Por: Breno Marino (brenomarino2005@usp.br)
Em uma realidade invertida, mulheres ocupam os principais cargos mundiais, dominam os negócios e submetem os homens às suas vontades. Esse é o ponto de partida do novo filme dirigido por Anna Muylaert, responsável pela aclamada produção Que Horas Ela Volta (2015). Além da cineasta, O Clube das Mulheres de Negócios possui elenco renomado da cinematografia e teledramaturgia brasileira, como as atrizes Cristina Pereira, Grace Gianoukas e Irene Ravache.
O filme acompanha Jango (Luís Miranda) e Candinho (Rafa Vitti), dois jornalistas em um famoso clube de campo em São Paulo. O recinto é presidido pela avó de Candinho, Cesárea (Cristina Pereira), que conta com o apoio de outras mulheres bem sucedidas do país. Ao longo da trama, a dupla busca investigar a respeito do grupo que comanda o local, cheio de casos na justiça e crimes cometidos.
Como forma de retratar essa realidade distante, em que as mulheres assumem o papel dos homens, a obra consegue de forma sublime atingir seu principal objetivo: criticar o mundo machista, sexista e racista de hoje. Nesse cenário, os assediadores passam a ser as vítimas e, agora, quem não tem poder de fala são os homens. Enquanto apresenta um espaço fictício, o filme revela uma metáfora do Brasil atual, mostrando toda a agressão diária sofrida pelas mulheres.
Os figurinos e papéis sociais dos personagens, para contribuírem com a problemática abordada, são igualmente invertidos. As vestimentas utilizadas pelo elenco masculino são sexualizadas e mostram partes corporais como perna e barriga, silhueta comumente retratada na moda feminina atual. Além disso, trabalhos domésticos são exercidos por homens, enquanto a segurança do clube de campo é um papel feminino.
O filme possui um início promissor, com uma história coesa e interessante. A ambientação tanto do local quanto dos personagens é suficiente para o público saber o que está acontecendo na obra. A forma como cada personagem se apresenta em um contexto hierarquizado e de riqueza, molda o caráter único do filme: crítico. As atuações, principalmente das atrizes que compõem o grupo de mulheres milionárias, acrescentam demais à produção, afinal, elas reproduzem as atitudes estruturais a que são submetidas diariamente.
Para movimentar a história e gerar alguma situação de perigo, o roteiro traz uma situação inusitada e, de certa forma, absurda. Até a metade da trama, o perigo é tratado como plano de fundo para o foco principal: a crítica ao comportamento das mulheres de negócios. Assim, o caráter quase bizarro do conflito não atrapalha o envolvimento com a obra e o andar da história. Muito pelo contrário, só comprova o poder que as mulheres possuem naquela realidade.
Com a ameaça recebendo pouco destaque, o que se sobressai são os diálogos entre as amigas e a dupla de jornalistas. Tanto Jango quanto Candinho são expostos a circunstâncias revoltantes e extremamente desconfortáveis. Assédio sexual, racismo, abuso de poder, incitação a violência e ao uso indiscriminado de amas (personificado na ótima e revoltante atuação de Katiuscia Canoro) são alguns exemplos enfrentados pela dupla. Jango se depara com diversas ofensas e preconceitos a respeito de sua cor de pele, enquanto o jovem Candinho é constantemente assediado pelas bilionárias. Tais atitudes podem incomodar constantemente os espectadores do filme, dado o grau de repugnância dos atos.
O desenvolvimento da história desanda do meio para o final. De repente, o perigo recebe mais foco, e as críticas sociais perdem impacto. O roteiro se torna mais corrido e o foco da obra, menos coeso. A partir desse momento, tudo fica mais confuso, não há mais personagens principais, e os diálogos e cenas se desconectam umas das outras.
Como se não bastasse o caráter surreal da ameaça, os efeitos visuais utilizados para representar o perigo também deixaram a desejar. Em certo ponto, perto do desfecho da história e a constante presença da ameaça, os efeitos passaram a incomodar cada vez mais, dificultando a sensação de perigo. Nesse mesmo caminho, a suposta dupla de protagonistas, agora sem destaque, aprofundamento e importância para o restante da obra, em nenhum momento passou por qualquer ameaça dos seres que ali estavam, o que em nenhum momento gerou dúvidas ou receios a respeito do final dos personagens.
O filme termina da mesma forma como estava se encaminhando: de forma corrida, confusa e sem foco. Alguns personagens da trama não têm um desfecho próprio, o que comprova a incoerência e pressa do roteiro em finalizar a obra. Entretanto, uma das cenas finais, por mais que se enquadre nessa confusão, retoma bem a crítica do filme, invertendo o gênero dos personagens e mostrando o real intuito da produção.
O Clube das Mulheres Negócios é um filme atual e que, em seu recorte específico, cumpre aquilo que promete com uma crítica necessária para os dias de hoje. Não é, de longe, um filme perfeito, mas diverte e nos faz refletir sobre os claros problemas da nossa sociedade. Para aqueles que gostam da cinematografia nacional e valorizam nossa produção local, vale dar uma chance a essa produção.
O filme está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer: