Por Breno César Macário (breno.macario@usp.br)
O Ultimate Fighter Championship (UFC) é uma grande organização de Artes Marciais Mistas ou, em inglês, Mixed Martial Arts (MMA) que administra lutas no mundo inteiro. A companhia centraliza em si tudo o que compõe os seus eventos: lutadores, funcionários, Pay Per View (sistema de televisão pago para assistir eventos específicos), contratos de patrocínio e direitos de imagem.
Com a mentalidade de oferecer entretenimento e espetáculo ao público, o UFC foi a primeira organização de MMA e ajudou a elevar o patamar do esporte. Hoje, após mais de 30 anos da sua criação, o Ultimate atrai uma audiência crescente de milhões de pessoas e uma arrecadação bilionária.
O cinturão do UFC atual, o prêmio máximo da organização mudou seu design em 2019 [Imagem: Reprodução/ X/ @UFC Canadá]
A fundação e o caminho até o sucesso
Antes do UFC, já havia modalidades de artes marciais consolidadas, como por exemplo, o boxe, que teve sua primeira luta profissional a mais de cem anos antes do surgimento do Ultimate e já contava com grandes eventos esportivos e atletas lendários.
O MMA, ainda que de maneira bem diferente, já existia antes do UFC e ganharia bastante popularidade com a organização, que, inclusive, é a atual maior associação de artes marciais mistas no mundo. Guilherme Cruz, jornalista do Portal internacional de notícias MMA FIGHTING, em entrevista concedida ao Arquibancada afirma isso: “Sem dúvida é a maior organização. […] O timing jogou a favor do UFC, que se expandiu em uma época onde a internet era mais acessível”.
Além disso, Guilherme também faz uma contextualização sobre o cenário pré-UFC: “Se resumia basicamente a dois polos: Brasil e Japão. Por aqui, já eram organizados eventos há décadas, ainda nos moldes de desafio entre artes marciais. No Japão, […] era comum termos atletas especialistas em alguma arte marcial enfrentando astros dos eventos de lutas combinadas”.
O UFC surge em 1993 como um evento de luta livre, fundado por Art Davie, pelo brasileiro Rorion Gracie e mais alguns sócios. Eles reuniram praticantes de diferentes artes marciais para realizar uma competição para ver qual arte marcial sairia melhor. A competição tinha mais um viés de espetáculo do que de esporte, afinal, esse era o objetivo inicial.
Sua primeira edição, o UFC 1, aconteceu em Denver e foi realizada em um único dia no formato de torneio com oito lutadores. Royce Gracie, praticante do Jiu-jitsu brasileiro e primo de Rorion Gracie, sagrou-se campeão. O primeiro evento foi um grande sucesso de audiência. A partir daí, os fundadores começaram a produzir mais disputas como essa, e o que era pra ser uma única competição acabou se tornando uma série.
Os primeiros eventos do UFC foram marcados com episódios violentos, por lutas com poucas regras e com lutadores de diferentes faixas de peso se enfrentando, o que ocasionou muitas críticas e polêmicas.
Em 1995, após o UFC 5, Art Davie e Rorion Gracie venderam suas partes do negócio para o Semaphore Entertainment Group (SEG) que, desde a fundação, era parceira de televisão da WOW Promotions, empresa fundada por Art Davie e mais 28 investidores para administrar o espetáculo do UFC. A partir desse momento, o SEG tomaria o posto da WOW Promotions e passaria a ser responsável tanto pela transmissão quanto pela administração do negócio.
O sucesso do UFC na época preocupou as autoridades nos Estados Unidos, que viam a violência das lutas como uma má influência para a sociedade. Em 1997, a organização foi banida em diversos estados americanos. O Ultimate se viu obrigado a começar a impor regras, aumentar a cooperação com comissões atléticas estaduais e criar políticas antidoping. As mudanças apareceram gradualmente a cada nova edição. Assim, o MMA se enquadrava cada vez mais como um esporte propriamente dito.
Apesar do surto inicial de popularidade, financeiramente, o UFC ia mal com o SEG. Então, em 2001, o Ultimate foi vendido mais uma vez, agora para os irmãos Lorenzo Fertitta e Frank Fertitta, convencidos por Dana White, presidente da organização desde então. Juntos, criaram a empresa Zuffa para administrar a Associação e iniciar um grande desenvolvimento da marca.
Com novos investimentos, patrocínios e acordos, o UFC continuou crescendo em popularidade. Apesar da injeção de dinheiro e ainda crescer em popularidade, os primeiros anos da era Zuffa ainda mostravam prejuízos. O cenário financeiro mudou apenas com a criação do The Ultimate Fighter, reality show que acompanha a preparação de jovens lutadores para lutar em uma competição que poderia dar a eles uma chance no UFC. O programa foi um sucesso, teve grande audiência e promoveu muitas vendas de Pay Per View para os eventos oficiais da organização.
Guilherme fez um resumo sobre como o Ultimate se tornou tão popular: “O UFC nunca se tornaria uma organização global nas mãos de Rorion Gracie, pois esse nunca foi seu intuito. Seus substitutos, os irmãos Fertitta, além de bolsos praticamente infinitos, têm o mérito de acreditar na ideia mesmo com dezenas de milhões em prejuízo iniciais. O primeiro surto de popularidade veio com a primeira temporada do The Ultimate Fighter , a partir disso o monstro só cresceu”.
Após prósperos anos, a Zuffa foi vendida para o seu atual detentor: o Grupo Endeavor, que criou o conglomerado de mídia TKO Group Holding para administrar a fusão entre a Zuffa e a famosa empresa de divulgação de lutas de wrestling, World Wrestling Entertainment Federation (WWE). Os Irmãos Fertitta consolidaram o UFC como a principal associação do MMA, com isso, conquistaram um grande lucro, pois o empreendimento que custou US$2 milhões foi vendido por US$4 bilhões para os donos atuais.
Com o Grupo Endeavor, e ainda com Dana White como presidente e CEO, o UFC continua aumentando sua popularidade e arrecadação e, em 2023, o grupo começou a ser comercializado na Bolsa de Valores.
O Ultimate nos dias de hoje
Mesmo após anos de ascensão na Era Zuffa, o UFC continua crescendo. Em 2024, a TKO Group Holding, empresa gestora do Ultimate e de outras organizações, anunciou que teve uma arrecadação de US$2,8 bilhões, indicando um crescimento de 67% em relação ao ano anterior e com uma contribuição de US$1,4 bilhão do UFC.
Apesar da popularidade e alta arrecadação, muitos alegam que o auge da organização, ficou no passado. “Depende muito do que tratamos como auge. A década passada teve a melhor safra de grandes estrelas. Hoje, o plantel de atletas não possui um nome que venda perto do que eles faturavam, mas o UFC vive hoje seu auge financeiro”, explica Guilherme.
“ Hoje, o UFC basicamente só realiza eventos em cidades e países que lhe paguem uma taxa milionária. Ou seja, o UFC se tornou um produto tão atrativo que a empresa simplesmente não tem prejuízo.”
Guilherme Cruz
Atualmente, o UFC tem que lidar com o crescimento de outras organizações como o Bellator MMA. Mesmo assim, elas estão bem longe de alcançar o tamanho do UFC, que ainda se mostra muito imponente como a principal organização do esporte.
No Brasil, o Ultimate sempre fez muito sucesso, afinal, o país ajudou a fundar a organização. O mercado consumidor brasileiro compõe grande parte da audiência do UFC, inclusive, é considerado o segundo mais importante. As transmissões no país, que começaram em 2002, aconteceram em TV aberta por muito tempo, com SBT, Globo e Rede TV passando a competição. Hoje, as lutas principais só podem ser acompanhadas pelo Pay Per View.
Dentro do octógono, os brasileiros tiveram grandes lutadores que marcaram a liga, como por exemplo, Anderson Silva e Vitor Belfort. Além disso, o Brasil tem grande número dos lutadores atuais da organização e 21 campeões em sua história.
Vitor Belfort x Anderson Silva no UFC 126 foi um divisor de águas para a audiência brasileira que cresceu muito após o evento [Imagem: Reprodução/ X/ @UFC Brasil]
Como o UFC é tão rico?
A organização consegue arrecadar muito dinheiro de diversas fontes. Por mais que a venda de direitos de transmissão das lutas seja o produto principal, o UFC ainda lucra milhões com o próprio sistema de Pay Per View, contratos de patrocínio, parcerias para sediar eventos, vendas de ingressos para assistir as lutas in loco e jogos de videogame.
Com a Endeavor, a organização se tornou mais globalizada e cresceu para limites maiores do que seus principais polos de consumo, que eram os Estados Unidos e o Brasil. Atualmente, o UFC realiza eventos em todos os continentes do mundo e tem campeões de diversas nacionalidades, como por exemplo, o sul africano Dricus du Plessis e o russo Magomed Ankalaev. Além disso, a liga deseja extinguir do esporte o estereótipo de violência que perdura em alguns públicos mais velhos que acompanharam o surgimento sangrento do MMA. Com essas medidas, o mercado consumidor do UFC só cresce e é acompanhado de uma arrecadação que aumenta junto do número de fãs.
“O UFC é um monopólio, e há uma batalha judicial correndo nos Estados Unidos que prova isso. A empresa canibalizou o mercado, sufocou concorrentes, e simplesmente tornou inviável que surja um concorrente financeiramente viável”.
Guilherme Cruz
O domínio do UFC no cenário do MMA centraliza os apaixonados pelo esporte e impede que novas organizações consigam competir por audiência. Para isso, ele compra seus principais rivais e os extingue para evitar que haja competição. As principais organizações absorvidas foram:
- World Fighting Alliance (WFA): comprada em 2006 teve toda sua estrutura absorvida e foi extinta.
- World Extreme Cagefighting (WEC): também comprada em 2006, foi parte de uma fusão, os títulos da WEC passaram a ser contabilizados pelo UFC ou ocorreram disputas diretas pelo título. O grande lutador brasileiro José Aldo se juntou ao UFC nessa ocasião.
- PRIDE Fighting Championship: O principal rival histórico do UFC foi comprado em 2007. A associação chegou até ser a maior do MMA, mas um escândalo que a associava à facção Yakuza causou o fim de diversos contratos levando a uma grande crise financeira, o que obrigou os proprietários a venderem a organização. O UFC incorporou parte dos lutadores do PRIDE e extinguiu a rival e seus eventos.
- Strikeforce: Comprada em 2011, foi a maior rival do UFC nos Estados Unidos, não foi extinta de imediato, acabou após o cumprimento de alguns contratos de TV e assim como PRIDE e WEC alguns lutadores se juntaram ao Ultimate.
Fator Dana White
Dana White, presidente e CEO da organização desde 2001, tem grande parcela de responsabilidade pelo sucesso e lucratividade do UFC. O empresário apostou na ideia trazendo injeção de dinheiro e, hoje, faz inovações e toma decisões que são cruciais para o crescimento da organização.
paixonado por lutas desde sempre, chegou ao UFC como empresário dos veteranos lutadores Chuck Liddell e Tito Ortiz. Uma vez inserido no mundo do MMA, conheceu um dos fundadores, soube que o UFC seria vendido e convenceu seus amigos bilionários Lorenzo e Frank Fertitta a comprá-lo.
Depois, como presidente e não mais como empresário de atletas, foi dele a ideia de utilizar mídias alternativas para promoção e de colocar regras mais rígidas no esporte, medidas que fizeram com que mais pessoas olhassem e consumissem o UFC.
O grande crescimento na Era Zuffa passa diretamente por Dana White. Atualmente, depois de mais de 20 anos à frente do UFC, ele continua dedicado a ajudar no crescimento da organização, administrando eventos, contratos e lutas com a mesma dedicação e ambição que o levaram à presidência e que fazem a companhia continuar crescendo. Dana é considerado o rosto do Ultimate, mesmo não sendo o fundador ou proprietário majoritário, é facilmente confundido como dono da organização por quem não conhece a história da organização.
Dana White, presidente e CEO do UFC há mais de 20 anos [Imagem: Reprodução/ X/ @UFC Brasil]
Consequências
Todo monopólio gera consequências no mercado em que domina e, no caso do UFC, isso não seria diferente. Para os fãs, esse forte controle é algo benéfico, pois a centralização de contratos e lutadores torna mais fácil o acontecimento de grandes lutas. Contudo, ele é prejudicial aos atletas, que não conseguem ter uma justa definição dos salários e ainda têm que ficar refém das vontades da organização.
Nesse cenário, as estrelas principais do evento recebem menos do que a organização e têm que lidar com um salário que por muitas vezes é insuficiente para cobrir todos os gastos e recompensar os sacrifícios necessários para alcançar o topo do MMA. Em caso de atletas ingressantes, isso fica ainda mais evidente.
“Muita gente não entende que, quando temos lutas, devemos dinheiro às pessoas depois. Após essa vitória, 60% do meu dinheiro já foi gasto. Entre a academia, empresário, impostos, e contas a pagar. Esse dinheiro vai embora. Ele não dura para sempre”
Jared Cannonier, lutador dos pesos médios do UFC ,em entrevista ao programa MMA Hou
Atualmente os lutadores são remunerados da seguinte forma: recebem um valor fixo por luta, bônus em caso de vitória ou desempenho de destaque e porcentagem das vendas de Pay per view que, segundo informações do processo movido contra o UFC nos EUA, não passa de 20% distribuídos para todos lutadores do evento. Nesses moldes, é vantajoso para os atletas realizar o maior número de combates possível, porém, por causa do casamento de lutas e da baixa longevidade dentro do esporte, os lutadores realizam poucas apresentações em suas carreiras.
Como comparação, atletas de elite em outras ligas de esportes populares, como a NFL, recebem salários mais altos e bônus de 50% da arrecadação das transmissões dos jogos. Nesses casos, a sindicalização de atletas permite uma negociação e um ajuste mais justo de salários, porém, no UFC não existe nada semelhante.
Enquanto isso, o processo corrente nos Estados Unidos busca melhorar essa situação. Os lutadores que lideram o processo alegam que os contratos restritivos e o monopólio do UFC impossibilita que eles possam competir por melhores salários em outras organizações. Como solução, eles desejam que a lei Muhammad Ali – que oferece algumas proteções contratuais para atletas do boxe – se estenda para o MMA.
Dana White, em 2022, falou sobre o assunto em entrevista à GQ, dizendo que não deseja aumentar os salários dos lutadores e que acredita que eles recebem exatamente o que deveriam receber. Segundo seu argumento, aumentar os gastos com salários fará com que o UFC entre em decadência, assim como o boxe, que paga salários consideravelmente maiores e que, segundo White, são excessivos.