Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Hyperpop: o silencioso emergir de um gênero estrondoso

A sonoridade distorcida e nostálgica se expande conforme o ressurgimento da estética dos anos 2000 na cultura pop

CRASH (2022), lançado nesta sexta-feira (18), é um retorno às raízes pop de Charli XCX. Com referências a Janet Jackson e à cantora sueca September, o trabalho salta entre diferentes décadas da indústria musical, sem se distanciar de produções modernas. A experimentalidade do álbum, no entanto, é uma característica que sucede projetos inovadores dos últimos anos.

Dawn of Chromatica, lançado em 3 de setembro de 2021, é um álbum de remixes do último projeto da cantora e atriz Lady Gaga, Chromatica (2020). O disco obteve uma rápida adoção do público brasileiro devido à participação de Pabllo Vittar na faixa Fun Tonight. No entanto, a adição oficial do forró junto aos vocais da popstar norte-americana não foi o único ponto que chamou a atenção.

Com a produção executiva assinada pelo musicista BloodPop, o álbum foi responsável por incorporar elementos incomuns na composição das canções. Artistas que não pertencem à bolha mainstream do mercado fonográfico foram convidados para dar uma nova face ao projeto e trazer à tona um gênero que conecta ambos os álbuns: o hyperpop.

 

Capa de Dawn of Chromatica e CRASH. [Imagens: Reprodução/Interscope Records e Asylum Records]
Capa de Dawn of Chromatica e CRASH. [Imagens: Reprodução/Interscope Records e Asylum Records].

 

O que é hyperpop?

“Ele nasce do agregado de várias ideias que vão desde a cultura dos videogames, animes e mangás ao debate sobre gênero”, explica Cleber Facchi, integrante do podcast “Vamos Falar Sobre Música?” e criador do portal “Música Instantânea”. “Ele é a música pop, só que de um jeito totalmente distorcido, fragmentado e torto.”

A origem do termo ocorreu em fóruns do Reddit, onde usuários efervesciam a discussão sobre artistas que participavam da cena. Com um forte acolhimento pelo público LGBTQIA+, a nomenclatura obteve sua oficialização em agosto de 2019, quando o Spotify criou uma playlist que levava o nome do gênero. Lizzy Szabo, curadora oficial da marca, explicou para o The New York Times que, após o grupo 100 gecs se tornar viral nos Estados Unidos, a empresa se inspirou em pesquisar o ritmo que estava se expandindo.

Canções que flertavam com os anos 2000 e uma produção metalizada combinada ao pop chiclete não eram as únicas características comuns entre os participantes da playlist. A PC Music, gravadora criada em 2013 por A.G Cook, possuía um elo com esses artistas e foi responsável por moldar o subgênero. Mesmo que independente, muitos dos nomes revelados pelo selo se destacaram e conseguiram impactar a indústria fonográfica com um som visionário. “Vários artistas têm incorporado cada vez mais elementos do hyperpop em seu trabalho, seja no uso de sintetizadores, a fragmentação das batidas ou nas vozes estilizadas”, afirma o jornalista.

 

A.G Cook constantemente assina produções do hyperpop e é uma figura presente no movimento. [Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal]
A.G Cook constantemente assina produções do hyperpop e é uma figura presente no movimento. [Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal].

 

O impacto de SOPHIE

 

Em It’s Okay To Cry, SOPHIE se entrega em uma de suas canções mais pessoais. [Imagem: Reprodução/MSMSMSM]
Em It’s Okay To Cry, SOPHIE se entrega em uma de suas canções mais pessoais. [Imagem: Reprodução/MSMSMSM]

 

Sendo um ritmo abraçado por produtores jovens, um dos principais nomes do hyperpop é SOPHIE. Creditada como uma das artistas que inspiram a nova geração de músicos underground pela revista Pitchfork, a escocesa colaborou com grandes nomes da indústria. Suas canções possuem um aspecto elástico e plastificado, pontos que podem ser notados na faixa Bitch I’m Madonna, co-produzida por ela, de Madonna e Nicki Minaj.

Além disso, o auto-tune e a distorção vocal são elementos amplamente utilizados nas suas composições. Quando o gênero ainda estava emergindo, muitas críticas negativas às produções exageradas do hyperpop eram feitas por portais de música. No entanto, SOPHIE contribuiu para o uso de ambos como forma de resistência para o movimento transgênero, o que inspirou diversos artistas da cena, como Dorian Electra, e fortaleceu o aspecto da discussão sobre sexualidade presente no ritmo.

Seu primeiro álbum de estúdio, Oil of Every Pearl’s Un-sides — um virundum de “I love every person’s insides”, ou “eu amo o interior de cada pessoa” —, foi lançado em 2018 e fez história ao ser o primeiro projeto de uma artista trans a ser indicado ao Grammy. O trabalho, que relata os medos e angústias de SOPHIE durante sua descoberta como pessoa queer, é considerado essencial para aqueles que pretendem conhecer a cultura do hyperpop. Ao entregar uma obra amplamente aclamada pela crítica especializada, a produtora fez com que os olhos torcidos ao subgênero se transformassem, gradativamente, em admiração à estranheza. “Esse álbum é gigante pra mim, eu lembro de assistir ao clipe de Faceshopping e achar aquilo a coisa mais incrível do mundo”, relata Maria Luísa, roteirista do canal “Minuto Indie”.

 

Oil of Every Pearl’s Un-sides concorreu na categoria de Melhor Álbum de Dance/Eletrônica na edição de 2019 do Grammy Awards. [Imagem: Reprodução/MSMSMSM]
Oil of Every Pearl’s Un-sides concorreu na categoria de Melhor Álbum de Dance/Eletrônica na edição de 2019 do Grammy Awards. [Imagem: Reprodução/MSMSMSM]

 

A escocesa, que faleceu em janeiro de 2021 ao escorregar após subir no telhado para ver a lua cheia, deixou um legado incomparável para o mercado musical. “SOPHIE talvez seja a artista que melhor entendeu o que é essa música”, complementa Cleber. Sua morte foi lamentada por inúmeros membros da PC Music e ainda atingiu aqueles que não pertencem à bolha do subgênero, como Rihanna, com quem chegou a colaborar durante a produção do álbum ANTI (2016).

 

“Ainda sem acreditar. Descanse em paz, Sophie”, tweetou a empresária. [Imagem: Reprodução/Twitter]
“Ainda sem acreditar. Descanse em paz, Sophie”, tweetou a empresária. [Imagem: Reprodução/Twitter]

 

Charli XCX e a expansão do hyperpop

Se SOPHIE foi uma das responsáveis por construir a estética do hyperpop, Charli XCX foi quem popularizou o ritmo no mercado mainstream. Antes conhecida pelos hits Boom Clap e Fancy, a cantora britânica sempre se mostrou disposta a trazer versatilidade para seus projetos. “Ela ter se associado com a galera da PC Music foi o que fez o hyperpop acontecer”, pontua Maria. 

Em 2016, junto à produtora escocesa, Charli lançou o EP Vroom Vroom, no qual explorou mais a fundo as batidas que marcam a experimentalidade do gênero. Inicialmente criticado por veículos importantes, a revista Pitchfork o considerou “morto através dos olhos” e deu 4,5 ao projeto. Mas, com o amadurecimento da cena, o disco foi abraçado pelo público e o portal estadunidense se viu na necessidade de reavaliá-lo, aumentando sua nota para 7,8: “com medo de serem enganados, os críticos ficaram obcecados se o experimento pop era uma sátira ou sincero.

 

Charli no clipe de Vroom Vroom, música que se tornou um divisor de águas em sua carreira. [Imagem: Reprodução/Vroom Vroom Recordings]
Charli no clipe de Vroom Vroom, música que se tornou um divisor de águas em sua carreira. [Imagem: Reprodução/Vroom Vroom Recordings]

 

A ambiguidade entre ser irônico e ser autêntico abordada pelo ritmo foi algo que, por muito tempo, não era captada pelos críticos. A sonoridade açucarada e alternativa composta pelos produtores era vista como arrogante e atrapalhava a proximidade do público para com o gênero. “Acho que todo mundo foi convencido com o tempo”, diz a roteirista. “Perdeu o tom esnobe e a galera viu que é divertido mesmo.”

Logo, o “bate-panela”, termo designado para caracterizar as melodias industriais do hyperpop, foi perdendo seu teor negativo e, atualmente, é uma expressão amplamente utilizada por fãs brasileiros. “Eu acho que é uma interpretação muito divertida e muito honesta com o que define o gênero”, explica Cleber.

Até hoje, XCX mantém suas conexões com a PC Music e ainda explora os estilos exportados pela gravadora em seus projetos. Em suas mixtapes Number 1 Angel (2017) e Pop 2 (2017), e nos álbuns Charli (2019), how i’m feeling now (2020), e o mais recente CRASH (2022), muitas das produções eletrônicas são assinadas por A.G Cook e trazem diversas colaborações da indústria fonográfica para esse universo experimental, como Troye Sivan, Lizzo e até mesmo Pabllo Vittar.

 

O gênero no Brasil

Em solo nacional, a cena vem crescendo de forma tímida nos últimos anos. “O hyperpop respinga em alguns aspectos nas obras de Linn da Quebrada, Jup do Bairro e Clarice Falcão”, afirma Cleber. “Sempre de um jeito muito abrasileirado e muito adaptado à cultura do país”. No último projeto de Falcão, Tem Conserto (2019), a cantora aborda assuntos como saúde mental enquanto mescla seus vocais com os sintetizadores comuns nas produções do gênero, distanciando-se das notas do violão de seu primeiro álbum, Monomania (2013).

Pabllo Vittar também carrega grande parte do subgênero no Brasil. Desde seu primeiro lançamento, Vai Passar Mal (2017), a drag queen elabora uma estética que entra em constante homenagem e nostalgia aos anos 2000, fator muito explorado por artistas da PC Music. Ao trabalhar com Charli XCX nas faixas Shake It, I Got It e Flash Pose, Vittar importa uma maior visibilidade para o ritmo, que a acompanha até mesmo em seus lançamentos que abraçam o forró e o brega no recente Batidão Tropical (2021). “Ela é a rainha do hyperpop Brasil”, opina Facchi.

 

Com Flash Pose, Pabllo foi convidada para performar na edição de 2019 do European Music Awards. [Imagem: Reprodução/Sony Music]
Com Flash Pose, Pabllo foi convidada para performar na edição de 2019 do European Music Awards. [Imagem: Reprodução/Sony Music]

Por outro lado, produtores e DJs independentes também assumem a representação do subgênero. O duo Cyberkills, por exemplo, é formado por Gabriel Diniz e Rodrigo Kills. Criado em 2018, ambos se conheceram pelo Twitter após o convite de Gabriel para a realização de um remix da canção Buzina, de Luísa Sonza com Pabllo Vittar. “O remix aconteceu, fez um barulhinho na internet e logo mais tarde recebemos a proposta de entrar no EP de estreia da Mia Badgyal”, conta a dupla. “Desde então, assinamos juntos experimentando sons.”

 

Gabriel Diniz (à esquerda) e Rodrigo Kills (à direita). [Imagem: Divulgação/Arquivo pessoal]
Gabriel Diniz (à esquerda) e Rodrigo Kills (à direita). [Imagem: Divulgação/Arquivo pessoal]

Responsáveis por realizarem o Hyperpop Festival, evento virtual que aconteceu em maio de 2020, o duo trouxe atrações que vem fazendo barulho na cena musical underground. “Criamos pela necessidade de usar nossa plataforma por um bem maior”, explicam. Entre os participantes, estavam a canadense Allie X, Davi Sabbag, e as drags Frimes e Mia Badgyal, sendo as duas últimas vistas como precursoras do ritmo no país. “Estamos trabalhando no novo álbum da Mia, que tem bastante influência do movimento em algumas faixas”, declararam os produtores, que revelaram a data de lançamento para 2022. “No álbum há algumas participações de artistas que se aprofundam mais no contexto, como a Frimes, uma das pioneiras do hyperpop por aqui.”

No entanto, os produtores não se limitam apenas às distorções e aos sons orgânicos ultraprocessados. Seus trabalhos flertam com a cultura nacional e trazem os estilos musicais nacionais para mesclar com seus projetos. Gabriel Diniz, que nasceu em João Pessoa, na Paraíba, utiliza as referências de sua cidade natal e contribui para uma conversa entre melodias do bregafunk, forró e do próprio hyperpop, como pode ser visto na faixa“Hit do Carnaval”, produzida pela dupla, em colaboração com Kaya Conky e Potyguara Bardo.

Tal versatilidade pode ser notada no EP Travessia, lançado em agosto de 2021, que é descrito pela dupla com a palavra “experimentos”. Segundo o duo, eles não possuíam o intuito de lançar algo comercial, tendo como objetivo apontar seus gostos dentro do estúdio. “Ele vai do forró, funk, Uplifiting Trance, Industrial Techno, entre outros gêneros que mesclam de Cyber (Gabriel) e Kills (Rodrigo). É um EP que temos orgulho de possuir no debut, nos define bem como produtores.”

 

Existe uma identificação concreta para o gênero?

Por ser uma cena relativamente nova, o hyperpop é alvo de controvérsias quando se trata de sua definição. Em setembro de 2020, A.G Cook foi criticado após realizar a curadoria da playlist do gênero no Spotify. Ao adicionar músicas de artistas como Lil Uzi Vert e Kate Bush em sua seleção, fãs do gênero intensificaram o debate sobre a linha que traça a caracterização do ritmo. “Houve muita canção boa nessa playlist nos últimos meses e minha ideia era realmente ampliar isso, ao invés de trocar”, respondeu Cook em seu Twitter. “É legal ver gente tão apaixonada por música progressiva.”

Além disso, é uma questão de extremos elaborada pelos artistas que, geralmente, são conectados ao movimento. “A Charli XCX foi quem popularizou o hyperpop e é engraçado porque ela mesma renegou esse rótulo depois”, aponta Maria Luísa. “É aquela briga muito grande dos fãs, como se fosse um gênero que só eles sabem o que é ou não é. Inclusive, os próprios artistas recusam ou abraçam muito.”

A cantora e produtora colombiana Arca, por exemplo, é alguém que constantemente flerta com o ritmo. Os elementos frenéticos e distorcidos presentes em suas canções podem ser assemelhados ao gênero. No entanto, Nicolas, administrador do fã-clube Arca Daily Brasil, afirma que a estrela não pertence ao movimento: “ela é uma figura emblemática e faz música experimental. Não tem como apresentá-la formalmente, ela sai das curvas do normal e do básico.”

Ainda é uma questão muito opinativa. A colombiana, que recentemente revelou estar trabalhando com a brasileira MC Dricka, chegou a misturar sintetizadores com as batidas do funk nacional em um dos seus singles, Incendio. “Se você mostrar o funk mandelão da Dricka para alguém lá fora, ele vai falar que é hyperpop”, opina a roteirista.

 

Capa de Incendio, canção presente no álbum KICK ii (2021). [Imagem: Reprodução/XL Recordings]
Capa de Incendio, canção presente no álbum KICK ii (2021). [Imagem: Reprodução/XL Recordings]

 

Torna-se um fator sobre reinvenção sonora. Ao conversar com as mais diferentes técnicas musicais, o movimento se permite a criar uma grande viagem psicodélica. É um gênero que não se constrói por meio da sua colocação dentro de uma caixa. Suas raízes são nostálgicas e abraçam inúmeras referências, desde o k-pop, pelos lançamentos do grupo Aespa Next Level e Savage, até ao que pode ser considerado brega pelo público, como a retomada de Friday de Rebecca Black em um remix que une Dorian Electra, 3OH!3 e Big Freedia. Sendo um ritmo criado por jovens e exportado principalmente pela internet, tentar e experimentar é, por si só, hyperpop.

 

Lançado em fevereiro de 2021, Friday (Remix) reinventa o viral por meio do acolhimento ao cafona. Rebecca Black (à esquerda) e Dorian Electra (à direita). [Imagem: Reprodução/Rebecca Black]
Lançado em fevereiro de 2021, Friday (Remix) reinventa o viral por meio do acolhimento ao cafona. Rebecca Black (à esquerda) e Dorian Electra (à direita). [Imagem: Reprodução/Rebecca Black]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima