Por Luiz Dias (lhp.dias11973@usp.br)
Em setembro de 2024, novo paciente recebeu um implante dos chips cerebrais da Neuralink, tecnologia que promete restaurar funções motoras de pessoas com deficiência. Essa tecnologia se juntou a outras promessas do ano — até então vistas apenas em ficções futuristas — como óculos de realidade aumentada e implantes biônicos restauradores de visão. No entanto, a pergunta que permanece é: esses chips configuram uma revolução real ou apenas outra promessa das startups de tecnologia?
“Nós já somos ciborgues. Nós somos tão conectados aos nossos celulares e computadores, que perder um celular seria como perder um braço”
Elon Musk
Resultados obtidos até o momento
Noland Arbaugh, de 30 anos e tetraplégico após um acidente de natação, foi o primeiro paciente humano a receber o chip “Link” da Neuralink, por meio de uma cirurgia realizada por robôs. Após dois meses de uso do dispositivo, Noland compartilhou periodicamente vídeos em suas redes sociais, nos quais ele demonstra como utiliza seu computador, redes sociais e videogames apenas com seus pensamentos.
Apesar do sucesso inicial, o dispositivo enfrentou alguns problemas técnicos. Segundo a Neuralink, vários dos fios implantados se retraíram, o que diminui a eficiência dos eletrodos — um erro identificado desde os testes em animais. De acordo com a empresa, correções foram feitas no chip de Noland e o defeito nos fios será corrigido nas versões posteriores do dispositivo.
Após o defeito, Noland ainda segue otimista e afirma que seu sistema está operacional e mantém perspectivas para o futuro: “O objetivo deste estudo era descobrir o que funciona e o que não funciona”, disse em entrevista ao Livescience. As soluções da empresa foram suficientemente satisfatórias para que a Foods and Drugs Administration (FDA), órgão regulador americano, permitisse o segundo implante em humanos.

Chamado apenas de Alex, o segundo paciente, que possui lesões na coluna semelhantes às de Noland, recebeu o chip Link em setembro deste ano. Conforme relatório da empresa, o paciente se recuperou da cirurgia em um único dia e, desde então, obteve “resultados impressionantes”. No seu primeiro dia, ele conseguiu quebrar o recorde de controle de cursor através de um dispositivo de interface cérebro-máquina (ICM), marca atingida anteriormente apenas por Noland.
Após um mês do implante, Alex já consegue realizar tarefas complexas através do dispositivo. Por exemplo, jogar o jogo de tiro Counter Strike, e usar o software CAD Fusion 360 para criação de modelos 3D. Área de interesse pessoal que ele desenvolveu enquanto atuava como engenheiro automotivo, cuja continuidade, segundo ele, parecia “impossível”.
“Pegar uma ideia, colocá-la como um design e realmente ter um item físico como um produto finalizado me faz sentir como se estivesse construindo coisas novamente.”
Alex
Tecnologia por trás do chip
O chip Link é classificado como um dispositivo de ICM, uma categoria de dispositivos que visa a interação de máquinas com o cérebro, seja para funções de controle ou leitura das atividades cerebrais. O setor de ICM, apesar da visibilidade recente, existe desde o final do século 20 e já possui aplicações médicas na atualidade.
Um dos principais exemplos de aplicação dessa tecnologia é a deep brain stimulation (DBS), uma terapia de neuromodulação em que eletrodos são instalados sob a superfície cerebral, onde através deles, há a emissão de pequenos pulsos elétricos que corrigem padrões eletroquímicos anormais, presentes em algumas doenças psiquiátricas como Mal de Parkinson. Uma tecnologia semelhante àquela empregada nos chips da Neuralink.
Os chips Link, implantados em ambos os pacientes, são da categoria intracordial, grupo que possui eletrodos implantados diretamente nos tecidos cerebrais, capazes de atuar como antenas. Os eletrodos captam a atividade sináptica, transmitindo-a por fios finos e flexíveis — mais finos que um fio de cabelo — até o chip principal, onde os sinais são convertidos em comandos enviados sem fio até os dispositivos eletrônicos que se pretende controlar.

Também em entrevista ao Livescience, Noland esclarece o funcionamento do dispositivo na prática, em que aponta a principal forma de utilizá-lo: estimular o movimento dos membros paralisados para a ação que pretende realizar. Apesar dos membros estarem inoperantes, o cérebro ainda reage à intenção e emite os sinais nervosos correspondentes, que podem ser captados e transmitidos pelos eletrodos implantados.
Contribuições e perspectivas futuras
Paulo Victor, doutor em engenharia elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com ênfase no setor de neuroengenharia, afirma a importância de dispositivos avançados de ICM, como o Link, para estreitar o canal de comunicação entre o espaço interior e exterior da consciência, ou seja, acessar de forma mais precisa os impulsos no cérebro para interpretar esses sinais — uma complexa soma de sinais químico e elétricos — em níveis até então desconhecidos.
O especialista enfatiza os benefícios potenciais dos dispositivos de interfaces neurais interativas (INI), um subgrupo dos ICM que permite a comunicação bidirecional entre cérebro e máquina, que poderiam possibilitar entender as dores dos bebês ou identificar de forma precoce a evolução de patologias em órgãos internos, por exemplo.
Paulo ainda especula cenários atualmente impossíveis, mas que poderiam se tornar realidade com a evolução das INI. Como a comunicação dos seres com dispositivos biomecânicos e estruturas cognitivas diferentes das nossas, por exemplo animais de estimação.
Apesar dos cenários hipotéticos, Paulo admite que esses artefatos carregam limitações que podem causar atrasos ou interferir na recepção dos sinais nervosos, fatores que levam a erros na interpretação desses dados para propósitos mais avançados. Apesar dessas limitações, Paulo acredita que a verdadeira ciência evolui gradativamente, mas de forma consistente, como um muro, adicionando tijolos sobre os demais, para formar uma construção sólida”.
Carlos Salmon, especialista em neuroimagiologia e processamento de sinais biológicos, apontou que a principal revolução da Neuralink não é necessariamente na área tecnológica . Segundo o especialista, a verdadeira contribuição da empresa consiste no ganho de visibilidade midiática e capital financeiro possibilitado por Elon Musk, o que atrai investimentos e impulsiona pesquisas no setor.
Recentemente a Science Corp, startup rival da Neuralink fundada por Mark Hodak — cofundador da própria Neuralink junto de Musk em 2016 — anunciou o lançamento de um implante biônico que, em seus primeiros testes, foi capaz de restaurar a visão de pacientes cegos. O desenvolvimento desse dispositivo, assim como de outros semelhantes na área atual, reflete a crescente tendência do mercado por esse tipo de tecnologia, impulsionada pela visibilidade da startup de Musk.
*Imagem de capa: PxHere