Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Da implementação à demora: o começo do VAR no Brasil e no mundo

Já não é novidade que o futebol brasileiro não é o mesmo de antigamente. As participações em Copas do Mundo, o nível técnico das competições nacionais e a postura, não só nossa, mas também dos vizinhos sul-americanos no cenário mundial, deixa muito a desejar. A nova – e sem dúvida mais polêmica – mudança nos …

Da implementação à demora: o começo do VAR no Brasil e no mundo Leia mais »

Já não é novidade que o futebol brasileiro não é o mesmo de antigamente. As participações em Copas do Mundo, o nível técnico das competições nacionais e a postura, não só nossa, mas também dos vizinhos sul-americanos no cenário mundial, deixa muito a desejar. A nova – e sem dúvida mais polêmica – mudança nos principais torneios do esporte mais popular do Brasil foi a do árbitro de vídeo. Implementado aos moldes europeus, esse recurso vem gerando muitas controvérsias. Nesse texto do Arquibancada, você verá como o uso do VAR na América Latina pode ser tão diferente daquele encontrado nas demais ligas do futebol mundial.

 

A implementação lá

O assistente de vídeo do árbitro (VAR, do inglês video assistant referee) foi criado com o objetivo de minimizar os erros de arbitragem ao longo de uma partida. Ideia semelhante foi base da decisão da Federação Internacional de Futebol (Fifa) de 2012, que aprovou o uso de bolas com chip para a validação de gols nos quais a redonda encontra-se em posição duvidosa.

Sugerido pela primeira vez em 2014, os primeiros testes do VAR só foram feitos em 2016. Durante aquele ano, a ferramenta foi experimentada em partidas da Major League Soccer (liga norte-americana de futebol), amistosos internacionais e no Mundial de Clubes da Fifa.

Seguindo o princípio de “interferência mínima e benefício máximo”, o uso do VAR está restrito a situações de infrações anteriores a um gol, decisões de pênalti, uso direto do cartão vermelho e dúvida em relação a identidade de um atleta punido. A autoridade do árbitro na partida ainda deve ser máxima. Na Alemanha, por exemplo, o juiz não marcou um pênalti interpretativo, mesmo revendo o lance no monitor, por convicções pessoais. Vale lembrar também que cabe ao árbitro, orientado pelos seus assistentes, decidir conferir ou não o lance no monitor de vídeo.

Ao longo de seu começo de caminhada, sua precisão foi evidente. O árbitro de vídeo contou com uma eficiência próxima a 100% nos 2.023 lances capitais que checou durante a temporada 2017-2018 na Itália, segundo dados do UOL. Os primeiros resultados renderam ao VAR uma participação na Copa do Mundo de 2018 – alterou a decisão do árbitro 17 vezes nas 64 partidas da competição.

As primeiras ligas de ponta a introduzirem a ferramenta foram a alemã e a italiana. O movimento de implementação nessas e em outras competições pareceu servir como pressão a outros países. O maior exemplo disso foi o caso da Inglaterra. Mesmo após uma série de testes controversos marcados por erros técnicos, o então presidente executivo da Premier League (liga inglesa de futebol), Richard Scudamore, admitiu ver a adoção do VAR como “inevitável”. Dito e feito. O uso do árbitro de vídeo na liga inglesa foi confirmado para a temporada 2019-2020.

 

A implementação aqui

Um pouco mais curta, porém, igualmente complexa. Assim pode ser definido o conturbado início de trajetória do árbitro de vídeo nas principais competições brasileiras e sul-americanas.

Tentando acompanhar as tendências do cenário mundial, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) propôs oficialmente o uso do VAR em 2017 – uma preparação já estava sendo feita desde 2016. A perspectiva de se assemelhar ao nível europeu fez com que a implementação do árbitro de vídeo no Brasil se mostrasse um tanto quanto impulsiva. Em entrevista ao Globo Esporte, o comentarista de arbitragem da Globo, Sandro Meira Ricci fez referência à preparação menos intensa dos árbitros no Brasil, que não contou com tantos testes offline.

À época, o Campeonato Brasileiro entrava em sua reta final. Em setembro de 2017, o Corinthians enfrentou o Vasco da Gama em sua Arena. No segundo tempo da partida, o atacante Jô, do clube paulista, fez um gol decisivo de mão na pequena área, mas a infração não foi notada pela comissão de arbitragem.

Em meio à pressão da torcida e imprensa, o então presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, optou por implementar o VAR no Campeonato Brasileiro “o quanto antes”. No fim das contas, pela falta de planejamento financeiro e logístico adequados, a decisão foi postergada para o ano seguinte.

Depois de alguns dirigentes dos 20 clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro de 2018 terem vetado o árbitro de vídeo naquela competição pelos altos custos que eles teriam de arcar (R$50 mil por partida), a CBF decidiu implementá-lo somente nas quartas de final Copa do Brasil daquele ano.

Hoje, a situação parece ter encontrado um rumo melhor. O VAR é utilizado em fases decisivas de nove campeonatos estaduais ao redor do país. Em São Paulo, a escolha de implantação do recurso se relacionou ao escândalo de arbitragem na final do Paulistão de 2018, entre Corinthians e Palmeiras. No jogo de volta daquela ocasião, a comissão de arbitragem demorou quase dez minutos para decidir se houve ou não um pênalti para o alviverde. O ocorrido, sem dúvida, pressionou membros da Federação Paulista de Futebol, organizadora do torneio, a repensar o uso do VAR.

Exemplo do uso do árbitro de vídeo durante o Campeonato Paulista [Imagem: William Lima / FPF]

Pouco discutida atualmente, a questão da profissionalização de árbitros nacionais é mais um obstáculo para que a tecnologia seja instalada aqui da melhor maneira. No Brasil, não é raro encontrar um juiz que também atue em outras funções – indo desde militar até banqueiro. Com isso, o tempo que um árbitro tem para se dedicar a entender e treinar melhor as novidades trazidas pelo seu auxiliar em vídeo é muito menor se comparado ao do europeu.

Outra entidade que apoiou o uso dessa ferramenta foi a Confederação Sul-Americana de Futebol, a Conmebol. Depois de seu sucesso na Copa do Mundo de 2018, o VAR encontrou seu novo destino: a Copa Libertadores da América daquele mesmo ano. O árbitro de vídeo, porém, só daria as caras a partir das quartas de final da competição. No ano anterior, a tecnologia só estava sendo usada durante as semifinais e finais do torneio continental.

 

As diferentes faces do VAR

Dentre os vários casos de implementação, o recurso do árbitro de vídeo sempre priorizou a redução dos erros. A autoridade da comissão de arbitragem, organização e rapidez, em teoria, devem ser sempre antepostos. Porém, como as realidades dos países em que o VAR foi implantado são, muitas vezes, diferentes, seu uso está sujeito a substanciais distorções.

Para início de conversa, o custo de instalação do recurso no Brasil é superior àquele encontrado na renomada liga italiana, por exemplo. Um dos motivos para essa diferença é o fato de que há uma cabine para o VAR em cada estádio brasileiro, por conta das dimensões continentais do nosso país. Já em alguns casos europeus, há uma única central de comando para o recurso.

No Brasil, uma das principais indignações que o VAR já estimulou em torcedores e jornalistas esportivos relaciona-se à demora do mediador da partida em tomar uma decisão com o auxílio da tecnologia. Para efeito de comparação, o uso do VAR em uma partida da Liga dos Campeões da Europa 2018-2019 não tomou mais do que um minuto, e na última Copa do Mundo, a média foi de 38 segundos.

Do outro lado, em um jogo do Paulistão de 2019, houve um lance interpretativo de pênalti nos minutos finais. A partida chegou a 5 minutos de paralisação e, no final das contas, o juiz nem sequer conferiu o lance no monitor. A disputa era entre São Paulo e Corinthians no jogo de ida da final daquela competição. O momento final foi tão embaraçoso que os cantos de incentivo da torcida tricolor no Morumbi deram lugar a gritos de “vergonha”.

Árbitro pede calma aos jogadores do São Paulo após quase quatro minutos de paralisação [Imagem: Sergio Barzaghi / Gazeta Press]

Vale lembrar, porém, que a pressão não vem somente das arquibancadas. Em um dos últimos “Fla-Flus” (clássico carioca disputado entre Flamengo e Fluminense) os holofotes se voltaram para o então técnico do rubro-negro, Abel Braga. Na ocasião, o treinador foi criticado pela intimidação ao árbitro enquanto esse verificava um lance pelo vídeo, fazendo com que a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) optasse por mudar o local do monitor do VAR. 

Em outra ocasião – no Campeonato Gaúcho de 2019 – passados quase dez minutos de paralisação para a marcação de um pênalti a favor do tricolor no duelo entre Grêmio e Internacional , o jogador D’Alessandro e o técnico Odair Hellman, ambos do colorado, foram expulso por reclamação.

Em entrevista ao Arquibancada, o comentarista de arbitragem da Globo, Sálvio Spínola, afirmou que o problema comportamental presente dentro das quatro linhas ainda deve permanecer, pelo menos, até a oitava rodada de um campeonato de pontos corrido como é o Brasileirão. Situações parecidas aconteceram no início do VAR nas ligas europeias. A adaptação à nova tecnologia não acontece somente entre os árbitros, mas também entre os próprios atletas.

Assim, a insatisfação também aparece em quem está dentro das quatro linhas. Na final do Campeonato Mineiro de 2019, entre Atlético-MG e Cruzeiro, mesmo ganhando o título, o meia da Raposa, Robinho, criticou o uso do VAR: “Eu sou contra. Eu acho que está atrapalhando muito, segurando muito. Sete minutos de acréscimo porque o VAR toda hora para, não é mais o juiz que apita”. Na mesma decisão, o recurso em vídeo foi usado dez vezes, porém, o mediador só foi verificar o monitor, de fato, em uma ocasião.

Em ligas europeias, é raro vermos jogadores e treinadores criticando o recurso. Muitas vezes, o contrário acontece. Depois de ter um gol de seu time anulado pelo VAR nos minutos finais, o técnico do Manchester City, Pep Guardiola, ratificou seu apoio à ferramenta, ressaltando a proposta de tornar o jogo menos injusto.

 

Os casos curiosos de utilização

As boas intenções do árbitro de vídeo já viraram consenso. Porém, além de problemas como a demora, há outro fator chave que deve permear a discussão: o que fazer com a emoção incontrolável que um gol traz depois que ele foi anulado pela ferramenta?

Para ilustrar esse cenário, convém lembrar o jogo de volta das quartas de final da última Liga dos Campeões da Europa entre Manchester City e Tottenham Hotspur. O jogo estava empatado no placar agregado em 4 a 4. Bastava um gol dos cityzens para que o time de Pep Guardiola se classificasse. Aos 47 minutos do segundo tempo, Sterling consegue o feito – para a explosão de felicidade dos jogadores e torcedores do City. Porém, segundos depois, o árbitro faz o sinal do VAR de anulação por impedimento, deixando um sentimento de vazio no coração de todos aqueles que comemoraram o balançar das redes.

Jogador do Manchester City se revolta com o juiz após ter gol anulado [Imagem: CBS Sports]

Contudo, mesmo com o VAR, ainda existem erros. Na Libertadores de 2018, o Cruzeiro enfrentaria o Boca Juniors nas quartas de final da competição. No segundo tempo, o zagueiro Dedé, do time mineiro, ao tentar cabecear a bola, acertou involuntariamente o rosto do goleiro do clube argentino. O brasileiro acabou sendo expulso depois de o juiz da partida rever o lance. A decisão foi tão equivocada que a própria Conmebol anulou a suspensão do atleta do Cruzeiro, gerada pelo cartão vermelho.

 

Perspectivas para VAR no Brasil

Em fevereiro de 2019, a CBF promoveu uma nova votação para decidir sobre o uso do árbitro de vídeo no Campeonato Brasileiro. Os 20 clubes que disputam a primeira divisão deste ano foram unânimes na decisão de utilizar a ferramenta ao longo das 38 rodadas, resultando no maior uso da tecnologia em uma única competição. Além dos gastos – agora divididos entre times e CBF – ainda é possível destacar os últimos obstáculos que o VAR enfrenta no Brasil.

Nos 39 jogos dos estaduais que contaram com o uso do VAR, a tecnologia mudou a decisão do campo em 19 dessas partidas, ou seja, quase 49%. Assim, comprova-se que a presença desse recurso, de fato, pode mudar a trajetória de um time em uma competição.

Juiz usa o recurso do VAR na primeira rodada do Brasileirão 2019 sob pressão [Imagem: Geraldo Bubniak / Agência O Globo]

Apesar da eficiência, o uso do árbitro de vídeo ainda está sujeito ao nível técnico da arbitragem do Brasil e de outros países sul-americanos. Caso seja utilizado – a decisão ainda está nas mãos do juiz da partida – erros ainda podem acontecer, como mostramos no caso ocorrido no duelo entre Boca Juniors e Cruzeiro. 

Questões como essa se tornaram mais uma especificidade do futebol brasileiro. Isso porque ainda não tivemos contato com a padronização desse recurso – isto é, ter um campeonato inteiro como o auxílio do VAR. Nos estaduais, por exemplo, diferente do Brasileirão – comandado somente pela CBF – o uso dessa tecnologia ficou sujeito aos diferentes investimentos das federações regionais. “Não tem no futebol brasileiro árbitros preparados e capacitados com a tecnologia do árbitro de vídeo, até pelo problema de apitar um jogo com VAR e apitar um jogo sem VAR na semana seguinte” comentou Sálvio.

Para aprimorar o recurso no Brasil, o responsável pela comissão de arbitragem da CBF, o ex-árbitro Leonardo Gaciba, tem um projeto de criar um árbitro especializado na parte de vídeo.

Por fim, mesmo com a implementação do VAR, as decisões do juiz sobre uma partida de futebol ainda estarão sujeitas ao fator interpretativo. A clássica situação de “mão na bola ou bola na mão” é um bom exemplo para lembrarmos que o árbitro de vídeo é uma máquina sujeita ao olhar e às convicções humanas. Ainda sim, é um recurso de extrema importância para tornar o esporte mais justo e transparente, apesar das diversas resistências que têm enfrentado – e ainda enfrentará – no espetacular mundo do futebol.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima