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‘Maria Callas’ transborda em sua representação das várias facetas da solidão

A trajetória da soprano é contada em uma biografia grandiosa e pacata, a terceira da trilogia de Larraín
Por Mariana Ricci (mariana.ricci@usp.br)

A acirrada disputa pelo Oscar de melhor atriz ganha um novo capítulo no Brasil: nesta quinta-feira (16), estreia em solo nacional o filme Maria Callas (2024). O longa, dirigido por Pablo Larraín e estrelado por Angelina Jolie, acompanha a aclamada soprano Maria Callas em sua última semana de vida. Intensa, Jolie entrega uma de suas melhores performances em mais um drama biográfico enfadonhamente espetacular de Larraín. 

Por entre as ruas de Paris, o filme acompanha Callas em uma reflexão sobre sua trajetória de vida. A cantora afoga-se na nostalgia em uma tentativa de recuperar sua carreira nos palcos depois de perder a potência original de sua voz. A obra  faz uma viagem pela mente ansiosa e depressiva da cantora, que tenta se equilibrar entre a realidade e as alucinações causadas por sua medicação. 

A instabilidade emocional de Callas é interpretada de forma majestosa por Jolie, que encontra o balanço perfeito entre serenidade e delírio. Ao longo do filme, o espectador acompanha a soprano perdendo-se em si e se emociona com o olhar que fica cada vez mais vazio, sem esperança.

Jolie enfrentou longos meses de preparação vocal para poder cantar ópera. A voz ouvida pelo público é a combinação das vozes da soprano e da atriz, decisão do preparador vocal Eric Vetro para criar uma interpretação autêntica. Apesar disso, a atriz não consegue transpassar a força física realizada na interpretação de ópera, e todas as vezes que canta não parece que o faz de fato, o que causa desconforto ao espectador.

O terceiro filme da trilogia de grandiosas biografias de mulheres históricas de Larraín foi creditado como “o melhor de todos” pela revista The New Yorker. Maria Callas sucede Jackie (2016) e Spencer (2021) e deixa sua marca como mais um filme pacato do diretor chileno.

O filme peca em trazer cenas curtas e fragmentadas de Callas nos palcos [Imagem: Reprodução/ IMDB]

A narrativa fragmenta-se em três momentos que intercalam entre si: o presente, o passado e as alucinações de Callas. 

No presente, o espectador ambienta-se em 1977, na semana final de vida da soprano que,  completamente dependente de sedativos e ansiolíticos, vive reclusa em seu apartamento no centro de Paris. A mansão em que passa seus últimos momentos é um reflexo de sua decadência física e mental. 

O designer Guy Hendrix Dyas e sua equipe recriaram o apartamento da cantora para o filme com as poucas fotografias que tinham do local. Alguns cômodos reproduzem fielmente a realidade do apartamento francês, mas muitos partem da imaginação do produtor, que representa a intensidade e o psicológico instável de Callas, aliados à paixão da personagem por arte, moda e cultura nas paredes exageradamente estampadas.

O filme também destaca a importância de Ferruccio Mezzadri (Pierfrancesco Favino) e Bruna Lupoli (Alba Rohrwacher), mordomo e governanta de Callas, que moravam com a cantora no período. Ambos são retratados com aspecto paternalista e foram o alicerce que manteve a personagem de pé em seus últimos momentos. Alba e Pierfrancesco entregam uma brilhante performance coadjuvante que reforça a grandiosidade da protagonista.

Os fiéis escudeiros de Callas, seus poodles, também ganham vida no longa  [Imagem: Reprodução/ IMDB]

Callas passa seus dias devaneando em nostalgia e tenta relembrar momentos de sua gloriosa carreira e trágica vida. No passado, o espectador é transportado aos grandes traumas da cantora: desde suas primeiras experiências com a música durante a Segunda Guerra Mundial, até a perda de seu grande amor, Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer). 

Larraín aproxima-se desses momentos delicados da vida da cantora de maneira respeitosa e elegante. A delicadeza com que questões como a prostituição e traição são abordadas é compatível à imagem que o diretor busca criar de Callas. 

A manipulação temporal proposta pelo longa permite maior liberdade narrativa para que a história de Callas seja contada. No presente, o espectador assiste a diva em decadência; no passado, lembra-se de sua grandiosidade. 

O passado é visto, ao mesmo tempo, como uma escolha estilística de registrar a história da cantora, mas é implícito ao espectador que são parte, também, dos devaneios de Callas.

Os figurinos são fiéis ao vestuário de Callas e, para o uso dos casacos de pele, a produção consultou associações de defesa dos direitos dos animais. [Imagem: Reprodução/ IMDB]

O abismo emocional em que Callas se encontra é registrado a partir de suas alucinações. No início do filme a cantora pede a Feruccio que organize a casa, pois uma equipe de repórteres viria entrevistá-la para um projeto de biografia da soprano. O grupo, porém, não passa de mais uma de suas visões.

O jornalista chefe apresenta-se como Mandrax, nome do sedativo do qual a soprano faz uso contínuo. A dada equipe acompanha Callas durante todo o filme e, geralmente, aparece ao seu lado durante os poucos passeios que faz por Paris. 

Enquanto explora a Cidade das Luzes, a cantora relembra, novamente, sua trajetória. O passado se mistura com as visões e, logo, o próprio espectador vê-se preso ao devaneio. Larraín faz esse movimento com perspicácia e consegue realizar tais trocas com fluidez.

Um dos principais recursos adotados para garantir que o espectador acompanhe as inversões temporais foi a utilização de filtros de imagem, que marcam  as divisões do enredo não linear. O passado é representado em preto e branco. Já nas alucinações, Larraín utiliza-se do alaranjado.

A fotografia foi um dos principais acertos do longa-metragem. O público é transportado para a Paris dos anos 70 e ambos enquadramento e filtros conversam deslumbrantemente entre si. 

Larraín acerta na maneira com que conta a história e o esforço que desempenha para manter o espectador atento é louvável. Mas ainda se trata de um longa-metragem de 120 minutos que mostra as diversas facetas da morte. É inevitável: o espectador se reprime e o filme, que não é monótono, torna-se pacato. 

Além disso, a obra é uma tentativa de enaltecer uma grande personagem do século 20, mas o público deixa a sala de cinema com pena. Como poucos foram contemporâneos aos momentos de glória da cantora, o que fica na memória é sua decadência.
Jolie merece a tão sonhada indicação ao Oscar, mas ante a efervescência de filmes sobre a modernidade voltados às novas gerações, Maria Callas se distancia da premiação.

O filme está disponível nos cinemas. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Reprodução/IMDb

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