Por: Maria Clara Rossini (mariaclararossini@usp.br)

28 temporadas, mais de 600 episódios e desde 1989 no ar. Sendo uma das séries mais longas e amadas de todos os tempos, não é estranho que “Os Simpsons” aborde um pouco de ciência, dentre tantos assuntos e situações já retratadas. O que não é de se esperar é que um desenho que tenha alguém como Homer Simpson como protagonista tenha sido criado por físicos, matemáticos e PHDs nas melhores universidades do mundo.
Dentre alguns dos autores da série, encontram-se J. Stewart Burns, Ken Keeler, Al Jean, David S. Cohen e Jeff Westbrook, sendo os três primeiros bacharéis em matemática e os dois últimos em física, todos pela Universidade de Harvard. Burns e Cohen ainda acumulam mestrado pela Universidade da Califórnia, enquanto Keeler e Westbrook são PHDs pelas universidades de Harvard e Princeton, respectivamente.
Fazendo justiça aos seus títulos, esses e outros autores, roteiristas e desenhistas esconderam referências relacionadas à matemática, física, robótica, biologia, astronomia e muitas outras áreas da ciência. Pode ser que às vezes tais referências passem despercebidas por nós, meros espectadores que só querem relaxar no sofá e dar risadas como se estivéssemos assistindo a um episódio de “Comichão e coçadinha”.
Referências matemáticas

No episódio “O mágico de Springfield” (temporada 10, episódio 2), Homer busca realizar invenções para se igualar ao grande Thomas Edison, o qual, ao final de sua vida, já possuía 1093 patentes de invenções registradas. Durante seu processo criativo, o Simpson anota as quatro linhas de equações e resoluções representadas acima.
Na primeira linha encontra-se a equação que prevê a massa do bóson de Higgs, uma espécie de partícula mediadora que conferiu massa às demais. O episódio em questão foi ao ar pela primeira vez em 1998, enquanto a descoberta do bóson ocorreu apenas em 2012 pelo Grande Colisor de Hádrons (LHC), atualmente o maior acelerador de partículas do mundo. Apesar da grande “descoberta” de Homer, o bóson já havia sido proposto pela primeira vez em 1964 por Peter Higgs, de quem herdou o nome. Assim, ao contrário do que muitas manchetes alegam, essa não se trata de mais uma “previsão” da série.
A igualdade proposta na segunda linha da imagem aparentemente contraria o último teorema de Fermat. Em 1637, o matemático Pierre de Fermat propôs que a equação xn + yn = zn não possui solução com números inteiros quando n é maior que 2. O matemático francês, porém, não demonstrou a prova daquela afirmação, algo que só foi solucionado em 1995 pelo britânico Andrew Wiles, que acabou comprovando a teoria. Sendo assim, Homer parece ser mais brilhante do que todos os matemáticos que tentaram encontrar soluções pelos últimos 300 anos! Ao colocar os números da lousa em uma calculadora comum, percebe-se que a igualdade é verdadeira… Ou quase verdadeira. Em uma calculadora mais precisa – de 12 ou mais dígitos – é possível mostrar que a igualdade na verdade seria 398712 + 436512 = 4472,000000007057617187512 e portanto, não é composta apenas de números inteiros.
A terceira linha possui uma equação sobre a densidade do universo, que tem implicações diretas em seu próprio futuro. Caso W(t0) seja maior que 1 – como proposto por Homer inicialmente – sugere-se que o universo implodirá sob seu peso. Não coincidentemente, ocorre uma implosão no porão da família logo depois de mostrar tal equação. Percebendo seu erro, Homer altera o sinal da lousa, apontando W(t0) como sendo menor que 1. Nesse caso, prevê-se que o universo se expandirá eternamente, caracterizando uma espécie de explosão eterna. Logo após a alteração do sinal, dessa vez uma explosão ocorre na casa dos Simpsons.
A última linha tem o intuito de brincar com as regras da topologia. Esse ramo da matemática estuda as figuras geométricas de uma forma pouco conhecida. Um quadrado e um círculo, por exemplo, são considerados homeomorfos, pois suas linhas podem ser esticadas e moldadas de forma a um se tornar o outro. Já foi matematicamente provado que a forma de uma rosquinha não pode ser transformada em uma esfera (não podem ser homeomorfos), mas para isso ser válido, não é permitido cortes ou “mordidas”, como é proposto no desenho.
Teoria do caos

Os especiais de Halloween dos Simpsons são ótimas oportunidades para procurar referências científicas, pois esses episódios não têm compromisso com o enredo e desenvolvimento da série, sendo possível vivenciar as situações mais absurdas e colocar em prática diversas teorias.
A sequência “Tempo e castigo”, do episódio “A casa da árvore dos horrores V” (temporada 6, episódio 6) mostra Homer sendo capaz de voltar à era dos dinossauros inúmeras vezes por consequência de uma falha elétrica em uma torradeira. Acontece que cada vez em que volta no tempo, ele acaba por matar algum animal, pisar em alguma planta ou alterar de alguma forma o ambiente acidentalmente. Esses acidentes têm como consequência resultados bizarros quando ele volta ao presente, como encontrar seus filhos em tamanhos gigantes, sua família rica e bem-sucedida ou mesmo Ned Flanders como mestre mundial.
Essa sequência faz uma referência à teoria do caos, que inicialmente foi pensada relacionando-se à meteorologia, como propôs Edward Lorenz em 1960. Em resumo, a tese indica que pequenas mudanças em determinado momento resultam em alterações inimagináveis com o decorrer do tempo. As pesquisas do meteorológico com equações para a previsão do tempo revelaram que uma mudança quase insignificante nos dados iniciais resultava em previsões muito diferentes, fato que se acentuava com o passar do tempo.
Lorenz realizou uma palestra chamada “Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta no Brasil dispara um tornado no Texas?” fazendo referência ao fenômeno, que logo ficou conhecido popularmente como “efeito borboleta”.
Os cientistas logo descobriram que esse princípio se aplicava a basicamente tudo, podendo provocar alterações no futuro individual de uma pessoa, na bolsa de valores ou na possibilidade da volta dos dinossauros (pois o filme Jurassic Park também é um bom exemplo da teoria).
Homer na terceira dimensão

Se muito do caráter matemático do desenho passa despercebido, a sequência “Homer3”, do episódio “A casa da árvore dos horrores VI” (temporada 7, episódio 6) é onde deixa-se transparecer esse aspecto. O personagem principal encontra um portal atrás de seu armário que o transporta para uma terceira dimensão. A situação é uma homenagem à série “Além da imaginação”, onde uma menina chamada Tina acaba entrando na quarta dimensão.
Assim como para nós, habitantes de um universo de três dimensões, é difícil imaginar o que seriam dimensões acima disso, os habitantes de Springfield dificilmente saberiam como é uma terceira dimensão. O professor Frink tenta mostrar aos familiares de Homer qual seria o equivalente de um quadrado uma dimensão acima, resultando num cubo. Esse exemplo pode ser repetido para nós, transformando um cubo em um hipercubo.
Ainda que a brincadeira tenha sido inteligente, os personagens na verdade vivem uma representação da terceira dimensão em uma plataforma da segunda, que é o desenho e a televisão. Caso eles fossem fiéis a segunda dimensão, não seria possível haver objetos sobrepostos uns aos outros e os personagens teriam que contornar por cima ou por baixo cada vez que se deparassem com um obstáculo, como um sofá na sala.
Nessa mesma sequência, podem ser observadas diversas equações, números e igualdades flutuando pela terceira dimensão junto com Homer. Dentre elas, estão números hexadecimais, a identidade de Euler, uma solução falsa para o teorema de Fermat, uma equação cosmológica relacionada a densidade do universo e uma igualdade que representa problemas polinomiais e não polinomiais.
As referências matemáticas e científicas são incontáveis e infelizmente não cabem todas aqui. Há livros inteiros que se dedicam apenas em enumerar e explicar tais referências, como “Os segredos matemáticos dos Simpsons”, de Simon Singh, e “Os Simpsons e a ciência”, de Paul Halpern, ambos PHDs em suas áreas. Com certeza ainda existem referências não encontradas e outras por vir nas próximas temporadas. Assim sendo, fica o desafio para que o telespectador possa procurar e se surpreender ainda mais.