O cenário musical brasileiro é um conglomerado de muitos ritmos e influências das mais diversas culturas. Axé, samba, sertanejo e funk podem parecer estilos completamente distintos entre si, porém, possuem uma coisa em comum. Esses gêneros, com a internacionalização da música brasileira, são os mais populares além das fronteiras nacionais e cativam ouvintes de vários países, gerando interesse na produção musical do Brasil.
Era uma vez a música brasileira…
No ano de 1967 era lançado o álbum de parceria entre Tom Jobim e Frank Sinatra, repleto de releituras dos grandes clássicos da bossa nova do compositor brasileiro. O álbum solidificou a fama da qual o ritmo já gozava no exterior.
De fato, a bossa nova pode ser considerada um dos primeiros gêneros brasileiros a conquistar uma posição de sucesso no cenário internacional. Nascida em uma época de euforia nos chamados Anos Dourados, a bossa nova surgiu com um objetivo claro de internacionalização da música brasileira.
O ritmo, formado a partir de influências do jazz norte-americano e do samba, era carregado de influências boêmias. Canções como Onde anda você, de Toquinho e Vinicius de Moraes, ou Tarde em Itapuã, imortalizadas, fazem ode exatamente a esse estilo de vida boêmio.
A bossa nova certamente abriu caminhos e serviu de influência para vários gêneros musicais se popularizarem Brasil afora. Inclusive, desde a década de 70, a música aqui produzida muito se beneficiou do intercâmbio e conjunção de vários estilos musicais, o que chama a atenção do mercado estrangeiro.
O Jazz Fusion, ritmo que mistura estilos como rock, jazz, latin jazz e até R&B e funk, é um exemplo. O ritmo se tornou tendência nos Estados Unidos e na Europa e serviu de base para o movimento tropicalista. O tropicalismo fundiu muitos gêneros internacionais (jazz, rock e pop) com ritmos nacionais, criando um produto com características próprias sem se desfazer do cerne brasileiro.
O tropicalismo serviu como uma virada no meio artístico nacional. Unindo cinema, música e artes plásticas, todos os artistas que faziam parte do movimento buscavam criar uma cultura nova, misturada e que chocasse o público.
Dentro desse movimento surgiram nomes como Maria Bethânia, Tom Zé e Gal Costa, cujo primeiro álbum, Domingo (1967), foi lançado em conjunto com Caetano Veloso pela gravadora Phillips e possuía claras influências da bossa nova. O sucesso do movimento reverbera até hoje, apesar das críticas da época relativas à adoção de estilos e instrumentos estrangeiros, associados a uma “estética alienante”.
Hoje, o debate da alienação cultural perante a dicotomia entre a cultura local e a global apresenta diversas nuances. Com a chegada da internet e a dominação do mercado fonográfico brasileiro por empresas estrangeiras, a homogeneização e a expansão da produção brasileira andam lado a lado.
Tempos Modernos
Em 2019, o mercado fonográfico do Brasil cresceu cerca de 14% de acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, bem acima da média internacional. Isso, claro, deriva de várias mudanças que contribuíram para a internacionalização da música brasileira.
Entre esses fatores está a entrada mais agressiva de empresas de streaming no país, tais como o Spotify, Deezer, Google Music, entre outros. As plataformas têm se reconfigurado, com aumento do movimento de monetização e vigilância às infrações de direitos autorais, como lembra o professor e jornalista Tobias Queiroz: “Dada esta conjectura, acredito que pontualmente podemos observar a força destes serviços de streaming como um dos principais catalisadores do crescimento do mercado no Brasil”.
Segundo o crítico musical Silvio Essinger, o fenômeno beneficiou o mercado na medida em que liberou um potencial represado, mas trouxe consequências: “A consolidação do streaming implicou em mudanças diversas, porque mais do que nunca a receita de uma música depende de pegar o ouvinte nos primeiros minutos. Daí, as longas introduções foram sumindo, os refrãos começaram a aparecer cada vez mais cedo na música e as faixas foram ficando cada vez mais curtas, algumas até com menos de um minuto de duração”.
As redes sociais também passaram a realizar um papel fundamental no meio musical, especialmente durante a pandemia, como ambiente de marketing e difusão. Essa prática também contribui na transformação da produção musical, pois as canções tendem a ficar mais atreladas aos assuntos do momento. Essas têm mais chance de serem aceitas pelo público nacional e internacional, justamente por esse gancho momentâneo, e se transformarem em sucessos.
Mas a internet também contribuiu para a democratização da produção musical, a qual agora pode ser adaptada à realidade digital. “[Há] a revolução social ocorrida em regiões de periferização no Brasil ao ressignificar músicas, criar mashups e inserir com potência e muita criatividade gêneros musicais marginalizados pela elite e pela cultura midiática do bom gosto”, diz Tobias.
Com isso, tem-se uma ascensão de gêneros populares tais quais o funk, o sertanejo e o axé, que emplacaram vários hits internacionais como Ai Se Eu Te Pego, de Michel Teló, e Sua cara, de Anitta e Pabllo Vittar.
Sobre isso, Essinger afirma: “É reflexo desse momento de global pop, em que o streaming derrubou as fronteiras e a democratização da tecnologia possibilitou que a produção musical de países do Terceiro Mundo pudessem competir, de igual para igual, com as produções dos países que eram hegemônicos”.
Para Queiroz, o fenômeno também não deve ser analisado somente pela ótica da “poprização”: “A mudança de visibilidade internacional de gêneros musicais como a Bossa Nova e a MPB – quando falamos da década de 60 e 70 – para outros como a axé music, o sertanejo e o funk dialoga diretamente com a própria mudança nos padrões de consumo e de produção musical no Brasil”.
Assim, é preciso considerar as estratégias mercadológicas de internacionalização da música brasileira, como as colaborações com artistas latinos e anglófonos em gêneros como o funk e o sertanejo; a internacionalização de eventos consolidados como o Rock In Rio; a digitalização e as plataformas de streaming e a presença no mercado de produtoras com potencial gigantesco, como a GR6 ou a Kondzilla.
O funk certamente segue na dianteira, até pela sua similaridade com o hip hop, como comenta Essinger: “O funk, por ter uma linguagem mais próxima do hip-hop — que há alguns anos é o gênero musical mais forte no mundo — levou vantagem nessa corrida, da mesma forma que o reggaeton de Porto Rico também se deu muito bem”.
Artistas como Anitta e Ludmilla, atreladas ao funk carioca, hoje realizam shows ao redor do globo. Um exemplo claro do sucesso do estilo é a plataforma de produção musical Kondzilla, responsável pela difusão do ritmo, sendo o sétimo maior canal de música do mundo.
Tudo isso aponta para uma tendência do mercado fonográfico brasileiro, representado por seus ritmos mais populares, alçar voos cada vez mais altos através da emergência de plataformas musicais e da democratização não somente do acesso a música, como do seu fazer.
Imagem de capa: Roda de samba- Releitura Carybé/Bernadeth Rocha/Flickr.
Articulo muito bom e informativo, eu como DJ “de fora”, fico muitas vezes fascinado com as diversas camadas culturais de este pais gigante, assim como de seus cenários musicais!