Nem tudo é o que parece ser, e as ilusões de óptica são prova disso. Ainda que o fenômeno não passe de uma série de fatores físicos e biológicos combinados, o ser humano, há muitos anos, fascina-se com o efeito e brinca com ele em suas produções artísticas.
Foi pensando nisso que Paulo Zimmermann e Julio Abdalla desenvolveram o Museu das Ilusões. O acervo conta com obras de artistas brasileiros, sul-coreanos, estadunidenses e europeus e trabalha com diversos recursos para a ilusão: espelhos, luzes, hologramas, pinturas, esculturas, cenários gigantes e muita criatividade. Há também atrações produzidas pelo próprio museu, que passam por cálculos experimentais antes de serem expostas.
A ideia do museu surgiu a partir do ExpoCiência, uma exposição científica itinerante criada por Julio, que é professor de física, para facilitar o ensino da disciplina na prática. No caso do Museu das Ilusões, essa lógica permanece. Paulo relata que muitos professores de física fazem esse passeio pedagógico com os estudantes, pois o dinamismo e interatividade da exposição aumentam a compreensão dos alunos.
Contudo, não são só os docentes e as crianças que se interessam pelas obras. Desde outubro de 2020, quando foi inaugurado em São Paulo, o Museu das Ilusões já atraiu cerca de 200 mil visitantes de todas as idades. Para Paulo, a exposição faz tanto sucesso porque desafia a mente do observador. Mas você sabe como essas ilusões são construídas e por que o ser humano é afetado por elas?
O que são e como se formam ilusões de óptica
Gleidson Ferreira, professor de biologia do Colégio Etapa, define as ilusões de óptica como “fenômenos visuais que evidenciam, principalmente, o processamento que ocorre no cérebro a partir das informações captadas pelos olhos”. Ele explica que esse processo é iniciado pela retina, camada formada por fotorreceptores, que envia os sinais visuais para diversas áreas cerebrais. Essas regiões, por sua vez, continuam trabalhando hierarquicamente até resultar em nossa percepção visual.
O docente destaca que as vivências de cada um influenciam a construção dessa percepção, pois o encéfalo é influenciado por elas. “Ou seja, a forma como o cérebro interpreta as informações é decorrente das experiências passadas e, assim, é possível afirmar que existem diversas ‘estratégias’ que o cérebro usa para interpretar esses sinais.” A partir dessas técnicas, que o cérebro utiliza para decodificar estímulos oriundos do meio, nasce a maioria das ilusões de óptica.
Outros fatores podem resultar na geração do efeito, como a reflexão da luz, que pode distorcer imagens quando ocorre em superfícies curvas. “Além disso, dependendo das cores da superfície e da intensidade de iluminação, a reflexão pode também gerar efeitos de silhueta, sombreamento e contraste que confundem nossa visão”, acrescenta Daniel Medeiros, professor de física do Curso Etapa.
A psicologia por trás da ilusão
A ilusão de óptica é bastante estudada na psicologia, principalmente no Gestaltismo — corrente que se baseia nos estudos da percepção e da análise das partes e do todo. De acordo com Wellington Zangari, professor de psicologia social da Universidade de São Paulo (USP), é importante observar não apenas os elementos fracionados, mas também a percepção total, pois a ilusão funciona justamente devido à coexistência de elementos.
Além disso, a psicologia pode ajudar a entender como e por que cada indivíduo capta o fenômeno de uma maneira. Não são apenas fatores de caráter biológico, como a visão ou a audição, que interferem nessa questão, mas os emocionais também. A tristeza intensa, por exemplo, “tira o nosso foco de atenção de fora para dentro. A gente fica menos visual e auditivo e mais reflexivo. Ou seja, aumenta a nossa capacidade de rememoração [ato de avivar uma lembrança] e diminui a nossa capacidade de percepção”, explica o professor. De maneira geral, todas as emoções, quando sentidas exageradamente, podem desequilibrar os padrões de compreensão.
Diferentes níveis de amadurecimento e alterações neurológicas também podem prejudicar a interpretação das ilusões, especialmente aquelas que afetam a capacidade de prestar atenção. Segundo Wellington, síndromes, transtornos, psicoses e até mesmo a idade das pessoas são alguns desses casos. O professor, que também atua como mágico, exemplifica dizendo que “é um problema entre nós [mágicos] saber quais truques fazer para crianças. A depender da idade e da faixa de desenvolvimento cognitivo, adaptamos as mágicas para que elas possam ter algum efeito para crianças de certas idades. Então, a maturação neurológica é algo que temos que levar em conta.”
A arte de iludir
A mágica e a ilusão têm, aliás, uma relação bem próxima. Não é incomum ouvir dizer que certa ilusão de óptica parece mágica, e também o termo “ilusionismo” é usado como sinônimo desse tipo de arte.
Porém, Caio Ferreira, bicampeão latino-americano de ilusionismo, explica que os dois não são a mesma coisa. As ilusões de óticas são elementos científicos que podem ser utilizadas em números de mágica, mas elas não são em si a arte da mágica.
Apesar dessa diferenciação, ambas conquistam o público com sua inexplicabilidade. Caio afirma que o motivo das pessoas gostarem tanto de testemunhar shows de ilusionismo é justamente esse. “A mágica tem essa característica que é a criação do momento de assombro, é aquele momento em que você sai da realidade e espera uma ficção que acontece ao vivo. E o impossível é sempre algo que fascina o ser humano, o impossível ou o inexplicável.”
É devido a esse caráter instigante que os indivíduos não conseguem assistir aos truques passivamente. Caio relata ouvir com frequência os espectadores se perguntando “como é possível?”, “não tem fios, não tem nada?”. Nesse sentido, dominar técnicas e ferramentas, saber como gerenciar e direcionar a atenção do público e entender as sutilezas psicológicas da mágica são competências essenciais para realizar um bom espetáculo, segundo o ilusionista.
Para isso, é preciso muito estudo. Caio conta que “a mágica tem seus princípios, suas regras e muitos livros” e revela que os célebres ilusionistas David Copperfield e Fred Kaps são suas referências no assunto. Além desses, menciona Georges Méliès, um dos precursores do cinema, que, ainda no século 19, se destacou por aplicar técnicas de ilusionismo em suas obras, criando efeitos especiais inimagináveis até então.
As ilusões da sétima arte
De acordo com Paulo Teles, professor do Departamento de Multimeios, Cinema e Comunicação do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a produção cinematográfica é repleta de ilusões, que são fundamentais para que a magia do cinema aconteça.
O docente ressalta que, antes de mais nada, “a própria imagem cinematográfica em movimento é em si uma ilusão de ótica. Você tem 24 quadros parados tocando em um segundo, dando para gente a sensação de movimento.” Cada um desses quadros é uma imagem fixa de um produto audiovisual, também conhecido de frame, que, juntos, formam o vídeo. O cérebro humano consegue identificar os frames individualmente se forem expostas de 10 a 12 imagens por segundo. Se esse número for maior, como no caso do cinema, essa identificação se torna praticamente nula e se tem a percepção de movimento. Através de experimentações e considerando o custo-benefício, os cineastas concluíram que 24 quadros por segundo seria a taxa ideal para as produções.
Paulo acrescenta que, inicialmente, os filmes eram projetados em telões em parques de diversões, criando um clima de um verdadeiro “espetáculo de ilusões de ótica”, brinca. A primeira fase do cinema, que aconteceu no período de transição do século 19 para o 20, corresponde ao período do “cinema de atrações”, ou seja, quando era mais importante surpreender o espectador do que entregar narrativas estruturadas. Grandes nomes que se destacaram nessa época foram, além do já citado Georges Méliès, os irmãos Lumière, inventores do cinematógrafo e Edwin Porter, projecionista e técnico de fotografia.
Conforme os anos se passaram, novas técnicas foram desenvolvidas para incrementar a magia das telonas, como o cinema tridimensional. O professor de física Daniel explica que essa tecnologia se baseia na projeção de duas imagens sobrepostas com eixos perpendiculares de polarização da luz. A partir do estudo desse fenômeno foram criadas as lentes polarizadoras de luz, que formam os conhecidos óculos 3D. “Essas lentes fazem com que cada olho veja uma das imagens projetadas na tela em posições levemente deslocadas uma em relação à outra, o que causa o efeito de tridimensionalidade”, complementa.
O professor Paulo conta que existem câmeras compostas por duas lentes já pensadas para facilitar esse tipo de produção, mas que ainda é necessário ter bastante atenção para aplicar a técnica e causar a imersão do público. Uma das preocupações se relaciona com o chamado eixo z de um gráfico, responsável por representar a profundidade dos elementos. Ainda de acordo com o docente, é importante estudar o foco, o ângulo e a trajetória dos objetos para criar a ilusão perfeita.
Ciência e Arte
A parceria entre artistas e cientistas é fundamental para que o encantamento pela ilusão de óptica aconteça. Porém, a importância dessa união vai muito além do fenômeno e se expande para todas as criações artísticas. O professor Daniel acredita que o estudo da física, por exemplo, “pode trazer nuances mais completas e complexas para a arte, quer seja intenção da produção artística ser mais fidedigna à realidade ou ser um contraponto dessa.” Além disso, ele afirma que a física, ao estimular a compreensão do mundo e da natureza, pode intensificar o despertar de emoções e sensações que inspiram a concepção de obras de arte.
Caio revela que o ilusionismo também está repleto de aplicações do conhecimento científico. Além dos truques com fogo, que consistem essencialmente em processos químicos, ele cita o uso de estearato de zinco, um pó branco com propriedades antiaderentes que é espalhado no baralho para facilitar o deslizamento das cartas. Durante um curto período, elementos comuns atualmente, como pilhas e isqueiros, também foram recursos inovadores para os artistas. O ilusionista relata que, nessa época, os mágicos se aproveitavam do desconhecimento do público sobre essas novidades para usá-las em seus espetáculos, dando um show de inexplicabilidade.
Contudo, os ilusionistas não apenas usam a ciência a seu favor, mas também contribuem muito para o seu desenvolvimento. Caio menciona o pai da mágica moderna, Jean Eugène Robert-Houdin, como um grande inventor e relojoeiro. O primeiro mágico a usar eletricidade em suas apresentações criou diversos dispositivos e autômatos. Segundo o professor Wellington, os ilusionistas também colaboraram com a ciência ao serem objeto de estudo da psicologia. Ele cita o caso de Alfred Binet, criador do primeiro teste de quociente de inteligência (QI), que decidiu investigar as mentes desses profissionais.
A análise psicológica ainda é importante na medida em que examina a própria crença na ilusão. “Uma parte de nós pode até desconfiar, mas há sempre uma certa dualidade, uma ambiguidade nessa nossa percepção”, ressalta Wellington. O psicólogo também explica que o termo ilusão é um rótulo empregado por aqueles que estão alheios à experiência, pois, para quem está inserido nela, é uma vivência real.
Nesse sentido, “a tendência artística é chegar à perfeição da realidade”, segundo o professor Paulo. Ele afirma que esse não é um desejo exclusivo dos cineastas, mas dos artistas no geral que, por meio de avanços científicos, buscam “não apenas se aproximar do real, mas expandi-lo, com fantasias que dêem cada vez maiores sensações de realidade”.