Nasce uma lenda do Blues nos arredores da Dockery Farm
Raul Seixas já dizia que o diabo é o pai do rock. E ele com certeza é amigo de muita gente do gênero. Mas foi em um cruzamento, no estado sulista do Mississipi, que ele achou seu parceiro ideal.
Robert Johnson era um filho de lavradores. Trabalhava na propriedade dos pais até os 16 anos, quando decidiu, com um violão e uma gaita no bolso, trilhar pelos bares do sul dos Estados Unidos durante a década de 1930. Dormindo em hotéis, e principalmente em casas de amantes, Robert não conseguiu grande fama. Porém, ainda em vida, já era chamado de The King of the Delta Blues Singers (O rei dos cantores de Delta Blues).
Em sua saga por fama e sucesso, o músico teria recebido instruções detalhadas. Deveria ir com seu violão para um cruzamento perto da Dockery Farm, pontualmente à meia-noite. Lá, encontraria um homem negro, alto e bem vestido. O homem pegaria seu violão, afinaria, tocaria algumas canções e, num passe de mágica faustiana, Robert seria capaz de tocar o blues como ninguém. Em troca de sua alma.
Com seu novo talento e seu já conhecido problema com as mulheres, Johnson arranjava confusão por onde passava. Em mais uns dos bares onde tocava, teria recebido de presente uma garrafa de whisky, envenenada por um marido vingativo, que lhe deixaria em coma por três dias e levaria à sua morte.
A lenda em seu entorno já bastaria, mas Robert Johnson ainda deu mais motivos para acreditar na seu conto improvável: morreu aos místicos 27 anos. Na época, uma idade como qualquer outra, mas que levaria prematuramente músicos como Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrisson e Kurt Cobain.
Ídolo dos nossos ídolos
O legado de Johnson, no entanto, vai muito além de lendas e histórias. Ele foi escolhido pela revista Rolling Stone como o 5º melhor guitarrista de todos os tempos. Foi chamado, por ninguém menos que Eric Clapton, como o “músico de blues mais importante que já viveu”. A admiração de Clapton pelo músico já era conhecida, quando regravou a canção Crossroads Blues com sua banda Cream.
Outra grande banda a fazer seus tributos ao músico foram os Rolling Stones, regravando sua canção Love in Vain, no clássico disco Let It Bleed (1969). Keith Richards teria ficado tão impressionado com o talento de Johnson que, ao ouvir suas canções pela primeira vez, teria perguntado ao colega Brian Jones quem era o outro músico tocando com ele; Johnson tocava sozinho. Keith ainda viria a expressar sua admiração pelo músico afirmando: “Você quer saber quão bom o blues pode ser? Ouça Robert Johnson”.
Robert Johnson seria ainda mais reconhecido, com o lançamento do álbum póstumo King of Delta Blues Singers, em 1961, e The Complete Recordings, em 1990, que lhe garantiriam honrarias como um Grammy, uma filiação ao Rock and Roll Hall of Fame, e também a preservação de suas poucas vinte e nove gravações pelo Registro Nacional de Gravações da Biblioteca do Congresso norte-americano, que seleciona álbuns que sejam “culturalmente, historicamente ou esteticamente significantes”.
Sua história ainda seria a inspiração para o filme Crossroads, de 1986. O longa narra a história de Eugene, um jovem estudante de violão clássico que, fascinado com o blues e a história de Johnson, sai em busca de uma misteriosa 30ª canção do guitarrista; e de seu misterioso acordo.
Não só pela sua música, mas também pela lenda que o cerca, Robert Johnson foi uma figura essencial para a construção do que viria a ser chamado rock’n’roll. Sua habilidade com a guitarra inspirou figuras como Chuck Berry, Bill Haley, Buddy Holly, e até mais tarde, no auge do gênero, Jimi Hendrix, Eric Clapton, Jimmy Page e Keith Richards. Infelizmente, não viveu o suficiente para ver os frutos que seu acordo inusitado traria. Mas com certeza ficaria feliz com seu legado, ao assistir Alice Cooper, Ozzy Osbourne, e Screamin’ Jay Hawkins darem continuidade à seu lado demoníaco.
Por Thiago Quadros
thiagoquadrosm@gmail.com