulheres cegas que cantam e mendigam no interior da Paraíba, e Pindorama – A Verdadeira História dos Sete Anões, sobre uma família composta por artistas circenses anões que viviam em um lixão.

Para ele, o documentário é mais uma travessia do que um projeto. “Gosto de andar. Andar me faz pensar. É quando eu vejo, ouço, me conecto.” A maioria de seus filmes nasce assim: de encontros não planejados, de pessoas reais que cruzam seu caminho e despertam empatia.
Ele também defende o direito ao erro. “A publicidade é a arte de não errar. O documentário é o lugar onde o erro vira caminho. Muitas vezes, o que parecia falha é o que revela a verdade.”
A relação com os personagens também é ética e afetiva. Em muitos casos, ele opta por pagar cachês aos retratados. “Não estou comprando a opinião de ninguém, mas usando o tempo dessas pessoas. É justo que elas recebam por isso”, afirmou. Ao falar de Maria, do filme das cegas, emociona-se: “Ela entendeu o poder do cinema antes de muita gente.”
Próximo trabalho
Ao final da palestra, Berliner ainda revelou um pouco de seu próximo projeto: um documentário com foco no Retiro dos Artistas, localizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde diversos artistas idosos — sem condições financeiras de se manterem de forma autônoma — vivem em uma pequena comunidade de repouso.
*Imagem da capa: Reprodução/Instagram/@etudoverdadeoficial