Por Thaís Santana (thais2003sc@usp.br)
O mais novo filme do diretor Jeff Nichols tem como protagonista um motoclube masculino localizado no meio-oeste dos Estados Unidos durante a década de 60. Clube do Vândalos (The Bikeriders, 2024) foi feito com base no livro fotográfico de Danny Lyon, e assim como seu material original, retrata a trajetória de uma gangue por meio de um visual marcante e nostálgico, construído pelo figurino e pela trilha sonora. Todo o enredo é narrado a partir do ponto de vista da personagem Kathy (Jodie Comer), a esposa do implacável Benny (Austin Butler) e um dos motociclistas do famoso grupo liderado por Johnny (Tom Hardy). A dinâmica do filme é centrada nesse trio de personagens que irão revelar os conflitos promovidos pela existência do polêmico Clube dos Vândalos.
A perspectiva de Kathy é contada através de uma entrevista concedida anos depois dos acontecimentos do filme. O jornalista (Mike Faist) está interessado na ascensão e queda do antigo clube de motoqueiros de Chicago. Kathy relata que conheceu seu marido Benny em uma noite que visitou o Clube dos Vândalos, e desde então, sua vida tornou-se em lidar com idas a hospitais e delegacias, pois Benny está sempre sofrendo acidentes resultantes da sua participação na gangue de Johnny.
Mesmo com o desconforto de Kathy, o rapaz não vê sua vida fora da adrenalina sob duas rodas e mantém forte devoção com seus companheiros de clube, especialmente, com o líder dele. Johnny, além de admirar a juventude e inconsequência de Benny, faz de tudo pelo funcionamento e integrantes de sua gangue, a ponto de gerar inimigos fatais.
A maior proposta do filme consiste em provocar vibração no telespectador por meio das cenas intensas de brigas, marcadas por cortes brutos e golpes violentos. No entanto, a tensão é pouquíssimo trabalhada no decorrer da trama, mesmo diante de pontos mais cruciais, tornando a experiência de ânimo pelo o que está mostrando em tela muito passageira. O ritmo do filme é repetitivo e utiliza algumas cenas de foco em personagens que não são posteriormente trabalhados, ou seja, são esquecíveis e deixam o decorrer da história mais tedioso. Por conta de um objetivo simples, a obra de Nichols falha em tentar trazer algo para o público além de motociclistas entrando em brigas.
A história possui uma divisão clara em iniciar com a apresentação do clube, a partir do primeiro encontro entre Kathy e Benny, pontuar os eventos que foram modificando sua estrutura e finalizar com sua desconstrução. Essa escolha organiza a narrativa, mas evidencia como o rumo de tudo é extremamente previsível, e já que as cenas de tensão não são suficientes para empolgar o público, não resta nada no enredo que fará isso. Logo, você começa o filme sabendo como ele irá terminar e o desenvolvimento do roteiro também não traz nada de muito inovador. Apesar de ter sido inspirado em um contexto real, não existem elementos relevantes que façam referência à Chicago dos anos 60, tornando o cenário ainda mais genérico e sem vínculos que irão manter o interesse de quem está assistindo.
Os personagens, em sua grande maioria, são figurantes, e até mesmo os antagonistas são indivíduos insignificantes definidos por ações únicas durante o longa (como matar ou morrer, bastante esperado em um filme como esse). Os três principais, Kathy, Benny e Johnny, no entanto, são brilhantemente interpretados por atores que conseguiram acrescentar camadas de emoção em personagens muito rasos. Kathy como narradora consegue ser mais interessante do que como participante da trama, visto que na primeira posição ela traz comentários críticos muito certeiros, alguns até engraçados.
Porém, quando é colocada como personagem da história, é possível enxergar apenas uma mulher assustada com seu marido machucado, que não apresenta conflitos envolvendo sua família, amigos ou até mesmo seus próprios planos de vida. Austin Butler tem uma atuação excelente ao encarnar um homem que parece até mesmo irracional em alguns momentos, e que não expressa bagagem do seu passado ou temores pelo seu futuro. Sequer externaliza suas motivações para ser tão apegado a uma vida tão perigosa e que traz desentendimentos para seu casamento. Nem mesmo o amor de Benny por Kathy é compreensível porque não há uma demonstração concreta dele, tornando esse personagem taciturno tão interessante quanto um animal de zoológico.
Johnny é o mais fora da curva, e infelizmente, o mais desperdiçado. Diferentemente dos outros, é possível notar uma ambiguidade no personagem quando a segurança de seus companheiros entra em cheque com o andamento do clube. Sua personalidade é dividida entre a brutalidade e a proteção, mas não há nenhum aprofundamento produtivo nas suas emoções ou nos seus pensamentos que possam retratar suas mudanças de ideia gradualmente. O final do personagem é bastante previsível, e talvez uma repercussão maior seria o necessária para uma boa utilização do personagem, mas infelizmente, nem isso acontece.
A relação entre os personagens é nebulosa. Existe confiança, amizade e admiração ou apenas respeito e união de interesses? O questionamento não atinge o telespectador por serem apresentados ambos lados, e sim, por não ter sido mostrado nada. Ao mesmo tempo que pode-se entender o que os membros do clube sentem uns pelos outros, não é fácil compreender o porquê que esse sentimento foi construído. Talvez uma infância conturbada, ou um contexto de vida criminal mas nada disso é trazido, colocando grandes lacunas no desenvolvimento da trama. O relacionamento entre Kathy e Benny pode ser considerado tóxico? A relação entre Johnny e Benny era algo paternal? São respostas que não podem ser obtidas com precisão mesmo envolvendo os personagens chaves do enredo, porque os anseios e medos de cada um não possuem espaço para serem explorados.
Certamente, um filme que tem como centro um aspecto batido na cultura, os clubes de motociclistas, precisa trazer algum tipo de âncora para que o telespectador tenha vontade de continuar atento. Porém ela não está nas cenas brutas, nem nos personagens e nem na própria estética colocada. A trilha sonora de David Wingo é muito agradável e bem encaixada, assim como os visuais de cenário e de figurino, mas somente isso: agradável. Nada impactante, memorável ou até mesmo distinto. O elemento de mais destaque talvez seja o próprio elenco, mas o cinema não é feito somente de atores charmosos colocados em uma história qualquer (uma pena que O Clube dos Vândalos seja).
Os diálogos também não são de saltar os olhos, e as melhores e mais importantes falas são proferidas por Kathy para o repórter. Talvez a intenção fosse que a profundidade da história estivesse presente nesse exercício de revisitar um período que já se foi, mas para refletir o que exatamente? A insanidade e até infantilidade, de todos aqueles homens? Soa muito raso, se for levado em consideração que o clube não foi um arrependimento nem tampouco uma fase de ouro. Uma história sobre rixa de gangues puramente crua no caráter de ação, sem trazer complexidade emocional, cenas mais chocantes ou até mesmo diálogos de impacto tem o que para acrescentar nessa categoria? As chances dele se perder em meio a filmes mais maduros é muito grande.
De fato, não existe uma intenção de se arriscar e ir além, mesmos nos elementos cinematográficos mais simples. Não é uma alternativa obrigatória para tornar um filme envolvente, mas essencial quando a história retratada carece de qualidades que vão conectar o público. Considerando um elenco muito disposto, um investimento bom e um material base para formular o filme, não haviam muitos motivos para mantê-lo em uma zona de conforto tão grande. É possível que a experiência de assisti-lo seja confortável, caso não haja a pretensão de se admirar com alguma coisa. Ainda sim, sua relevância na memória do público dificilmente ganhará o primeiro lugar na corrida do entretenimento.
O filme já está disponível nos cinemas. Confira o trailer:
Ótima resenha, adorei, não vou ver o filme