Jornalismo Júnior

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O que mora debaixo do tapete da medicina?

Entenda um pouco mais sobre a endometriose

Deitada, tentando encontrar a melhor posição para amenizar a dor. De bruços, de lado, “será que encolhidinha ajuda?”. Absorvente interno, noturno, com ou sem aba, “vou testar esse tal de coletor”, qual desses vai impedir que mais uma roupa seja manchada? Cansaço, dor no corpo, vai ter que trabalhar indisposta. É comum ouvirmos desde o momento em que somos inseridas no mundo das “mocinhas” que estes são sintomas normais do período menstrual de uma mulher. Ensinadas a guardar a menstruação como se guarda um segredo a sete chaves, absorvermos, sem questionamentos, todo o senso comum atrelado a ela. Doeu? Normal, quanto drama! Vazou? Credo, que nojo. Está irritada? Deve estar de TPM.

Presos nessa lógica confortável (exceto para quem, de fato, menstrua), as escolas, famílias e até mesmo a medicina passaram a se contentar com explicações genéricas sobre o ciclo menstrual, negligenciando a saúde feminina. Assim, pouco se sabe e pouco se divulga sobre a doença que acomete aproximadamente 20% das mulheres de todo o mundo: a endometriose.

 

Endometriose? O que é isso?

O endométrio é um tecido de células especializadas localizado no útero, onde o feto é implantado após a fecundação e, caso isso não aconteça, descama na forma de menstruação. Neste processo, as células podem alcançar a tuba uterina, a cavidade abdominal, o peritônio pélvico (uma membrana de revestimento) e órgãos intra-abdominais, como a bexiga e o intestino. Isso significa que elas passam a ocupar locais do corpo que não estão preparados para recebê-las.

Durante o período de sangramento, esses conjuntos celulares formam inflamações e aderências entre os órgãos, podendo levar à dor intensa. A endometriose, nome dado a esse fenômeno, se manifesta em três níveis: mínima, moderada e severa; de acordo com os sintomas e com o tamanho dos focos.

Imagem: www.gineco.com.br

Segundo a Dra. Ana Rita Garrido, ginecologista e obstetra, “essa ainda não é a única causa comprovada da endometriose, não se sabe ao certo quais outros fatores podem causar a doença”. Durante entrevista, a médica formada pela UNAERP (Universidade de Ribeirão Preto) declara que as células do endométrio podem se espalhar de outras formas, como, por exemplo, por meio um procedimento cirúrgico, criando novos focos de endometriose.

 

Sinto muita dor, como saber se eu tenho endometriose?

Além de não se conhecer o motivo exato pelo qual o tecido endometrial se espalha pelo abdome, o diagnóstico da endometriose é traiçoeiro. Em termos médicos, começa com a suspeita clínica, quando a paciente apresenta “dismenorreia intensa”, ou seja, cólica menstrual. O melhor teste disponível para avaliar a situação, uma vez que não se tem certeza da presença da doença, conhecido pelos médicos como exame “padrão-ouro”, é a cirurgia laparoscópica, seguida por uma biópsia. O procedimento consiste em fazer uma incisão no abdome e inserir o instrumento cirúrgico nessa abertura para recolher uma amostra de um tecido. Depois de enviado para análise, a biópsia indica que tipo de célula foi recolhida. Se forem encontradas células do endométrio fora do útero, isso indica que a paciente apresenta focos de endometriose.

No entanto, este é um procedimento invasivo e, muitas vezes, apenas exploratório, de modo que seria inviável realizá-lo em todas as pacientes sintomáticas. Por isso, utilizam-se alternativas menos agressivas como a ressonância magnética, o ultrassom transvaginal ou então o indicador sanguíneo CA-125, que mostra alterações em casos mais graves da doença. Ainda assim, os exames alternativos não são os mais eficientes e identificam apenas algumas lesões, como afirma a Dra. Carolina Scaranari, especializada em reprodução humana e endocrinologia ginecológica pela USP (Universidade de São Paulo).

Em um  estudo realizado no ano de 2013, o Dr. Mauricio S. Abrão, professor do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e chefe do setor de endometriose do Hospital das Clínicas da USP de São Paulo, constatou que o tempo médio entre o surgimento dos primeiros sintomas da endometriose e a primeira consulta médica é de um ano, e que o diagnóstico propriamente dito se dá apenas após uma média de seis anos de acompanhamento. Até chegar no diagnóstico final, as mulheres passam por aproximadamente sete profissionais diferentes. “Elas só procuram os profissionais especializados na endometriose depois de acompanhamento com profissionais gerais, que muitas vezes taxam como normal a dor intensa e o desconforto”, complementa Dra. Carolina.

As médicas entrevistadas contam que, ao receber o diagnóstico, a resposta das mulheres é muito variada: nem todas sabem do que se trata a doença e muito menos como prosseguir. Mulheres jovens, que ainda não tem filhos, geralmente não lidam bem com o diagnóstico, visto que a endometriose pode estar relacionada à infertilidade ou a uma futura gestação de risco. Por isso, a Dra. Ana Rita defende que os procedimentos necessários após a análise sejam feitos com o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e outros profissionais da medicina além do ginecologista e, em alguns casos, do obstetra.

 

E agora? O que eu faço?

Mas, e então? O que fazer depois de descobrir que você ou alguém que você ama tem endometriose? Tudo depende do estágio da doença e dos sintomas experienciados por cada mulher. Existem dois tipos de paciente: aquela que apenas sente dor, fadiga e aumento do fluxo menstrual e aquela que, além de sintomática, é infértil. No primeiro caso, o tratamento mais recomendado é a hormonioterapia, que nada mais é do que administração da popular pílula anticoncepcional, do DIU hormonal, ou do implante subcutâneo (métodos discutidos a seguir). Já no segundo caso, se a fertilidade da paciente ainda não estiver completamente comprometida, é necessário acompanhamento médico, e uma possível gestação requer tratamento clínico ou fertilização controlada. O tratamento cirúrgico não impede que novos focos de endometriose surjam, apenas retiram os cistos e nódulos que causam obstruções nos órgãos para evitar que a doença prejudique a fertilidade da mulher permanentemente.

 

Mas qual método eu devo utilizar agora que fui diagnosticada?

Muitas pacientes chegam aos consultórios ginecológicos ou postos de saúde contando histórias milagrosas sobre como sua amiga, cunhada ou colega de trabalho têm utilizado um método anticoncepcional incrível que resolveu todos os seus problemas. Essa é mais uma das consequência negativas geradas pela sociedade que insiste em ignorar questões relacionadas à saúde da mulher: cria-se o mito de que “mulher é tudo igual” e que os problemas vinculados à menstruação se resolvem todos da mesma forma. É importante ressaltar, porém, que cada paciente tem seu próprio organismo, com todas as suas particularidades, e que diferentes desequilíbrios exigem diferentes tratamentos.

A escolha do método anticoncepcional, quer ele envolva modulação hormonal ou não, deve ser feita com a orientação de um profissional da área e, enfim, por cada paciente de acordo com suas necessidades específicas.

A seguir, alguns dos métodos mais utilizados e seus aspectos positivos e negativos, conforme listados pela Dra. Carolina.

 

Pílula anticoncepcional

Imagem: www.r7.com.br

A pílula é o método hormonal mais popular no Brasil. O medicamento diminui o fluxo menstrual, a cólica, a acne e a tensão pré-menstrual. Em contrapartida, falha em aproximadamente oito em cada 100 casos ao ano. Causa a diminuição de libido, por conta da inibição da ovulação, aumenta o risco de trombose em até três vezes, mesmo se não houver predisposição genética, pode causar efeitos gastrointestinais e manchas na pele. É uma alternativa ruim para mulheres obesas.

 

Injetáveis

Imagem: www.medicoresponde.com.br

Os métodos injetáveis podem ser divididos entre os mensais e os trimestrais. Ambos oferecem maior praticidade e privacidade à mulher, uma vez que não requerem ação diária. Os injetáveis mensais possuem benefícios semelhantes à pílula, mas falham em apenas dois em cada cem casos ao ano. Os trimestrais possuem apenas o hormônio progesterona, responsável por impedir que o endométrio se desprenda do útero, levando à amenorreia (em outras palavras, ausência da menstruação) em 50% das pacientes, o que atrai muitas delas. Contudo, é o único método que está relacionado ao ganho de peso, e, por isso, se torna impopular.

 

LARCs: Contracepção de longa duração reversível

Os métodos seguintes, conhecidos como LARCs, são os mais indicados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e possuem os menores índices de repulsa. Quantos mais métodos de longa duração um país disponibiliza, melhor será sua avaliação de acordo com os padrões da OMS. Infelizmente, devido a sua formação médica e à baixa disponibilidade de tais métodos no Sistema Único de Saúde, o Brasil caminha na direção oposta do recomendado. Entre os LARCs mais populares estão:

               DIU de cobre

Imagem: www.unimedfortaleza.com.br

Durabilidade média de dez anos, é dez vezes mais eficiente que a pílula. Tem sido cada vez mais indicado para mulheres jovens que nunca tiveram filhos. O risco de expulsão é baixo, mas deve ser inserido corretamente por um médico. Não causa efeitos colaterais pois não libera hormônios, mas pode aumentar um pouco o fluxo menstrual. Por isso, não é a melhor alternativa para mulheres que sofrem de endometriose.

               DIU Mirena

Imagem: www.noticiasaominuto.com.br

É duas vezes mais seguro que o DIU de cobre, falhando em apenas 0,4 mulheres em cada 100 ao ano. Libera hormônios apenas na região do útero e dura, em média, cinco anos. Causa amenorreia em 60% das mulheres e diminuição do fluxo em 30% delas, o que o configura como uma opção vantajosa para vítimas da endometriose, não promovendo alterações nas pacientes restantes. Não diminui a libido, pois não inibe a ovulação. No entanto, requer três meses de adaptação e pode aumentar o risco de acne, principalmente  se colocado após o uso da pílula.

               Implanon

Imagem: www.gravidezsaudavel.com.br

É um pequeno bastonete inserido sob a pele. Dura aproximadamente três anos e seus efeitos são muito parecidos com os do DIU Mirena: diminui a TPM, inibe a ovulação e pode diminuir a libido. É uma ótima alternativa para adolescentes por não ser tão invasivo, já que não envolve manipulação vaginal, apenas a inserção subcutânea. O Implanon ainda não é coberto por planos de saúde, diferentemente dos outros, mas se comparado ao valor mensal da pílula, tem menor custo.

 

Métodos Alternativos e Hábitos Diários

Além do tratamento convencional, cada vez mais abordagens inovadoras têm surgido para amenizar os sintomas da endometriose. Uma alimentação balanceada e a prática frequente de exercícios físicos são essenciais. Isso porque quanto maior o nível de colesterol na corrente sanguínea, maior será a conversão de hormônios que estimulam o fluxo menstrual, intensificando a dor.

A acupuntura, comprovada pela literatura medicinal como método alternativo, tem se mostrado cada vez mais eficiente no alívio das cólicas intensas. Muitas mulheres também buscam alternativas nos fitoterápicos e em outras vertentes da medicina oriental, em especial na medicina ayurvédica.

 

Calma, não se desespere! É hora de nos unirmos!

Falar sobre a endometriose, ainda tão pouco discutida, pode ser um tanto intimidador e gerar algumas inseguranças. Mas é importante ressaltar que, mesmo com as dificuldades discutidas acima, muitas mulheres que possuem a doença conseguem controlá-la com acompanhamento médico e viver uma vida normal, saudável e feliz!                   

Ainda há um mundo de possibilidades a serem exploradas quanto à saúde reprodutiva e sexual feminina, o importante é que continuemos buscando-as e espalhando informação pelos mais diversos núcleos aos quais pertencemos.

 

 

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