Por Clara Zamboni (clara.candiotto@usp.br)
Em 1992, Umberto Eco, célebre autor de O Nome da Rosa (Record, 2009), foi chamado para participar das Charles Eliot Norton Lectures. O evento é organizado desde 1926 na Universidade Harvard e convida nomes relevantes da academia e das artes a realizarem um ciclo de seis conferências com tema livre. A participação de Eco deu origem ao livro Seis Passeios Pelos Bosques da Ficção (Companhia das Letras, 1994), reeditado em 2024.
O ciclo de palestras é dedicado ao estudo da construção e da percepção dos universos ficcionais na literatura e em outras formas de arte narrativa. Para isso, o autor analisa as técnicas utilizadas em clássicos da literatura e interpreta seus efeitos nos leitores. A importância dada ao papel do leitor na obra de Ítalo Calvino motivou a escolha do tema.
Apesar de seu título atrativo, a obra falha em construir o interesse do público geral: a abordagem específica de histórias que não são populares torna a discussão hermética e pouco fluida. O leitor que procura uma abordagem geral das técnicas utilizadas na produção de ficção literária cai de paraquedas na obra, mas demora a encontrar o que procura. Além disso, se vê fadado a enfrentar explicações detalhadas e mapas conceituais sobre obras que podem não ter sido lidas com antecedência.
Em Seis Passeios Pelos Bosques da Ficção, os clássicos não são apenas referências. O aproveitamento de parte da análise de Eco depende da leitura e gosto por uma obra específica: Sílvia (Rocco Jovens Leitores, 2011; do original “Sylvie”), de Gérard de Nerval.
Apesar disso, o livro de Eco conta com discussões interessantes sobre o valor da ficção: uma tentativa de explicar o mundo, ao mesmo tempo em que se torna uma forma confortável de escapismo.
Bosques: o que são? Como caminhar por eles?
O estudo de Eco utiliza como termo norteador a metáfora do escritor argentino Jorge Luis Borges, que compara o texto narrativo a um Bosque. Logo, seria um jardim de caminhos que se bifurcam, no qual os leitores, ao adentrarem, fazem escolhas inconscientes que guiarão sua percepção do universo ficcional da leitura.
Para isso, o autor categoriza entidades importantes para a compreensão deste processo: o autor-empírico (quem efetivamente escreve o livro), o leitor-empírico (indivíduo dotado de experiências e impressões pessoais, que utiliza o texto para refletir sua subjetividade), o autor-modelo (voz que guia o leitor através da narrativa) e o leitor-modelo (leitor capaz de perceber, através dos elementos estilísticos do texto, a proposta da obra e está disposto a ser guiado pelo autor modelo). Conceitos e definições como essas estão presentes por toda a obra de Eco.
Muitos detalhes
A linguagem empregada por Umberto Eco, ao longo das conferências, é acessível: os termos técnicos e conceitos são explicados de modo que um público amplo consiga imaginar o escritor italiano apresentando suas ideias em uma palestra. Entretanto, o peso dado às referências dificulta a fluidez do texto.
Na segunda conferência do ciclo denominada “Os bosques de Loisy”, o título adianta o foco dado a Silvye, de Nerval. Nela, Eco se propõe a explicar o efeito causado pelos recursos de flashback (volta ao passado no discurso) e Flashforward (adiantamento do futuro na narração). O autor enfatiza a confusão proposital causada pela obra francesa, uma história cujo tempo não é apresentado de maneira linear e que depende de diversas leituras para sua compreensão.
Nesta passagem, o escritor reconstrói a sequência de fatos da obra de maneira cronológica. Embora suas colocações sobre os efeitos causados na percepção dos leitores sejam explícitas, o leitor de Seis Passeios pelos Bosques da ficção que nunca teve contato com Sylvie antes da obra de Eco se sente distante das reflexões propostas. Assim, o fascínio do autor pela obra de Nerval não é recebido com a mesma empolgação pelos leitores de sua conferência, visto que a riqueza de detalhes de Sylvie não foi alcançada pelo resumo.
O poder das técnicas narrativas e os encontros entre a realidade e a ficção
Apesar da demora, o livro apresenta discussões úteis à apreciação da ficção e da arte de forma geral. Na conferência 3, “Divagando pelo Bosque”, Eco faz um trabalho bem detalhado definindo as diferentes maneiras em que o tempo de leitura pode ser manipulado a depender da intenção do autor. Assim, utilizando exemplos reais — desde os filmes de James Bond à Divina Comédia —, o autor demonstra o poder das artes narrativas em guiar a experiência dos apreciadores.
O ponto alto da obra de Umberto Eco, no entanto, se encontra na reflexão sobre a natureza dos universos ficcionais: criações que se nutrem dos elementos e dos conhecimentos do mundo objetivo para que o leitor, em um processo denominado “suspensão da descrença”, se permite ser convencido pela história ficar imerso nela.
Apesar do denso material conceitual, o autor alcança alguma mensagem poética com sua obra ao mostrar a importância da ficção na vida dos seres humanos, que criam, consomem e se envolvem com narrativas que estabelecem versões reduzidas da realidade objetiva.
“Essa é a função consoladora da narrativa, a razão pela qual as pessoas contam histórias e tem contado histórias desde o início dos tempos. E sempre foi a função suprema do mito: encontrar uma forma no tumulto da experiência humana.”
Umberto Eco, Seis Passeios pelos Bosques da Ficção, página 101