Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Das quadras para as telas: a relação entre o cinema e o esporte

Frutos do mesmo contexto, o cinema e o esporte possuem um potencial incrível de criar narrativas que transcendam gerações, mas a falta de cuidado ao mesclá-los impede que isso aconteça

Uma pessoa de origens humildes e problemáticas, que tenta sobreviver aos empecilhos que a vida impõe a ela, acaba tendo sua vida mudada ao conhecer alguém que vê nela um talento bruto e mal aproveitado. Essa figura assume um papel de mentor da pessoa e a força além de seu limites, a leva a crer que há mais na vida do que aquilo que ela achava. Além do mentor, essa pessoa conhece diversas outras pessoas que a ajudam a passar pelas várias provações que o caminho escolhido a impõe, até que, finalmente, no último deles, uma lenda nasce. Essa narrativa, por mais que genérica, é um ótimo exemplo do que é a jornada do herói, mas também serve como um ótimo resumo para a história do filme Rocky: Um Lutador (Rocky, 1976) ou qualquer uma de suas oito sequências

Certas narrativas se repetem inúmeras vezes no cinema, a jornada do herói atrelada ao mundo dos esportes é uma delas. A estrutura narrativa encaixa-se em diversos longas que usam o esporte como forma de contar uma história, desde Gol! – O Sonho Impossível (Goal! The Dreams Begins, 2005) até ao criativo Bud – O Cão Amigo (Air Bud, 1997). “Essa estruturação narrativa que discorre sobre elementos da cultura se apropria de diversas narrativas e dessas práticas corporais, dentre elas o próprio esporte, para amarrar os seus enredos, para construir as suas histórias”, contou ao Cinéfilos Allyson Carvalho, doutor e professor na área de educação física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

 

O personagem Rocky aparece utilizando um casaco marrom e com os braços abertos.
Uma referência entre os filmes de esporte, Rocky um lutador é um ótimo exemplo do uso de esporte nos cinemas. [Imagem: Divulgação/United Artists]
Segundo Carvalho, a relação entre esporte e cinema é algo que possui muito potencial. Ele destaca que as duas áreas como conhecemos é um fruto da modernidade. Como produtos de um mesmo contexto social, possuem princípios sociais e culturais muito próximos, como a relação com o espectador, buscando se utilizar da velocidade, da dinamicidade e do estímulo à excitação do sujeito praticante ou protagonista para instigar o interesse de quem assiste.  Ao comentar sobre o uso do esporte nas narrativas, Allysson afirma: “O esporte não garante audiência, mas ele engendrado com outros elementos que compõem a cultura cinematográfica gera uma potência muito grande, porque ele une nichos”.

 

O esporte e o público

Essa união entre os mundos esportivo e cinematográfico criam narrativas que ressoam fortemente com o público, através de gerações. Por mais que não se trate de narrativas revolucionárias, o esporte permite que temas sejam abordados de forma que o público possa relacionar-se, seja pelo apego à prática esportiva ou a similaridade que o contexto traz a sua vida. “Quando o cinema faz uso dessa prática social que é o esporte para narrar algum elemento, é importante que a gente compreenda que o esporte funciona ali como elemento alegórico para desenvolver uma narrativa cinematográfica ou se ele é central no enredo estabelecido”, diz Carvalho sobre o assunto.

Olhando para narrativas desse gênero, é possível notar qual o tipo de enfoque que o filme dá a cada momento para a prática esportiva. A franquia de Rocky Balboa é um ótimo exemplo de como cada filme utiliza-se do esporte com um enfoque diferente. Enquanto o primeiro, o terceiro e o sexto filme da série usa do esporte para abordar temas de pertencimento, superação, paternidade e sonhos, os demais que levam o nome do boxeador focam muito mais no espírito competitivo e no valor da prática do boxe como esporte. Essa mescla entre temáticas provoca um sentimento de emoção, excitação e identificação, que torce pelo protagonista, mesmo sabendo que a vitória, seja moral ou técnica, virá. 

O esporte, quando usado de forma certa, é uma ótima combinação com o cinema, pois potencializa suas narrativas e cria um mundo onde o espectador pode não só ser impactado pela história que está vendo, como ver sua própria realidade na forma que a narrativa se desenrola.  

 

Esporte como veículo

O esporte no cinema, assim como outros elementos da vida, é usado como um veículo para determinado enredo. Se pensarmos em Rocky: Um Lutador sem toda sua história cativante e suas dificuldades, o filme não seria assistível. Então “filmes de esporte” não é exatamente um gênero cinematográfico — senão “filmes de deserto” ou “filmes de oceano” também seriam —, e sim um plano de fundo para contar algo. Nesse momento, destaca-se a jornada do herói.

“O esporte potencializa a jornada do herói”, pontua Allyson, “para o cinema, foi como faca e queijo na mão”. É visível a grande quantidade de longas focados em práticas esportivas que mostram a superação de obstáculos e inspiram seus espectadores. O uso insistente da fórmula que envolve um jovem vivendo sua vida normal, que encontra um obstáculo e um mentor que o ajuda a vencer um desafio esportivo e, paralelamente, o protagonista conquista a garota dos seus sonhos, tornou todos os filmes desse “gênero” previsíveis devido a repetição.

Com isso, a qualidade de filmes centrados em desporto caiu. O público interessa-se pelo quão imprevisível o esporte é, e a falta dessa característica dificulta a conexão com a obra.  Principalmente pois o esporte é quem fisga a audiência e a narrativa do filme é quem o mantém interessado. “Por isso que perto da Copa do Mundo ou das Olimpíadas é lançado um filme com temática esportiva”, complementou o professor da UFRN.  Este ano, durante os Jogos Olímpicos, foi anunciado o longa Rei Richard (King Richard, 2021) que abarca a vida do pai de Serena Williams.

 

Will Smith e algumas garotas aparecem utilizando roupas brancas e caminhando.
Will Smith interpreta o pai de Serena Williams no longa de 2021. [Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures]
O esporte também é usado nas grandes telas pelos sentimentos que é capaz de evocar ao focar no psicológico do protagonista e nas tramas solucionadoras. Histórias como essas costumam ser extremamente comoventes, pois são uma metáfora para a vida do protagonista e demonstram uma luta interna que o esporte o ajuda a batalhar. Tal ajuda pode vir de muitas formas, especialmente como um mentor ou uma figura paternal. Nesse âmbito, muitos filmes flertam com o complexo do branco salvador e com estereótipos de grupos minoritários, como Um Sonho Possível (The Blind Side, 2009).

A possibilidade de uma derrota depois de uma longa e árdua jornada atinge fortemente as emoções daqueles que assistem, mesmo sabendo que, pela fórmula da jornada do herói, isso não vai acontecer. Mas para que isso seja possível, o espectador precisa acreditar que os eventos do filme podem ocorrer, e isso costuma ser um grande empecilho para cineastas. 

 

Dificuldades em relacionar cinema e esporte

O  cinema, por querer manipular os sentimentos do público, falha em incorporar nas suas ferramentas narrativas aspectos importantes do esporte, passando uma ideia errada, simplista ou danosa sobre ele. A principal causa disso é a falta de realidade nas coreografias de cenas desportivas e nos enredos exagerados que aproximam-se de paródias.

Pelo esporte ser apenas um veículo, poucos cineastas importam-se com suas regras. Alguns deles, na verdade, nada conhecem sobre a atividade física que estão usando em suas obras e usam jargões de modo descabido. Erros monstruosos podem ser observados nos longas, desde saltos que ignoram as leis da física como quebra de regulamentos que levam à vitória. Isso demonstra uma falta de respeito tanto com o público como com os fãs e praticantes do esporte específico.

 

LeBron James aparece ao lado de Piu-Piu,, Patolino e Lola, utilizando um uniforme azul e laranja.
LeBron James assumiu a continuação do filme estrelado por Michael Jordan, Space Jam: O Jogo do Século (Space Jam, 1996). [Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures]
Outro aspecto danoso a alguns filmes são as coreografias preguiçosas em cenas de jogos e atores ou atrizes que perdem seu tempo tentando fingir que estão praticando corretamente o esporte. Eles não conseguirem correr, pegar, chutar, jogar ou driblar fazem o espectador imaginar o que o diretor de elenco pensava quando fazia a escalação. Deve ser por esse motivo que LeBron James está jogando basquete do lado de Pernalonga e Patolino em Space Jam: Um Novo Legado (Space Jam: A New Legacy, 2021). 

Esse aspecto deteriora ainda mais a obra se ela for uma biografia. Caso um ator falhe em representar um atleta no auge e no jogo mais importante de sua carreira, fica ainda mais difícil de perdoar tal erro. Para grandes fãs do atleta, imprecisões como essa podem arruinar toda a experiência cinematográfica e impedir a intimidade que dá sentimento à obra. Óbvio que isso não acontece com todos, temos ótimos atores com ótimos dublês em ótimos filmes de esporte. Um exemplo evidente é Margot Robbie em Eu, Tonya (I, Tonya, 2017), filme biográfico da ascensão e queda da patinadora no gelo Tonya Harding. O esporte e o cinema são duas linguagens que quando combinadas da maneira certa podem criar um impacto sobre o espectador, fomentar a prática esportiva e criar algo que ultrapasse por gerações. Só que a utilização de conceitos sem considerar sua relação com a trama impede que essas histórias atinjam seu verdadeiro potencial 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima