Em meio a um cenário de tensão social e econômica, a polarização política se tornou parte do dia a dia dos cidadãos brasileiros. Seja nas ruas ou nas redes sociais, sempre é possível observar algum tipo de atitude extremista, como xingamentos e agressões físicas, entre indivíduos de campos opostos do espectro político. Conforme levantamento realizado pela Ipsos, entre 2020 e 2021, 8 em cada 10 brasileiros avaliam que o país vive uma forte polarização política.
A psicologia, atenta a esse fenômeno, tem buscado explicações para os comportamentos dos grupos polarizados e sobre como o fechamento do indivíduo em suas próprias convicções ideológicas interfere na racionalização do debate em sociedade. Trata-se de uma investigação que parte das relações interpessoais e dos mecanismos cognitivos, atrelados às crenças de cada cidadão.
O Laboratório, nesta matéria, conversa com duas especialistas para entender quais os fatores psicológicos envolvidos na polarização política e como os discursos desse cenário penetram no imaginário dos indivíduos e limitam o diálogo na sociedade.
Política: entre o debate real e a polarização
O período eleitoral é um dos momentos em que fica mais clara a segmentação política em um País. Discursos de todos os tipos inflamam a opinião pública a seu favor. Tanto a esquerda quanto a direita usam de artifícios propagandísticos para atacar os seus opositores e construir, no imaginário dos eleitores, a imagem de um inimigo em comum. Soluções aos reais problemas do país costumam dar espaço à manipulação dos sentimentos das massas.
O resultado? Estresse constante, com diferentes intensidades, que condiciona a ativação de vias do sistema nervoso central, como em um momento de ameaça no ambiente. Isto significa que, ao captar alguma informação que vá contra as suas crenças, o cérebro de um indivíduo em cenário polarizado entra em estado de alerta.
Na prática, é como se grupos antagônicos tivessem uma compreensão prévia de atos, ideologias e aspectos que representam os seus opositores. É como se, ao avistar alguém com a camiseta vermelha ou verde e amarela, ali estivesse presente um progressista ou conservador, respectivamente. O indivíduo constrói para si a ideia de perigo, mas de maneira irracional, em que até uma simples cor configura a representação da suposta ameaça aos seus princípios – como se verifica no slogan “nossa bandeira jamais será vermelha”.
Neste clima, o País segue sob um impasse. É aí que entra a polarização: o não diálogo, a separação da sociedade em polos políticos divergentes e irreconciliáveis, que são pretextos para a escalada da violência.
A explicação para esse clima de intolerância, sobretudo em períodos eleitorais, reside na mobilização de mecanismos cognitivos e afetivos dos indivíduos, como aponta Clarice Pimentel Paulon, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP).

Ela também analisa que a lógica maniqueísta – dualismo entre o bem e o mal – produz ideias preconcebidas quanto aos candidatos e suas propostas. Com isso pautas importantes são suprimidas com base no enviesamento do indivíduo e sua repulsa ao autor.

O resultado é a construção da imagem das pessoas com as quais se deve compactuar e daquelas com quem se deve rivalizar. Segundo Pimentel, no meio político, esse tipo de estereótipo aumenta o fanatismo e cria a rigidez psicológica: uma rejeição àquilo que é diferente ou devoção extrema a um determinado candidato ou partido. Ambos fenômenos dificultam as relações sociais, visto que os indivíduos se sentem na obrigação de impor as suas ideias e corrigir o outro, segundo os seus valores morais e paixões.
O que o futebol pode explicar sobre a polarização na política?
Aumento da frequência cardíaca, da transpiração e dilatação das pupilas. Estas podem ser algumas das reações ligadas à adrenalina e ao cortisol, hormônios liberados em nossa corrente sanguínea em momentos de estresse físico ou mental. Entre uma partida do time do coração e um debate político entre candidatos, há muita semelhança: torcedores vão ao êxtase com o gol do seu time, enquanto os eleitores vibram com a argumentação elaborada de seus partidários.
Esse paralelo entre torcedores e eleitores ganha maior proximidade quando submetido à lógica da polarização, já que, em campos opostos, cada indivíduo tem a tendência de se apegar tanto ao discurso dos afetos quanto a determinado personagem, seja ele um jogador ou político. Ou seja, a lógica da polarização política é uma divisão do eleitorado em torcidas organizadas, em que a competitividade entre partidos e a vitória na eleição de determinado candidato dita as regras, como afirma Pimentel.
“O funcionamento dos partidos, como em uma torcida organizada, em que estamos trabalhando com certo tipo de competitividade e rivalidade – que não são as mesmas na política – produz um efeito em relação ao eleitorado. É como se eles estivessem organizados em grandes torcidas. Isso não é bom, porque, nessa lógica, há a despolitização dos movimentos sociais, uma vez que estamos trabalhando com grandes torcidas e não com cidadãos que exercem os seus direitos políticos”, conclui a professora.
Redes sociais e a intolerância política
Para a psicóloga Marília de Lourdes Araújo, da Universidade Paranaense (Unipar), o uso indiscriminado das redes sociais e a difusão de informações falsas são as principais causadoras da polarização política dentro e fora do mundo virtual. Ela explica que os algoritmos e as notícias mentirosas são mecanismos que favorecem a exposição dos usuários a uma gama de informações que confirmam o seu ponto de vista, o que pode ser entendido pela psicologia como “viés de confirmação”.

No Brasil, segundo relatório do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), 152 milhões de pessoas têm acesso ao mundo digital e, deste total, 78% das pessoas usam as redes sociais para se informar. Mas, da forma como essas plataformas funcionam, o problema do uso das redes sociais com esse fim é a tendência de reforço dos gostos e valores dos usuários, visto que os algoritmos trabalham selecionando – entre as milhares de informações da internet – aquilo que mais se aproxima do perfil do internauta.
Araújo ainda chama atenção para o maior tempo que os usuários dedicaram às redes sociais na pandemia – isoladas fisicamente, as pessoas tiveram menos contato com ideias opostas às suas. “A consequência foi o fechamento do indivíduo em si, como em bolhas sociais, e o aumento da polarização política do País”, conclui.
Isso mostra o poder que as plataformas interativas têm sobre os indivíduos. Ligadas à produção de dopamina – neurotransmissor do cérebro que atua no humor, prazer e motivação –, as redes sociais viciam pelos estímulos que emitem, isto é, pela gama de informações que selecionam e disponibilizam aos usuários conforme suas preferências.
“A internet pode ser uma aliada, porém é necessário que as gigantes de tecnologia revejam as suas políticas de distribuição de informação e aperfeiçoem os algoritmos com o intuito de colocar o usuário [em contato] com o que é diferente”, diz Marília.