Era o início do século 20. Uma invenção revolucionária e transformadora dos hábitos cotidianos estava sendo criada: o plástico. Este desenvolveu-se comercialmente e, feito à base de petróleo, carvão e gás natural, consistia em um material de alta durabilidade e resistência. Contudo, um produto que poderia evitar a derrubada de florestas para produção de sacolas de papel, diminuir o desperdício de alimentos devido às embalagens e transformar a indústria médica com instrumentos descartáveis se tornou o vilão da sustentabilidade.
Com as notícias da presença de plástico nos oceanos, da contaminação de animais marinhos e humanos por microplástico e da urgência da mudança de comportamento para se alcançar um consumo consciente e mitigar a poluição ambiental, buscamos alternativas mais ecológicas. Mas será que essa busca é real?
A maquiagem verde
No mercado, a atenção é voltada aos produtos exibidos como os mais verdes, mais saudáveis e mais sustentáveis. O marketing verde passou a ser foco de investimento por parte das empresas. Trata-se de um movimento para criar e colocar no mercado produtos ambientalmente responsáveis. Acredita-se que tenha surgido formalmente na década de 1970 e, a partir de então, as organizações que o adotam passaram a considerar toda a gama de envolvidos em relações interdependentes nos processos de idealização, produção, venda e descarte dos bens a serem comercializados sob o rótulo verde. Esse modelo de produção procura atender um público-alvo que vem, cada vez mais, exigindo um posicionamento ecologicamente consciente por parte das empresas.
Contudo, em uma definição quase maniqueísta, surge também o greenwashing, ou algo como um “falso marketing verde”, através do qual empresas tentam passar uma imagem ecologicamente responsável. A expressão em português poderia ser traduzida como “lavagem verde” ou “maquiagem verde”, porque a prática “consiste em uma ação superficial, cosmética, e, mais importante, irresponsável e mentirosa.” como afirma Taís Pasquotto Andreoli, professora da área de mercadologia do curso de administração da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mais especificamente, “no greenwashing se ajusta a comunicação emitida ao mercado, sem que isso gere modificações e adaptações do composto mercadológico de uma organização rumo a práticas ambientalmente responsáveis”. Ela complementa que o estudo sobre a lavagem verde é relativamente recente, o que reduz o conhecimento geral sobre a prática.
A embalagem destaca-se como o local de maior presença e abuso do exercício de greenwashing. Nela, pode-se apontar o uso da cor verde, a presença de símbolos como folhas e árvores, selos não oficiais e apelos para palavras vagas como “ecológico” e “sustentável” sem qualquer informação que as comprove.
Nesse sentido, a regulamentação de produtos ecológicos pode ocorrer por pressões exercidas por Organizações Não Governamentais (ONGs) nas políticas de Estado e por entidades internacionais que agem com punições e incentivos às empresas. No âmbito nacional, a fiscalização de manipulações visuais é limitada, mas o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) trabalha com iniciativas interessantes, como apontado por Pasquotto.
A partir de um estudo de avaliação de práticas de greenwashing em mercados, o IDEC constatou, em julho de 2019, que a categoria que mais pratica a “lavagem” é a de utilidades domésticas. Dentre produtos de limpeza, higiene e cosméticos, a pesquisa encontrou, além da falta de provas, produtos com alegações irrelevantes, como informação da ausência de componentes que, por lei, já são proibidos. Além disso, algumas das principais alegações superficiais ou falsas contidas nas embalagens são a economia de água e de energia, a presença de componentes 100% naturais e a biodegradabilidade.
E o plástico?
Os movimentos em busca da sustentabilidade têm grandes representantes atualmente, como o copo dobrável, o canudo de inox e as ecobags. Todas essas alternativas, salvo os eventuais e consideráveis danos ambientais causados pelos processos produtivos que antecedem a chegada ao mercado, correspondem a substitutos reutilizáveis ou retornáveis positivos na questão da poluição pelo plástico. Mas existem alternativas sustentáveis descartáveis?
Quando o plástico se faz presente em sacolas, canudos, copos descartáveis e sacos de lixo, ele pode ser vendido como “biodegradável”, mas, como apontado acima, nem sempre tais rótulos condizem com a verdade. Alguns desses materiais são feitos a partir de plásticos verdes ou oxibiodegradáveis, ou seja, de degradação acelerada. Torna-se relevante apresentar do que se constituem. As informações a seguir foram fornecidas pela química e engenheira química Bianca Chieregato Maniglia.
O plástico verde é produzido a partir da cana-de-açúcar. Proveniente de uma fonte renovável que captura dióxido de carbono (CO2) do ambiente, sua produção contribui para a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa. Contudo, a partir da cana produz-se um polietileno (substância da qual é feita o plástico) com as mesmas propriedades daquele derivado do petróleo. Assim, a estrutura do plástico verde não é capaz de ser degradada pelos microrganismos e, portanto, o tempo de decomposição é o mesmo do plástico comum.
Enquanto isso, os polímeros chamados oxidegradáveis contêm substâncias que aceleram a degradação promovida pelo oxigênio. Neste caso, transforma-se uma sacolinha em minúsculos pedaços que pouco sabemos como vão afetar o meio ambiente e contribuem para o contingente de microplásticos na natureza, provenientes também da degradação de têxteis sintéticos, pneus e produtos de higiene pessoal, afetando, entre muitas questões, a vida marinha. Outro fato é que, geralmente, as substâncias utilizadas para promover a oxibiodegradação são metais de transição, tóxicos para o ambiente. Por isso, muitos países já baniram o uso desse plástico.
Entretanto, o bioplástico pode ser uma alternativa descartável interessante. Ele consiste em plásticos produzidos com polímeros de origem não fóssil, como, por exemplo, biomassa vegetal (mandioca, milho, resíduos agrícolas etc). Estes apresentam biodegradabilidade, pois são passíveis de degradação por agentes biológicos vivos, como fungos e bactérias, em um prazo de até seis meses. Essa caracterização foi feita por Maniglia, que trabalhou em alguns dos estudos que buscam a produção de bioplástico: um na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e o segundo, durante seu pós-doutorado, na Escola Politécnica.
Em ambos os estudos, as equipes exploraram resíduos da agroindústria. Resíduos de cúrcuma, urucum e babaçu apresentaram capacidade de formar matrizes plásticas e a palhada de soja atuou como um aditivo para aumentar a resistência. Apesar dos compostos permitirem a elaboração de embalagens ativas (que auxiliam na conservação de alimentos), estas não possuem propriedades mecânicas e funcionais (solubilidade em água, molhabilidade), limitando o tipo de material a ser embalado. A esse obstáculo, uma alternativa encontrada foi misturar um polímero convencional, com as boas propriedades do plástico comum, com resíduo de babaçu, obtendo um material parcialmente biodegradável. Este seria um produto híbrido, o qual Maniglia acredita que poderia ser uma alternativa emergencial na redução do acúmulo de lixo nos aterros, apesar de não ser ideal.
Estes bioplásticos devem ser, idealmente, descartados em zonas de compostagem (áreas com presença de microrganismos, umidade e temperatura em condições ótimas). Mas em aterros sanitários, destino comum às embalagens, eles ainda podem sofrer biodegradação, mesmo que em um tempo ligeiramente superior aos 180 dias.
Durante a pesquisa na Poli, Bianca Maniglia trabalhou com um método de produção em larga escala, o que demonstrou a possibilidade de produzir bioplásticos utilizando tecnologia existente no setor de embalagens de forma a tirar a ideia do papel de levá-la até o consumidor. Apesar de tudo, polímeros convencionais provenientes do petróleo ainda apresentam preço bem inferior aos polímeros naturais.
Pesquisas como essas refletem a importância de estar informado sobre o que está sendo desenvolvido e estudado para encarar a complexidade de se elaborar um produto que é produzido pensando tanto em funcionalidade e praticidade quanto no descarte.
Papel do consumidor
Marcas são desenvolvidas com atribuição de personalidade e qualidades simbólicas com apelo cada vez mais emocional. O intuito é que o público-alvo enxergue nisso significados e sensações positivas, porque os consumidores do século 21 escolhem produtos que estejam em concordância com seus valores e interesses. A preocupação com a sustentabilidade reflete uma mudança coletiva de mentalidade, e é uma tendência que veio para ficar – afirma Izabelle Vieira, doutora em ciências sociais com especialização em marketing, que ilustra suas posições com a pesquisa recente Retratos da Sociedade Brasileira – Consumo Consciente, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a qual analisa as mudanças no comportamento dos consumidores.
Contudo, Vieira explica que ter uma mentalidade positiva em relação à ecologia não necessariamente se traduz no comportamento de compra. Isto acontece porque, ao escolher bens e serviços, sempre negociamos uma série de variáveis. Por exemplo, uma pessoa que prioriza a limpeza de sua casa pode comprar um produto de limpeza mesmo sabendo que este contém substâncias tóxicas que irão poluir cursos hídricos. Outra pessoa pode não gostar da estética de uma roupa produzida através da filosofia do slow fashion e, assim, compra uma roupa fast fashion, mesmo estando atenta às mazelas da cadeia produtiva da moda. Isto, sem falar na questão econômica, pois, para algumas pessoas, pagar mais caro por um bem orgânico significa ter menos comida na mesa para alimentar a família. Desse modo, a especialista conclui que a motivação ambiental pode se tornar secundária e há um limite para aquilo que os consumidores estão dispostos a fazer pelo meio ambiente.
Da mesma forma, a questão do plástico é evidente: queremos eliminá-lo, mas ele ainda é um material prático e barato e, infelizmente, as empresas que nele aplicam um falso rótulo verde lucram com isso, porque, enquanto consumidores, buscamos o menor impacto ambiental dentro do que nos cabe fazer. Por isso, o comprador não quer que a manipulação de informações sobreponha, seja por ignorância ou por apreço à comodidade, as mudanças nos hábitos de consumo.