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Entendendo o fair play financeiro da UEFA: uma necessidade para os clubes ou uma ferramenta inútil?

Por César Costa Mercado de transferências aberto na Europa e rumores de transferências milionárias começam a aparecer. Especulações de valores absurdos, porém reais, já são parte do cotidiano de quem acompanha esse tipo de notícia. No entanto, por mais dinheiro que tenha um investidor de um clube, não é qualquer transação que pode ser feita. …

Entendendo o fair play financeiro da UEFA: uma necessidade para os clubes ou uma ferramenta inútil? Leia mais »

Por César Costa

Mercado de transferências aberto na Europa e rumores de transferências milionárias começam a aparecer. Especulações de valores absurdos, porém reais, já são parte do cotidiano de quem acompanha esse tipo de notícia. No entanto, por mais dinheiro que tenha um investidor de um clube, não é qualquer transação que pode ser feita. O fair play financeiro é um mecanismo que atua justamente para regular tais negociações, e no Arquibancada você aprende como ele funciona e muito mais.

Do princípio: o que é fair play financeiro?

A UEFA (Union of European Football Associations; em português, União das Associações Europeias de Futebol), o organismo responsável pelo futebol europeu,  sintetiza o fair play financeiro como uma forma de melhorar a ‘saúde financeira’ dos clubes europeus. A regulação feita por esse mecanismo é específica para clubes que estão qualificados para competições continentais, ou seja, UEFA Europa League (Liga Europa) e UEFA Champions League (Liga dos Campeões). Os aspirantes a essas competições também devem pensar em se adequar ao modelo.

Tal modo de regulação mudou bastante desde sua primeira versão. Aprovado em 2010 e implementado em 2011, sua missão era, de início, fazer com que os clubes comprovassem o pagamento de suas obrigações financeiras, ou seja, “provarem que não têm dívidas em atraso em relação a outros clubes, jogadores, segurança social e autoridades fiscais”, nas palavras da própria UEFA.

Pouco tempo depois, em 2013, mais restrições foram adicionadas. Foi decidido que os clubes deveriam adotar uma gestão em “break-even”, expressão em inglês que determina o ponto de equilíbrio financeiro de uma empresa – em outras palavras, ganhos e prejuízos iguais, zero a zero. Mas, obviamente, o objetivo é que o saldo seja positivo, com mais arrecadação do que gastos. Essas regras foram adotadas na prática a partir da temporada 2014/15. A UEFA buscava, com isso, restringir ainda mais a acumulação de dívidas.

O próprio documento oficial, UEFA Club Licensing and Financial Fair Play Regulations, trata os objetivos como “promover ainda mais e melhorar continuamente os padrões de todos os aspectos do futebol na Europa e dar prioridade contínua à formação de jovens jogadores em todos os clubes.”

Para avaliar os resultados das medidas adotadas, a confederação europeia tem o Comitê de Controle Financeiro dos Clubes (CFCB). Ele é o responsável por avaliar o desempenho financeiro de todos os clubes participantes das competições da UEFA e começou logo após a aplicação do “break-even”. As primeiras sanções e condições para clubes que não cumprem o requisito de balança equilibrada foram estabelecidas após a primeira avaliação, realizada em maio de 2014.

Por fim, em 2015, a UEFA atualizou pela última vez essa regulamentação para atender circunstâncias mais específicas. O objetivo é encorajar um investimento sustentável sem demasiados gastos para clubes que “operam em deficiências estruturais severas de mercado na sua região”. Outro ponto mencionado como controle de “choques econômicos súbitos” trata-se de uma medida para evitar injeções suspeitas de dinheiro, ficando de olho nos grandes donos bilionários que possuem alguns times de futebol.  

Limitações para os clubes

Com esse mecanismo em prática, o comportamento das equipes no mercado de transferências passa a ser mais cauteloso em relação aos anos anteriores. Loucuras, em termos financeiros, são inibidas por diversas restrições.

Os clubes não podem gastar 5 milhões de euros a mais do que arrecadam durante o período de avaliação, esse de três anos. No caso de clubes nos quais os donos possam investir do próprio bolso para cobrir as dívidas, o limite subiria para 30 milhões de euros garantidos integralmente pelos investimentos pessoais deles, mas isso somente entre 2015 e 2018. Vale destacar que investimentos com estádios, centros de treino, nas categorias de base e no futebol feminino não entram na conta, justamente para estimular essas partes que, em geral, são marginalizadas nos planejamentos de clubes europeus.

Quanto aos patrocínios, quando uma entidade, sozinha ou junto a outras de um mesmo dono, soma 30% ou mais das receitas totais dos clubes, estas passam a ser consideradas partes relacionadas. Logo, não será considerada um investimento externo e não é considerado um ganho financeiro, e sim, parte das finanças de um clube.

E se o fair play financeiro não for cumprido?

As punições vão de uma simples advertência até exclusão permanente das competições da UEFA. Tudo depende de diversos fatores que serão analisados pelo CFCB, que irá impor a solução encontrada. As sanções possíveis são:

  • Advertência;
  • Repreensão;
  • Multa;
  • Perda de pontos;
  • Retenção das receitas de uma competição da UEFA;
  • Proibições em inscrições de jogadores nas competições da UEFA;
  • Limite financeiro quanto às despesas salariais de atletas inscritos;
  • Desqualificação das competições em curso quanto exclusão de futuras participações;
  • Retirada de um título ou prêmio.

Em muitas ocasiões, esse comitê decidiu que as metas do fair play financeiro seriam alcançadas “através de uma abordagem de reabilitação ao invés de uma mais punitiva”. Ou seja, não aplicar tais sanções.

Esta maneira de agir levou à criação de diversos acordos entre clubes e o CFCB, através da combinação entre certos contributos financeiros e numerosas condições restritivas. Foram raros os casos em que um clube realmente foi punido de forma severa.

Vale lembrar que a UEFA tem critérios de licenciamentos para permitir que os times disputem suas competições, e o fair play financeiro foi incluído em 2011. De acordo com a própria UEFA, de 2011 até 2015, seis clubes foram impedidos de participar nas competições europeias por não pagarem o salário aos jogadores ou verbas a outros clubes devido a transferências. No mesmo período, um foi excluído das competições da UEFA por não ter cumprido os requisitos de “break-even”.

O que já aconteceu na prática

Sempre que se fala em fair play financeiro, dois times do alto escalão europeu são mencionados: Manchester City, comprado pelo xeique do Emirados Árabes Unidos, Mansour bin Zayed Al Nahyan, em 2008, e Paris Saint-Germain, adquirido em 2011 pela Oryx Qatar Sports Investments, empresa comandada pelo catari Nasser Al-Khelaïfi. Os motivos pelos quais os clubes são lembrados nem sempre são muito positivos.

Ambos não eram tão expressivos no cenário mundial antes dessa era milionária. Com os novos donos, passaram a contratar jogadores extremamente qualificados, conseguiram conquistar os principais títulos nacionais e ainda expandir muito mais suas marcas e seus nomes.

O que incomodou bastante os outros times, não só da Inglaterra e da França mas do futebol europeu como um todo, foi que esses investimentos talvez não fossem tão justos. Muito se cobrou de uma postura da UEFA para que “o dinheiro não comprasse o futebol”. Em outras palavras, para que o City e o PSG não fizessem como quisessem.

Com o fair play financeiro estabelecido, tais investimentos começaram a ser mais difíceis de serem feitos, e chegou num ponto em que ambos os clubes não conseguiram cumprir com as determinações do regulamento.  

Em maio de 2014, tanto o City quanto o Paris foram multados em 60 milhões de euros e ainda foram limitados a inscrever 21 atletas na Liga dos Campeões, sendo que na competição pode-se inscrever 25. Além disso, é parte do regulamento da competição inscrever pelo menos oito jogadores formados no país e quatro formados nas próprias categorias de base. Logo, apenas 13 vagas estariam disponíveis para jogadores contratados que não são do país de origem dos clubes. Uma especificidade que o Paris sofreu foi ser limitado a fazer apenas uma contratação de até 60 milhões de euros, mas essa sanção durou até a metade de 2015.

Nesta temporada (2018/19), Panathinaikos é um exemplo de instituição que sofreu punições mais duras da UEFA. O clube grego foi impedido de ter a licença para jogar os campeonatos continentais por três temporadas (2018/19, 2019/20 e 2020/21) devido às dívidas acumuladas nos últimos anos.

Andrea Agnelli, presidente da ECA e também da Juventus.(Imagem: Twitter ECAeurope)

É compreensível também que outros clubes europeus busquem isonomia na aplicação de punições dessa magnitude. A Associação de Clubes Europeus (ECA, em inglês) cobrou em março deste ano mais agilidade da UEFA nas investigações e ainda questionaram como o PSG consegue gastar montantes de dinheiro e passar em branco em termos de sanções.

Os exemplos usados foram as duas transferências feitas pelo clube francês na temporada 2017/18: Neymar, por € 220 milhões, e Kylian Mbappé, que passou esta última temporada emprestado com uma cláusula de obrigação de compra de € 180 milhões. Caso o PSG se mantivesse na primeira divisão – o que era impossível de não acontecer – o clube seria obrigado a comprar o atleta, sendo assim uma forma de não somar as duas transferências no mesmo ano, burlando, dentro das regras, o fair play financeiro.

Uma especificidade também cobrada pela ECA é garantir que todos os clubes estejam usando o mesmo método de contabilidade. Considerando que análise é entre ganhos e perdas, a equivalência de métodos é crucial para não haver nenhuma diferenciação na hora de determinar lucros e prejuízos.

Um contraponto: será mesmo que fair play contribui para diminuição das desigualdades?

De acordo com um estudo publicado pela Universidade Técnica de Munique em 2016, o fair play financeiro não funcionou como ferramenta de equilíbrio, e sim, de forma totalmente contrária. A pesquisa trata um período de 10 anos, de 2006 até a sua publicação, e tem como hipótese que uma maior desregulamentação aumentaria consequentemente a competitividade entre os clubes.

“Investidores podem quebrar estruturas estabelecidas e fortalecer a competitividade – algo parecido que nós podemos ver com capital de risco na economia. A regulamentação da Uefa, no entanto, parece ter definido barreiras altas para investidores que buscam o ponto de partida patrocinando clubes menores. Devido aos limites, os potenciais financiadores não veem a chance de fazer clubes pequenos serem competitivos internacionalmente através do investimento. É assim que o Fair Play Financeiro solidifica as hierarquias existentes”, diz o doutor Daniel Urban, co-autor do relatório, de acordo com o site Trivela.

O problema é: clubes menores passam a ter mais amarras e clubes maiores encontram maneiras de burlar as regras de regulamentação e seguem fazendo seus investimentos. Uma dor de cabeça para UEFA, e principalmente um aviso, de que tais regras ainda estão longe de chegar perto do ideal.

Perspectivas para o futuro

A UEFA dificilmente irá aplicar penas extremas, a menos que seja extremamente necessário. O comportamento passivo diante das transferências fora da realidade de clubes milionários também é algo que irá continuar, principalmente pelo o que foi visto recentemente. Casos em que claramente houve malandragens para burlar as regras e a entidade fez vista grossa – pelo menos para os clubes maiores.

O fair play financeiro não é o suficiente para resolver todos os problemas do futebol europeu, nem o suficiente para deter possíveis injustiças do mercado ou péssimas gestões. O que fica é uma iniciativa, o princípio de uma mudança no esporte, mas que ainda tem muito a melhorar.

1 comentário em “Entendendo o fair play financeiro da UEFA: uma necessidade para os clubes ou uma ferramenta inútil?”

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