A história de Wong Kar-Wai e a Nova Onda do Cinema de Hong Kong
Wong Kar-Wai nasceu em Shangai, na China, em 1958, transferindo-se para Hong Kong com sua família cinco anos depois, em 1963. Essa mudança teve uma grande importância no desenvolvimento da identidade artística de Kar-Wai, uma vez que a maior parte de seus filmes se passam em Hong Kong na década de 1960, expondo o impacto cultural que o atual diretor vivenciou ao deixar a China continental. Ele obteve seu diploma de designer gráfico da Escola Politécnica de Hong Kong em 1980 e, então, começou a trabalhar como assistente de produção de televisão. Após participar da produção de diversas séries televisivas, Kar-Wai tomou parte na escrita de roteiros para seriados, e, depois, para filmes.
Sua estreia como diretor aconteceu em 1988, com o longa Conflito Mortal (Wong Gok ka moon, 1988), que conta uma história em meio ao mundo da máfia de Hong Kong e acompanha o personagem principal Wah (Andy Lau) e seu parceiro de crime Fly (Jacky Cheung). Com um roteiro que já passava um grande sentimento efêmero e transitório, o primeiro filme de Kar-Wai apresentava o início da narrativa e estilística consideradas típicas do cineasta, juntamente com o impressionismo pelo qual ele seria posteriormente reconhecido.
![Maggie Cheung (Ngor) e Andy Lau em Conflito Mortal. [Imagem: Divulgação/In-Gear Film Production]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-3.jpg)
Maggie Cheung (Ngor) e Andy Lau em Conflito Mortal. [Imagem: Divulgação/In-Gear Film Production]
Então, a partir de 1984, essa corrente cinematográfica contou com mais uma fase, a chamada Segunda Onda do Cinema de Hong Kong. Conservando o espírito experimentalista e inovador da primeira parte, as novas produções mostraram visuais muito marcantes, com certa presença de uma nostalgia pela década de 1960, questões sobre identidade e forte ênfase na transitoriedade. Foi nesse período que o movimento recebeu maior aclamação internacional, principalmente com Wong Kar-Wai, que foi o vencedor do prêmio Palma de Ouro no Festival de Cannes com seu longa Amor à Flor da Pele (Fa yeung ni wa, 2000), gerando uma grande repercussão pelo mundo.
A experiência humana em Wong Kar-Wai
Os filmes dirigidos por Kar-Wai possuem suas próprias particularidades, sendo uma delas a maneira como as emoções são retratadas. Em Amor à Flor da Pele, por exemplo, o espectador acompanha as trajetórias de Chow Mo-wan (Tony Leung Chiu-Wai) e Su Li-zhen (Maggie Cheung), um homem e uma mulher que acabaram de se mudar para apartamentos vizinhos numa claustrofóbica Hong Kong de 1962. A trama evolui de uma maneira não muito esperada: Chow e Su descobrem que seus respectivos cônjuges, sempre ausentes, estão tendo um caso, justamente um com o outro. A maneira que os dois encontram para lidar com a descoberta de que estavam sendo traídos é agir como seus parceiros, imaginando como seriam as situações em que os dois estivessem juntos. O relacionamento platônico dos protagonistas se desenvolve num ambiente profundamente imersivo, tomado por uma paleta de cores intensas, escuras e graves. As emoções na obra passam uma grande intensidade, mesmo que o foco esteja nos pequenos detalhes e na suavidade, principalmente das atuações.
![Maggie Cheung e Tony Chiu-Wai Leung em Amor à Flor da Pele. [Imagem: Divulgação/Block 2 Pictures]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-1-1.jpg)
Maggie Cheung e Tony Chiu-Wai Leung em Amor à Flor da Pele. [Imagem: Divulgação/Block 2 Pictures]
![Tony Leung e Leslie Cheung em Felizes Juntos. [Imagem: Divulgação/Block 2 Pictures]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-2-1.jpg)
Tony Leung e Leslie Cheung em Felizes Juntos. [Imagem: Divulgação/Block 2 Pictures]
![Maggie Cheung em Amor à Flor da Pele. [Imagem: Divulgação/Block 2 Pictures]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-3-1.jpg)
Maggie Cheung em Amor à Flor da Pele. [Imagem: Divulgação/Block 2 Pictures]
O papel de Hong Kong e a tragédia do melodrama
Como já foi dito, a maioria das obras do diretor se passa em Hong Kong na década de 1960 e a região possui uma grande influência no desenvolvimento das tramas e dos personagens. O sentimento de mudança é muito presente em seus longas, o que também pode ser atribuído ao ambiente. De acordo com Santiago, as histórias se desenrolam em espaços de transição, num lugar onde há muito movimento, lotação e uma atmosfera de não-pertencimento dos personagens em relação à cidade, aos cenários, às casas, e isso diz muito também sobre o tipo de personagens que os roteiros dos filmes de Kar-Wai constroem. São indivíduos inquietos que quase nunca criam raízes.
![Takeshi Kaneshiro e Brigitte Lin em Amores Expressos (nome original do filme, 1994). [Imagem: Divulgação/Jet Tone Production]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-4.jpg)
Takeshi Kaneshiro e Brigitte Lin em Amores Expressos (nome original do filme, 1994). [Imagem: Divulgação/Jet Tone Production]
A segunda história é sobre um policial (Tony Leung Chiu-Wai) que é referido simplesmente como “663” e também sofre com o seu relacionamento passado que acabou quando sua ex-namorada (Valerie Chow) o deixou. Faye (Faye Wong), que observava-o sempre que ele frequentava o restaurante em que ela trabalhava, tem seu sentimento de curiosidade pelo policial e sua situação transformado
algo platônico, uma paixão irreparável.
![Faye Wong em Amores Expressos. [Imagem: Divulgação/ Jet Tone Production]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed.png)
Faye Wong em Amores Expressos. [Imagem: Divulgação/ Jet Tone Production]
As mesmas sensações de transição e não pertencimento são percebidas no longa Anjos Caídos (Do lok tin si, 1995), que acompanha três personagens diferentes. Leon Lai Ming faz o papel de um assassino de aluguel desapegado que sempre conta com a ajuda de sua assistente (Michelle Reis) para cuidar de sua vida mundana, para a qual ele se mostra sempre indisponível e desinteressado. O filme aborda a paixão e a necessidade de seguir em frente, seja no caso do assassino que deseja abandonar o trabalho, a assistente que não aceita que seu parceiro a deixe ou, no caso do personagem que é inserido posteriormente, He Zhiwu (Takeshi Kaneshiro), um homem surdo e mudo que decide mudar o sentido de sua vida partindo de uma existência sempre subjetiva. Os personagens são como almas perdidas em um lugar agitado, tentando encontrar seus próprios caminhos.
![Takeshi Kaneshiro e Charlie Yeung em Anjos Caídos. [Imagem: Divulgação/Jet Lab Production]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-5.jpg)
Takeshi Kaneshiro e Charlie Yeung em Anjos Caídos. [Imagem: Divulgação/Jet Lab Production]
O aspecto visual e sonoro
![Michelle Monique Reis em Anjos Caídos. [Imagem: Divulgação/Jet Tone Production]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-6.jpg)
Michelle Monique Reis em Anjos Caídos. [Imagem: Divulgação/Jet Tone Production]
As cores fortes e o persistente neon de Hong Kong, junto com as trilhas sonoras, colaboram para que as emoções das tramas sejam passadas para o telespectador e retratam muito bem um lugar onde a freneticidade e a lotação são rotineiras. Contando quase sempre com o trabalho do diretor de fotografia Christopher Doyle, Wong Kar-Wai consegue uma representação viva de Hong Kong pelo ponto de vista de seus personagens.
![Takeshi Kaneshiro em Amores Expressos. [Imagem: Divulgação/Jet Tone Production]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2022/02/unnamed-7.jpg)
Takeshi Kaneshiro em Amores Expressos. [Imagem: Divulgação/Jet Tone Production]
A representação visual e as trilhas sonoras, assim como a profunda e diferenciada maneira como Wong Kar-Wai explora seus personagens, seus sentimentos e suas experiências, possibilitam a existência de sua tão singular e aclamada estilística. Dessa forma, de maneira impressionante, Kar-Wai foi capaz de criar algo original, um sentimento único na forma em que faz cinema, ultrapassando barreiras e comovendo espectadores internacionalmente com suas histórias contadas por meio da arte cinematográfica.