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Enfim Palmeiras, e campeão: os 75 anos da Arrancada Heroica

Por Henrique Votto “Não nos querem Palestra, pois seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”, bradou o Dr. Mário Minervino. Seis dias depois, o futebol paulista conheceria um de seus ilustríssimos capítulos: perseguido pelo regime do Estado Novo e forçado a alterar seu próprio nome duas vezes, o Palmeiras conquistava com maestria, contra tudo e contra …

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Por Henrique Votto

“Não nos querem Palestra, pois seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”, bradou o Dr. Mário Minervino. Seis dias depois, o futebol paulista conheceria um de seus ilustríssimos capítulos: perseguido pelo regime do Estado Novo e forçado a alterar seu próprio nome duas vezes, o Palmeiras conquistava com maestria, contra tudo e contra todos, o título do Campeonato Paulista. Em 20 de setembro de 1942, diante da tensão da Segunda Guerra Mundial, o vencedor da batalha foi o Alviverde Imponente, no episódio fantástico conhecido como “Arrancada Heroica”.

Há 75 anos, o Palmeiras era campeão paulista apesar de tudo (Imagem: Gazeta Esportiva)

O cenário: Guerra Mundial e Estado Novo

O mundo enfrentava a conjuntura sombria e desastrosa da Segunda Guerra Mundial, cuja eclosão se deu em setembro de 1939, com a invasão do exército alemão de Hitler ao território da Polônia. Em razão do conflito e da tensão internacional decorrente, as nações do globo dividiram-se em dois grupos político-militares: o Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão, e os Aliados, liderados pela Grã-Bretanha e, posteriormente, também por União Soviética e Estados Unidos.

O Brasil, então governado por Getúlio Vargas, sob o regime ditatorial do Estado Novo, insistia em manter sua postura de neutralidade desde o princípio. Com a entrada dos norte-americanos na frente antifascista em dezembro de 1941, Vargas se inclinou para o lado dos Aliados logo no mês seguinte, ao romper relações diplomáticas com os países do Eixo. Os reflexos dessa decisão na sociedade foram imediatos.

No dia 11 de março de 1942, o governo anunciou o decreto-lei nº 4166, sob o qual se determinava o confisco legal de bens de italianos, alemães e japoneses, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas, para compensar atos de agressão realizados por esses países na guerra contra o Brasil.

Pressionadas pela população e temendo a própria integridade, várias instituições com algum tipo de ligação ao Eixo foram obrigadas a mudar sua identidade. Com o paulista Palestra Itália não seria diferente: ainda em março, o clube, agora sem a referência italiana no nome e com as cores brasileiras no símbolo, se tornou Palestra de São Paulo.

O campeonato: Palestra invencível

O Campeonato Paulista daquele ano, iniciado no final de março, foi disputado por 11 equipes (Palestra, São Paulo, Corinthians, Santos, Ypiranga, Portuguesa, SP Railway, Juventus, Portuguesa Santista, Comercial e Hespanha) em formato de pontos corridos, com partidas de ida e volta. Em sua estreia na competição, o novo Palestra não se abateu e goleou, com autoridade, o Comercial por 6 a 0. A equipe manteve o alto nível ao longo de todo o torneio e chegou à reta final com uma campanha invicta e invejável, somando incríveis 16 vitórias e 2 empates, além da marca de 61 gols marcados e apenas 15 sofridos.

No entanto, não era só felicidade que pairava sobre o Parque Antarctica. Apenas seis meses depois do episódio que tirou a “Italia” do “Palestra”, a perseguição e o preconceito ganharam novos formatos. Em meio ao seu momento imbatível, o clube foi novamente ameaçado por utilização ilícita do nome e voltou a lidar com o pesadelo do fechamento de suas portas. Dessa vez, alegava-se que a palavra “palestra” possuía vínculo com a língua italiana. E, por mais absurda que fosse a proposição – uma vez que a origem do termo é grega –, existiam muitos interesses em jogo.

O rival São Paulo Futebol Clube assumiu a dianteira no ataque ao Palestra, com o apoio especial de dirigentes da agremiação, como Paulo Machado de Carvalho e o Tenente Porfírio da Paz, figuras de prestígio político à época. “Falava-se que o São Paulo tinha interesse que o Palestra fechasse as portas, porque estava de olho no Parque Antarctica. O São Paulo não era ainda um grande clube, era recém-formado e tentava se firmar no futebol brasileiro”, afirma o jornalista Mário Sérgio Venditti. Era de se imaginar, portanto, que o Tricolor estivesse interessado no confisco dos bens palestrinos.

O Palestra já conhecia os perigos do cenário de perseguição. Por isso, no dia 14 de setembro de 1942, o presidente Ítalo Adami reuniu os dirigentes palestrinos para oficializar um novo nome. Por sugestão do Sr. Mário Minervino (membro da diretoria), surgiu a ideia da Sociedade Esportiva Palmeiras, supostamente em homenagem à antiga Associação Atlética das Palmeiras. “Não nos querem Palestra, então seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”, bradou Minervino para a eternidade. Em questão de dias, o Verdão colocaria a profecia à prova em um clássico histórico.

A ata final: oficialmente Sociedade Esportiva Palmeiras (Imagem: Sociedade Esportiva Palmeiras)

O capítulo final: Palmeiras batalhador e campeão

Faltavam apenas duas partidas para o término do campeonato. O próximo adversário do Palmeiras seria, justamente, o São Paulo, concorrente direto pelo título estadual. Caso vencesse o Tricolor no estádio do Pacaembu, o Verdão chegaria à última rodada, contra o Corinthians, já como campeão, pois nenhum time teria a possibilidade de alcançá-lo no número de pontos. Porém, a partida derradeira, marcada para o dia 20 de setembro, envolvia muito mais do que uma taça.

A derrota nos tribunais não havia caído muito bem à diretoria tricolor, tampouco o assédio exacerbado do rival à diretoria palmeirense. Segundo o site oficial do Palmeiras, os dirigentes do São Paulo procuravam denegrir a imagem do Alviverde na imprensa de toda e qualquer maneira.

Na semana anterior à decisão, chamavam os palmeirenses de italianos fascistas e inimigos da nação, incendiando o cenário de rivalidade e pilhando a torcida para a hostilidade ao adversário. Se a situação já era embaraçosa o suficiente, os ataques públicos dos tricolores só aumentavam o tamanho do constrangimento. Sob uma enorme pressão de todos os lados, a comunidade palmeirense temia que o time não conseguisse lidar com os fatos recentes.

20 de setembro de 1942: chegou a hora da verdade. O estádio do Pacaembu estava lotado e preparado para receber um dos episódios mais célebres do futebol paulista. No vestiário alviverde, o clima era de tensão: “Como a torcida receberia o Palmeiras na entrada em campo, já que era um time da colônia italiana e a guerra estava em ebulição?”, comenta Mário Sérgio sobre o pensamento dos envolvidos na ocasião. Havia a grande expectativa da equipe ser recebida em campo da pior maneira, sob infames e ácidas vaias da torcida, que jamais seriam cicatrizadas. Ninguém estava disposto a sofrer dessa maneira.

Então, surgiu a excelente ideia do Palmeiras entrar em campo carregando a bandeira do Brasil. A sugestão foi do Capitão Adalberto Mendes, na época vice-presidente palmeirense e figura militar importantíssima na história do clube, que também se ofereceu para entrar junto com os atletas. A participação dele, associada à exposição do símbolo nacional, endossou uma reviravolta na opinião popular: “hoje esse time mudou de nome, hoje esse time é tão brasileiro quanto qualquer outro. Todas as referências que tinham à Itália não existem mais”, afirma Mário Sérgio.

Ao contrário do que previa o clima, o clube foi surpreendido com aplausos na entrada em campo no Pacaembu. O Palmeiras conquistou a confiança dos torcedores, depois de incontáveis esforços para assumir seu DNA brasileiro – e agora tinha o peso do fardamento militar do seu lado. Ao apito inicial do árbitro, toda a pressão que o alviverde carregava foi transferida para o rival tricolor, que não poderia decepcionar seu torcedor de jeito nenhum.

Palmeiras entra com a bandeira nacional e transforma o cenário do jogo (Imagem: Sociedade Esportiva Palmeiras)

O São Paulo, que demonstrava muita raça em campo, criava algumas chances no começo, mas era barrado pelo eterno ídolo palmeirense Oberdan Cattani. Logo aos 20 minutos do primeiro tempo, o atacante Cláudio Pinho acabou com a graça do Tricolor e abriu o placar no Pacaembu, marcando o primeiro gol da nova era alviverde. A euforia, no entanto, durou apenas três minutos, até Waldemar de Brito empatar a partida, para desespero dos palmeirenses. Aos 43 minutos da primeira etapa, o Palmeiras passou à frente do placar novamente, com gol de Del Nero, e foi para o intervalo com um favorável 2 a 1.

No segundo tempo, o São Paulo, que jogava pela vitória, tentava de todos os jeitos atacar o Palmeiras. Porém, aos 14 minutos da segunda etapa, veio o golpe final: o  decisivo e importantíssimo terceiro gol, marcado pelo argentino Echevarrieta. Quando o placar já apontava 3 a 1 para o Verdão, o zagueiro Virgílio, do São Paulo, cometeu um pênalti em Og Moreira e foi expulso. Inconformado com a  decisão da arbitragem, o time do São Paulo não permitiu a sequência do jogo e simplesmente abandonou o campo, seguindo ordens do presidente e do capitão Luizinho.

Àquela altura, restava aos tricolores a revolta e a lamentação, diante do vexame da equipe; ao Palmeiras, restava esperar pelo apito final para, finalmente, poder gritar, com veemência, o “É campeão” entalado na garganta. Apenas seis dias depois da reunião do dia 14, a profecia se confirmava e o Verdão era o grande campeão paulista de 1942.

Com a faixa exposta no peito, o desfecho da Arrancada Heroica (Imagem: Sociedade Esportiva Palmeiras)

O legado: a fibra italiana e o brilhantismo da história

O capítulo é, até hoje, indispensável nos livros palmeirenses. O desfecho vitorioso, apesar de toda a perseguição envolvida, é comemorado com orgulho e representa um enorme marco na evolução do clube. Mário Sérgio explica que, títulos à parte, esse capítulo enriqueceu ainda mais a história do Palmeiras como um todo: “É um episódio que envolve muito preconceito e perseguição. Deve ser muito difícil você ter que mudar sua identidade, depois de construir toda uma trajetória com um nome. Aqueles jogadores não estavam ali defendendo a causa nazista, estavam defendendo um clube.”

Em tempos mais calmos, as raízes italianas sobrevivem no sangue e nas alamedas  alviverdes. O clube homenageia seu passado nos uniformes, no hino e até na própria rua da sede, que recentemente foi renomeada para “Palestra Itália”. “É uma coisa muito forte, enraizada na história do Palmeiras, não se pode omitir esse dado do clube. A memória afetiva nunca vai acabar, não tem como dissociar”, relata Mário Sérgio. Esse é o clube abrilhantado por uma arrancada heroica: o Palmeiras que sabe ser brasileiro ostentando a sua fibra.

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