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Observatório | O assassinato do presidente do Haiti

Atentado contra Jovenel Moïse acentua a tensão interna de um país historicamente desestabilizado

*Imagem de Capa: Marighella Publico/Flickr

 

Jovenel Moïse, presidente do Haiti, foi assassinado durante a madrugada de quarta-feira (07) em sua residência na capital do país caribenho, Porto Príncipe. A situação social, econômica e política do país, que já era instável, se agrava ainda mais.

Por volta da 1h da manhã, um grupo armado disfarçado de agentes do Departamento Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) invadiu a casa de Moïse. Segundo as autoridades, o corpo do presidente foi encontrado com 12 ferimentos de bala. A primeira-dama, Martine Moïse, que também foi alvejada, foi levada para um hospital de Miami, EUA e, no sábado (17), retornou para o Haiti.

De acordo com a polícia do Haiti, o grupo era composto por 28 pessoas e até a última quinta-feira (15), 18 colombianos e 3 haitianos, dos quais dois possuem cidadania americana, haviam sido detidos por suposto envolvimento no crime e outros 3 colombianos foram mortos pela polícia. Em razão da facilidade que os invasores tiveram para adentrar a casa de Moïse, o chefe da segurança presidencial, Dimitri Hérard, foi convocado pelo Ministério Público de Porto Príncipe para depor, no entanto, Hérard não compareceu ao depoimento e acabou preso.

Jorge Vargas, general e chefe da polícia colombiana, afirma que dois dos supostos envolvidos, os sargentos aposentados colombianos Capador e Rivera, foram contratados para capturar e entregar Moïse à DEA. No mês de maio, os ex-sargentos se encontraram com um médico haitiano, Christian Emmanuel Sanon, que foi ligado ao crime e posteriormente preso após receber uma ligação telefônica dos colombianos detidos. 

Segundo León Charles, diretor-geral da Polícia Nacional do Haiti, o crime foi orquestrado em Santo Domingo, capital da República Dominicana. Em uma foto que viralizou na internet, é possível observar dois suspeitos que depois foram detidos pela polícia, entre eles o ex-senador foragido John Joel Joseph. O responsável pela empresa de segurança CTU, Antonio Emmanuel Intriago Valera, que contratou os colombianos, também aparece na publicação, juntamente ao chefe da empresa Worldwide Capital Lending Group, Walter Veintemilla, investigado por supostamente financiar a operação criminosa.

Ao assumir o posto como primeiro-ministro interino, Claude Joseph, apoiado pelo governo norte-americano e pela Organização das Nações Unidas (ONU), declarou estado de sítio durante duas semanas. Entretanto, uma reportagem da emissora colombiana Caracol afirma que tanto a polícia haitiana quanto o FBI concordam que o primeiro-ministro interino foi um dos mandantes do crime juntamente a Sanon e ao ex-senador John Joel Joseph. 

Claude Joseph – [Imagem: Rency Inson Michel/Wikimedia Commons]


Quem era e o que fez Jovenel
Moïse?

Jovenel Moïse, nascido em 1968 em Trou du Nord, era filho de um mecânico/agricultor e de uma costureira. Posteriormente se mudou para Porto Príncipe, onde começou a estudar na Universidade Haitiana Quisqueya e, em 1996, fundou uma empresa de autopeças e abriu uma plantação de bananas orgânicas de 10 hectares. Em 2001, abriu uma distribuidora de água em parceria com a empresa Culligan para as províncias do nordeste e noroeste do Haiti e fundou a zona franca agrícola do país em 2012.

Entrou para a carreira política em 2015 já conquistando o cargo de presidente. No entanto, tomou posse apenas em 2017, em decorrência dos protestos a favor da repetição das eleições de 2015.

Desde 2018, quando adiou as eleições legislativas, Moïse governava por decretos. Para Wagner Iglecias, doutor em Sociologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP, “O ex-presidente era muito criticado por ter se recusado a deixar o poder após o término de seu mandato. No entanto, ele alegava que só conseguiu tomar posse cerca de 1 ano após a data oficial, dado que sua eleição havia sido contestada na Justiça Eleitoral”.

Ainda segundo Wagner, Moïse pretendia cumprir este ano suplementar, para compensar o primeiro ano do mandato em que não pôde governar, e que depois convocaria eleições. No entanto, as eleições municipais foram adiadas, o Parlamento foi fechado em 2020 e o ex-presidente estava governando por decretos na tentativa de implementar seu plano de governo e também uma nova constituição que concentraria poder nas mãos do  Executivo. “Houve muitos protestos nos últimos dois anos contra ele no Haiti, e muitas forças políticas reivindicavam que ele deixasse o poder o quanto antes.”


As repercussões do assassinato

O assassinato de Moïse colocou o Haiti novamente no centro das atenções internacionais. Em comunicado oficial, o porta-voz do secretário geral da ONU, Stephane Dujarric, demonstrou apoio ao povo haitiano e enfatizou a necessidade de apuração dos fatos e punição dos envolvidos. A brutalidade do atentado e a escalada da tensão no país também foram repudiados pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que defendeu “a importância do compromisso das forças políticas haitianas com a democracia e os direitos humanos”. Os Estados Unidos se prontificaram a oferecer assistência ao país, conforme nota da secretaria de imprensa da Casa Branca. A embaixada estadunidense no Haiti foi fechada como medida de segurança.

A execução também acentua os conflitos internos no país. Gangues controlam diversos territórios e a violência é uma ameaça à ordem nacional, conforme veicula a imprensa local. O país não tem Forças Armadas desde 1995 e há apenas forças policiais, como explica Pio Penna, diretor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), em entrevista ao Observatório.

Questionado sobre os desdobramentos do assassinato, Penna analisa que dificilmente ocorrerão mudanças significativas na realidade do país. “Acredito que haverá uma momentânea ajuda externa ao Haiti para promover alguma estabilização, mas, infelizmente, a questão é estrutural e interna. O país continuará suscetível a intervenções externas desse tipo”, diz ele, referindo-se à participação de estrangeiros no crime.

As especulações sobre o envolvimento de informantes estadunidenses no atentado levantam questões sobre uma possível interferência internacional na morte de Moïse. Penna vê dificuldades em entender o crime como encomendado pelos Estados Unidos e defende que “são relações muito tênues, podem ser informantes que recebiam uma ou outra benesse, mas não ao ponto de inferir uma ação governamental”. De acordo com ele, o agravamento da instabilidade política e social do Haiti durante a presidência de Moïse poderia estimular o aumento da imigração de haitianos aos Estados Unidos, devido à proximidade geográfica, o que em tese embasaria o interesse estadunidense em colocar um ponto final em seu governo para conter o fluxo migratório. Mas, segundo Penna, as reais motivações para o crime não estão elucidadas.

[Imagem: Connormah/Wikimedia Commons]


O contexto atual e histórico do Haiti

O Haiti é o país mais pobre do Hemisfério Ocidental. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também é um dos mais baixos do planeta, ranqueado na posição 170 de um total de 189 países, segundo dados de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

O país tem sua história marcada por intervenções militares externas e ainda sente os efeitos da colonização e da revolução emancipatória. Primeira nação latino-americana a se tornar independente e “caso único no mundo da fundação de um Estado a partir da rebelião dos escravizados”, afirma Wagner, esse pioneirismo não se traduziu em avanços civilizatórios. Pelo contrário: o medo provocado nas elites depois da Revolução Haitiana incentivou o isolamento do país da comunidade internacional, segundo o especialista. “O Haiti nunca conseguiu construir instituições políticas sólidas ou ser integrado ao sistema econômico mundial de forma soberana, viveu ditaduras terríveis e jamais conseguiu avançar para além do modelo econômico primário-exportador.”

As intervenções estrangeiras no país, com destaque para as dos Estados Unidos no século XX e da ONU entre 2004 e 2017, liderada pelo Brasil, foram incapazes de solucionar ou amenizar as questões internas do Haiti, defende Penna. “Essa tensão no país é resultado de um processo político que não vem de agora, é constante na sociedade”, explica ele.

3 comentários em “Observatório | O assassinato do presidente do Haiti”

  1. Assunto bastante atual e apresentado com riqueza de detalhes, análise do cenário político bem feita e bem elaborada. Parabéns aos autores.

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