A subjetividade presente na fotografia documental é muito marcante. Não importa quantos ensaios documentais existam sobre um mesmo tema, sempre é possível enxergar uma grande diferença na forma como cada fotógrafo articula suas histórias.
Para este texto, foram entrevistadas quatro fotógrafas que trabalham com temáticas distintas, a fim de explorar algumas áreas da fotografia documental e descobrir como cada profissional se relaciona com o desenvolvimento de suas imagens.
Viajando em busca de narrativas
“A fotografia documental é uma área da fotografia ligada a contar a história de pessoas, lugares e culturas”. Daniela Agostini é especializada em fotografia como arte contemporânea pelo Senac-SP. Hoje, atua nesse campo com a temática das questões de gênero direcionada à comunidade LGBTQIA+ e, para ela, mergulhar em um tema é ter a possibilidade de ouvir o outro e de viver novas experiências. Em seu trabalho, tenta ser fiel àquilo com que está lidando, mas afirma que, enquanto fotógrafa, sempre há um recorte da história a partir da perspectiva com que se escolhe trabalhar.
Quando saiu de Porto Alegre e veio a São Paulo para fazer faculdade, Daniela começou a escrever um projeto fotográfico que pretendia realizar em uma penitenciária feminina. Contudo, fazer trabalhos desse tipo sozinha não é fácil e, felizmente, encontrou um coletivo que já vinha atuando com comunicação e arte em uma penitenciária masculina na época. Com isso, Daniela entrou para esse projeto e ficou dois anos trabalhando lá, ensinando fotografia e documentando o cotidiano. Hoje, não se identifica tanto com o tema, mas relata que a experiência a marcou porque era bem jovem.
Quando começou a fazer trabalhos fora do país, Agostini foi para o Irã, onde fotografou a questão de gênero com mulheres muçulmanas, e diz que criou um laço muito forte com pessoas com quem tem contato até hoje. Entre seus trabalhos mais recentes estão projetos na Índia e no Nepal, nos quais trabalhou a questão de gênero entre mulheres transexuais. Segundo Daniela, trabalhar com isso é muito bom, porque o tema diz respeito a uma comunidade da qual faz parte e leva a uma proximidade na maneira de se comunicar com as pessoas.
Em 2019, Agostini fez o trabalho do qual afirma mais gostar ultimamente, mais pela história das pessoas representadas do que pelo resultado em si. Nesse projeto, Daniela documentou um pouco da vida de mulheres transexuais na Índia, onde existe uma relação entre a religião hindu e a transsexualidade em função das hijras, mulheres transexuais consideradas sagradas. Nas escrituras da religião, existem deuses com um terceiro sexo ou um sexo indefinido e, por isso, vistas como semideusas. As hijras, então, são convocadas para abençoar rituais e eventos sociais de cunho religioso.
Em contrapartida, grande parte dessas mulheres também atuam na prostituição. Fora da religião, as hijras ainda vivem à margem da sociedade, com dificuldades, por exemplo, de atuar no mercado de trabalho formal. “Esse é um trabalho que eu queria ter voltado a fazer em 2020 e não pude, mas que sem dúvidas vou dar continuidade”, comenta Daniela.
Questões de gênero como essa são temas sobre os quais Daniela relata ter muita vontade de continuar trabalhando no Oriente Médio, onde acredita que encontrará mais dificuldades no sentido da segurança e viabilidade, principalmente por trabalhar sozinha e ser vista como uma mulher falando sobre transsexualidade.
Em meio à pandemia, a fotógrafa ganhou uma bolsa do National Geographic Society, oferecida a documentaristas e jornalistas do mundo todo para fazer a cobertura desse contexto do novo coronavírus. Agostini decidiu relacionar a questão da transsexualidade com a pandemia, através de um projeto que busca documentar o impacto do coronavírus na vida dessas mulheres. Para ela, existe uma magia em volta do trabalho quando ele se dá em outro país, mas, segundo Daniela, trabalhar com esse projeto no Brasil está sendo uma oportunidade incrível.
A fotografia documental no campo jornalístico
Repórter e fotojornalista, Júlia Dolce explora a fotografia documental. Para ela, esses termos – fotojornalismo e fotodocumentarismo – foram pensados no passado e, hoje, a linha que os divide está mais diluída.
Júlia conta que, em um de seus trabalhos como jornalista, cobriu o dia da prisão do ex-presidente Lula em São Bernardo. Lá, fez muitas fotos características do fotojornalismo (imagens que são uma notícia por si só), mas ela afirma que seria possível ter feito um projeto documental. Para isso, seria preciso contar histórias de pessoas que estavam presentes e fotografar os detalhes. Contudo, dificilmente esse tipo de imagem seria vendida a um editor de jornal interessado em passar a notícia daquele dia.
É nesse sentido que a fotógrafa e professora da Universidade Federal de São João del-Rei, Kátia Lombardi, estabelece diferenças entre essas duas áreas da fotografia. Lombardi afirma que as imagens jornalísticas se vinculam à instantaneidade e o fotógrafo que as produz trabalha com tempo reduzido, chegando a resultados feitos para a publicação imediata na imprensa. Por outro lado, um trabalho documental costuma ser desenvolvido a partir de um projeto elaborado, que requer algum tipo de apuração prévia. A fotografia documental se refere a projetos de média a longa duração.
Em sua trajetória como jornalista, Júlia Dolce trabalhou no Brasil de Fato e no De Olho nos Ruralistas. Hoje, é repórter na Agência Pública, onde teve muitas oportunidades de trabalhar com a fotografia, principalmente no campo da cobertura de conflito agrário devido à sua participação no projeto Amazônia sem Lei. Ele denuncia o conflito com agronegócio na Amazônia Legal através de acompanhamento de campo em terras indígenas e em comunidades quilombolas e campesinas.
Dolce aponta que, no Brasil, a coisa mais fácil de encontrar é um conflito agrário, se é isso que se quer documentar: “São milhares de conflitos que ninguém vai ouvir falar porque é desinteressante e não é considerado notícia, é difícil até de vender como fotojornalismo”. Júlia ressalta que contar esse tipo de história através do documentarismo é importante para tentar “fazer as pessoas entenderem o que está em jogo”.
Como um trabalho autoral de que gosta muito do resultado, Júlia cita seu projeto “Meninas Marajoaras”. Ela conta que em 2019 foi para a Ilha do Marajó realizar três pautas, entre elas, uma sobre meninas abusadas sexualmente – cenário muito marcante na região e desassistido pelo Estado. Apesar de já ser conhecida há muito tempo, tal questão foi tida como uma grande pauta após a declaração da Ministra Damares, em meados de 2019, que justificava o abuso das crianças por “falta de calcinhas”.
Júlia procurava contar a história dessas meninas, pejorativamente chamadas de balseiras – quando o Rio Amazonas está mais raso, elas sobem nas balsas e são abusadas em troca de comida. Devido à delicadeza do assunto, Dolce encara esse como um trabalho difícil, porque não se pode mostrar o rosto dessas crianças e, mais importante, não se pode fotografar alguém em vulnerabilidade sem permissão.
Ela conta que até mesmo conversar com essas meninas é complicado. “Parece imoral trazer à tona tudo que elas viveram, mas ao mesmo tempo precisam ter imagens. O que existe nos bancos de imagem são aquelas fotos de um ursinho de pelúcia no chão, ou imagens extremamente pesadas de crianças acorrentadas para não fugirem para as balsas”, completa a jornalista.
Júlia comenta que gostou do desenvolvimento do projeto, porque conseguiu pensar com calma em uma pauta e o que queria passar com as imagens, já que participou dele como fotógrafa e não como repórter. “Eu pensei muito como fazer isso de uma forma diferente, porque era muito importante para mim. Eu gostei do resultado, acho que esse ensaio conta uma história bem fechada”.
Pensando no sentido de sua fotografia e no que pretende focar em seus trabalhos, Júlia comenta que gosta de pesquisar a questão do poder na fotografia e como ela colabora com a manutenção de preconceitos e violências. Para ela, é importante estudar a ética fotográfica e a fotografia decolonial, que envolve entender como fazer uma fotografia que não perpetue os conceitos estéticos que sempre estiveram nas bases do nosso contexto social racista e da própria colonização. “Se a gente pensa na África, tudo que a gente tem de imagem filmado ou fotografado foi feito por alguém com algum objetivo, assim como povos indígenas na América, por exemplo”.
Antes, nas artes,, era muito claro para as pessoas entenderem que as pinturas eram feitas e montadas por artistas, mas a fotografia surgiu como uma forma de representar a realidade. Entretanto, é inerente a quem está fotografando colocar na fotografia a mesma quantidade de subjetividade que outros artistas colocam.
Nesse sentido, Júlia relata que começou a entender que a fotografia forma o racismo e toda essa perspectiva colonial sobre diferentes povos. “Ela não só é um reflexo disso, como sempre teve um papel ativo muito importante, porque a imagem tem um papel muito importante”, completa.
Ao contar sua trajetória com a fotografia, Júlia fala de sua preocupação constante em fazer algo diferente, que fuja desses moldes. “A gente nem reflete sobre como fazer algo diferente. Eu gosto muito de falar sobre isso, mas na prática é muito difícil, pois a gente não sabe fazer imagem de outra forma”.
Por gostar muito de estudar essa questão, Júlia relata que, se fosse dar um nome para o que faz, ou o que gostaria de caminhar para fazer – já que considera estar na linha tênue entre fotojornalismo e fotografia documental –, ela se aproximaria de uma fotografia mais humanista, no sentido de ter um caráter ideológico por trás do motivo, das intenções e da forma como fotografa. Nesse sentido, a fotógrafa faz referência ao trabalho de João Roberto Ripper e daqueles que seguem seu trabalho e sempre tiveram uma discussão sobre a ética por trás da produção de imagens.
Imagens humanistas e o método da fotografia compartilhada
Ana Mendes é cientista social e fotógrafa. Sua formação nas Ciências Sociais está sempre presente na fotografia através do trabalho de campo dentro da antropologia. Ana fotografa essencialmente povos e comunidades tradicionais que lutam por território.
A fotógrafa conta que começou a se interessar por essa temática desde pequena dentro de casa, porque sua mãe é jornalista e trabalha com esses temas. Ela foi a pessoa que lhe deu sua primeira câmera fotográfica e a levou para acompanhar trabalhos em campo.
Além da influência de sua mãe, Ana relata que João Roberto Ripper está sempre no nascedouro de suas coisas. O fotógrafo é uma referência no campo da fotografia documental brasileira e foi responsável pela fundação de uma escola de fotógrafos populares na favela da Maré, no Rio de Janeiro. “Conhecer o Ripper foi a guinada dessa minha profissão, ele me ensinou tudo que eu sei sobre fotografia, mais em termos políticos e de método de trabalho do que técnica propriamente”, ressalta Ana.
Ripper desenvolveu uma metodologia sobre a qual nunca escreveu, mas que transmite para os alunos na prática. O fotógrafo trabalha com o método da fotografia compartilhada, que consiste em compartilhar o material bruto com as populações, deixando que as pessoas fotografadas interfiram na seleção final das imagens de forma que se tenha uma narrativa mais coerente com o que aquelas pessoas desejam.
Ana relata que, quando estão em campo, os fotógrafos se reúnem com as pessoas fotografadas no final do dia para identificar e eliminar possíveis imagens que não condizem com a autoimagem, tanto das pessoas quanto da comunidade. Para ela, essa documentação tem um olhar mais carinhoso, com mais respeito para com a diversidade das histórias que estão sendo contadas em um território ou em comunidades que estão vivendo situações de vulnerabilidade.
“A fotografia que eu faço tem essa característica de tentar respeitar sempre a luta dessas pessoas, pensando que uma foto pode contribuir ou prejudicar certas estratégias políticas de luta, porque a imagem fala muito sobre uma população”, aponta Ana Mendes. A fotógrafa ainda comenta que, ao entrar em uma comunidade, uma confiança muito grande é dedicada a você e, sendo de fora, o fotógrafo tem um olhar repleto de estereótipos, de forma que a tentativa de desconstruí-los é constante. “Mesmo que eu tenha ido a uma comunidade várias vezes, eu sempre tento me colocar num lugar de quem está aprendendo e não está entendendo. Se você se coloca no lugar de quem está entendendo, daqui a pouco você comete erros”.
Há quatro anos Ana faz um trabalho com os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Ela vai ao território periodicamente e diz que sempre compara o tempo de seu trabalho ao de Ripper, que os fotografou durante 16 anos. “Se você for ver, o processo histórico dessas populações é muito maior em questão de tempo, e as lutas, as reivindicações e a violação de direitos é contínua. Existe uma infinidade de histórias para se contar em um mesmo território”, ela ressalta ao criticar a ideia de que um tema possa se esgotar.
Ana Mendes também trabalha com jornalismo e comenta que, apesar de entender, a lógica preponderante do jornalismo a incomoda, no sentido de estar sempre em busca da novidade. “O documental não tem o novo que o jornalismo procura, mas é sempre novo”, ela aponta.
Ela acredita que é importante tentar sensibilizar as pessoas para ouvir essas histórias aparentemente repetidas, “porque o público também é educado ao furo de jornal, ao bombástico”. Povos e comunidades aparecem nos noticiários de forma mais forte quando ocorre algum ataque, morte ou violência, e, para Ana, é importante lutar contra isso: “A gente documenta os ataques, mas também quer falar das histórias cotidianas, das belezas e de tudo mais”.
Ana Mendes declara que gosta de juntar duas coisas que faz: escrever e fotografar. Esse interesse resultou no projeto “Pseudo indígenas”, um trabalho de que gosta bastante em termos de resultado e pretende dar continuidade. Ela vê seus trabalhos como uma fotografia clássica, afastada das artes e, em contrapartida, nesse projeto explorou a escrita com nanquim, marcador e até lápis de olho em cima de algumas impressões que tinha em casa, em um processo catártico.
“Eu estava necessitando juntar essas duas coisas, o Ripper até fala que uma imagem não vale mais que mil palavras, tem muita história por trás das fotografias”, conta Ana. Ela relata que estava muito angustiada e começou a riscar palavras de violência em cima das imagens, pensando em todas as frases violentas que são proferidas contra povos indígenas cotidianamente. “Comecei a riscar tudo o que a gente ouve falar contra essas populações, como dizer que não são indígenas ou que não vai ter mais um centímetro de terra para índio nenhum”.
Ana encara os trabalhos como um processo em andamento. “Eu dou título, faço ensaios, fecho as coisas, mas digo que nunca está finalizado. Eu entendo que a documentação é uma coisa que enquanto eu estiver viva e puder, eu vou continuar documentando”.
“A fotografia de rua é, para mim, uma forma de documentar nosso tempo”
É assim que Tetê Silva define o campo da fotografia com que trabalha. Fotógrafa de rua, ela iniciou seu percurso com a fotografia analógica, até que ficou muito caro de manter, mas, como criar ainda era preciso, Tetê começou a fazer gravuras e “um tiquinho de cerâmica”. Quando conseguiu comprar sua câmera digital, encontrou seu caminho na fotografia após participar de um projeto focado em fotografia de rua do Photographers’ Gallery.
Ela diz que sua ambição é poder registrar a essência dos lugares e dos momentos, seja em uma manifestação de rua ou em uma festa religiosa. Tetê aponta que fotografia de rua é “perambular de olhos bem atentos, e não só porque nossas cidades não são lá muito seguras, mas porque as imagens podem vir e ir embora em segundos”. Para ela, muitos projetos surgem da liberdade de fotografar sem objetivo definido. Diferentemente das outras fotógrafas, Tetê diz que raramente faz contato com quem fotografa, a não ser que seja ‘descoberta’, porque, nesse caso, “talvez aconteça um sorriso como quem pede desculpas de ter roubado sua imagem”.
Entre seus projetos, Tetê declara ter muito carinho por um chamado “Dia de santo”. Diz não ser religiosa, e talvez por isso se interesse pelo tema, pela sua curiosidade por todas as religiões. Contudo, o primeiro trabalho que chamou de documental leva o nome de “Três apitos”, uma referência à composição de Noel Rosa. Nesse trabalho, fotografa a vila operária de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro, desde 2013. É um projeto em andamento.
Na vila, a abordagem foi diferente desde o princípio. Ela queria saber de que forma a origem proletária marcou essa comunidade, que hoje vive nos prédios tombados da antiga fábrica da Companhia de Fiação e Tecidos Confiança. Tetê diz que chegou se apresentando às pessoas, dizendo que gostaria de desenvolver um projeto com eles, saber suas histórias. Essa situação de mesclar o fotodocumentarismo com a fotografia de rua, segundo ela, a retira da zona de conforto.
Tetê mostra que a fotografia de rua também é documentação, porque, na realidade, não existe uma divisão clara entre os campos da fotografia já citados. Como a professora Kátia Lombardi afirma, a fotografia de rua está diretamente relacionada tanto ao fotojornalismo quanto à fotografia documental, depende do fim a que se destina e da abordagem do fotógrafo.
A fotógrafa de rua define seu trabalho como uma documentação de nossos tempos e, nesse sentido, Paulo Cesar Boni, doutor em Ciências da Comunicação e docente da Universidade Estadual de Londrina, delineia a importância do documentarismo para a preservação da memória. Segundo ele, memória é identidade e, por isso, o registro documental é fundamental para ajudar a escrever a história de determinado lugar em determinado tempo. Assim, “antes de começar a fazer fotografias, o fotógrafo precisa aprender a pensar fotografias e, principalmente, a conhecer e respeitar diferentes culturas”.
Como se desenvolve uma ideia?
Para Júlia Dolce, o processo parece com a escolha de pautas frias, ou seja, temas que não estão na mídia nem são assuntos do momento, mas que têm grandes histórias por trás. Dolce destaca que é muito importante saber o que se quer contar desde o começo, porque as fotos precisam conversar entre si, visto que geralmente se conta uma história através de um ensaio. Por isso, às vezes é preciso descartar uma foto, por mais que ela esteja muito boa esteticamente, porque não está contando a história que se quer contar.
No processo de desenvolver um tema, Ana Mendes diz que procura escutar a demanda das populações. Há alguns anos a fotógrafa tem acompanhado os Akroá-Gamela no Maranhão, um povo considerado extinto pelo Estado e que, no processo de se reafirmar, sofre muito racismo. Ana conta que chegou ao território com a ideia de uma população que estava lutando por seu território, assim como outras várias, mas, ao perceber o tema do racismo enquanto uma temática muito presente, passou a fazer seu projeto em cima dessa questão. “Eu chego no lugar conhecendo minimamente, porque a gente lê e escuta um pouco, mas cada lugar tem suas especificidades. E o fotógrafo é um canal importante para escoar essas histórias”, afirma Ana.
Como contatar pessoas?
Com tempo restrito, Daniela Agostini conta que procura sempre entrar em contato prévio virtualmente, principalmente para projetos no exterior do país. Em seu trabalho na Índia, Daniela tentou contatar organizações e ativistas do movimento LGBTQIA+, contudo, ainda precisou passar boa parte de seu tempo no país buscando pessoas que quisessem fazer parte do projeto.
Depois da Índia, Daniela viajou para o Nepal, onde, com um bom material de pesquisa prévio, conseguiu entrar em contato com uma mulher transexual muito importante na história do movimento no Nepal – ela foi a primeira e única mulher trans a abrir um empreendimento, além de ser uma das únicas mulheres a ter o seu próprio negócio, um bar gay na capital do país. Ao descobrir essa história, a fotógrafa entendeu que poderia ser um contato muito legal, por ser uma ativista e estar acostumada com entrevistas. Através dela, Agostini pôde conhecer outras mulheres, fazendo com que seu projeto ficasse em torno da vivência ligada ao bar.
“No fotodocumentarismo você depende muito do outro e, com a experiência, aprende a entrar em contato, a se aproximar e estabelecer relações, mas todo projeto é uma incógnita”, relata Daniela. Além disso, a fotógrafa aponta a delicadeza das relações e a necessidade de trabalhá-las do começo ao fim, porque a vida acontece durante o tempo em que o fotógrafo está fora. Num dia a recepção será melhor do que no outro, pois nem sempre a fotografia é uma prioridade para as pessoas.
Para Ana Mendes, sempre existe uma pessoa importante que fará a ponte entre o fotógrafo e a comunidade a ser documentada. “Como eu lido com populações altamente ameaçadas, física e simbolicamente, é muito complicado chegar sem uma recomendação, sem alguém que te indique”. Ana conta que é comum que organizações indigenistas façam essa ligação e, quando seu trabalho começa a ser reconhecido, as portas vão se abrindo com mais facilidade.
Apesar de gostar dos resultados de seus projetos, Ana entende que a fotografia documental te permite ter mais tempo com as pessoas e criar uma conexão. “A gente entra muito para a vida das pessoas e as pessoas entram muito para a nossa. Hoje em dia, existem pessoas que eu fotografei que são necessárias na minha vida de um modo muito honesto”. Para ela, essa experiência é o que se sobrepõe a tudo.
*[Créditos da foto de capa: Tony Hall / Flickr]
Excelente matéria (e fotos).
Ótima matéria, descobri esse site por acaso algumas semanas atrás e estou surpresa com a qualidade dos artigos publicaos aqui.