Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

‘In my skincare era’: A (r)evolução do skincare na Era Digital

Entenda como as mídias digitais vêm influenciando e ressignificando o mercado de cuidados da pele
Por Clara Viterbo Nery (claravnery@usp.br)

Entre diferentes tipos de séruns, hidratantes e ácidos, o famoso “skincare” tem sido cada vez mais inserido no cotidiano das pessoas. Na verdade, ele sempre esteve presente entre hábitos diários, embora não fosse chamado por esse nome. O termo em inglês, que significa “cuidados com a pele”, ganhou popularidade nos últimos anos graças às redes sociais, compreende a importância de obter uma pele saudável, e que representa mais do que apenas cuidar do próprio rosto.

O skincare se tornou, acima de tudo, uma cultura. Com o passar dos anos, a ciência evoluiu, a indústria cosmética se especializou e a internet facilitou o contato com todo tipo de conhecimento, especialmente de saúde e bem-estar. Mesmo assim, em um tempo não tão distante, o ápice dos cuidados com a pele ainda era passar leite de rosas no rosto ou lavá-lo com água gelada. A verdadeira popularidade do skincare é um movimento recente e que, com influências cada vez mais globais, vem crescendo exponencialmente — não só no quesito estético, como também econômico.

Passo 1: o surgimento do skincare

A vaidade humana é uma característica histórica. Desde a antiguidade, homens e mulheres aproveitavam pigmentos naturais para pintar e tatuar seus corpos. Os egípcios usavam óleos essenciais para criar seus próprios cremes “anti-rugas”, enquanto, na Roma Antiga, utilizavam-se produtos naturais, como sementes e mel, que eram muito populares. Independente do espaço e tempo, cuidados com a pele sempre estiveram presentes no cotidiano humano.

A evolução dessa prática, no entanto, não foi sempre constante e sofreu muitas modificações até chegar nos moldes conhecidos atualmente. Durante a Idade Média, as populações europeias abandonaram completamente quaisquer hábitos de higiene, que eram associados ao paganismo e considerados prejudiciais. Foi só com o início das Cruzadas, no século XI, que produtos de cuidado pessoal passaram a ser incluídos nos hábitos da burguesia europeia devido ao contato com civilizações da Índia e de países árabes, que tinham mais cuidados com higiene quando comparados aos europeus.

Durante o século XII, cosméticos e perfumes passaram a ser consumidos regularmente pela classe burguesa, e as composições naturais e caseiras eram especialmente adotadas pelas mulheres. Sabões com gordura animal e misturas como alecrim e vinho branco ou farinha com vinagre eram muito utilizadas para promover uma pele limpa e sem manchas. Até compostos como dióxido de estanho e amido, que ainda são presentes na indústria da beleza, começaram a ser introduzidos às rotinas.

propaganda de sabonete para realizar skincare
O “Ivory Soap”, produzido em 1878 pela P&G, foi um dos primeiros sabonetes comercializados e ganhou muita popularidade na Europa em um período em que a população lidava com infecções, como a da varíola [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Até o século XX, no entanto, os cuidados com a  pele ainda eram restritos aos ingredientes acessados pela burguesia. Com o avanço de outros países — especialmente dos Estados Unidos — e a eventual adesão das máquinas, a beleza passou a ser um bem comercial e integrar outras classes sociais. Após a Primeira Guerra Mundial, a produção industrial de cosméticos foi impulsionada e grandes pioneiros começaram a surgir, como Revlon, P&G e L’Óreal Paris.

Passo 2: adentrando a era digital

O período entre as Guerras Mundiais favoreceu o crescimento da indústria cosmética dos EUA. Pela primeira vez, ao substituir  a fabricação caseira, os cosméticos se tornaram amplamente disponíveis e acessíveis para públicos além da classe burguesa. Mas o que realmente ampliou a disseminação desses produtos foram as propagandas. Multinacionais começaram a utilizar campanhas publicitárias para explorar o interesse do público, predominantemente feminino, em beleza e atratividade.

A jovialidade das melindrosas, um estilo de mulheres jovens da década de 1920, e a importância social de se cheirar bem foram alguns dos ideais que se espalharam entre os consumidores. O mercado, então, começou a se alinhar com a concepção de beleza, ao afirmar que uma pele limpa, radiante e jovem representava um ideal de atratividade. 

modelo para propaganda de beleza
Anne Lindsay Clark, esposa do empresário John Roosevelt, em propaganda de beleza em 1948 [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

O período entre os séculos XX e XXI anunciou a era dourada dos produtos cosméticos. Cremes hidratantes, loções de limpeza e tônicos faciais ganharam popularidade e a proteção solar também ganhou destaque. Revistas e outdoors eram a principal forma de anunciar produtos na época, mas o eventual avanço tecnológico proporcionou novos meios de divulgação — como rádio e a televisão. 

As propagandas de rádio eram veiculadas durante os  intervalos de radionovelas, enquanto as de TV costumavam trazer modelos e atrizes de Hollywood para influenciar sutilmente os consumidores com seus padrões de beleza.Simultaneamente, a exportação de filmes estadunidenses mundo afora transformou atrizes como Audrey Hepburn e Marilyn Monroe em ícones globais, inspirando muitas tendências de beleza.

mulheres e bebê para propagandas de revistas de skincare
Propagandas de revistas da década de 1960 intensificaram o ideal de uma pele limpa e jovem para as mulheres [Imagem: Reprodução/Etsy]

A partir da década de 1980, o interesse pelos cuidados com a pele aumentou à medida em que a popularidade das maquiagens crescia. Maquiagens marcantes, sombras coloridas e a busca  incessante pelo “visual perfeito” promoveram não só o aumento da disponibilidade de produtos de skincare, como também a conscientização popular acerca desses cuidados, com mais pessoas adotando rotinas diárias de limpeza e hidratação. A introdução de ingredientes mais suaves e novas tecnologias, a exemplo do ácido hialurônico, retinol e ácido salicílico, facilitou o acesso e tornou esse segmento de mercado mais lucrativo.

Apesar da crescente popularidade no mercado cosmético, o “senso comum” sobre skincare ainda atuava fortemente na concepção popular. Embora já se entendesse a importância da proteção solar, era muito comum a ideia de que produtos especializados eram desnecessários e que receitas caseiras eram as verdadeiras protagonistas. Nesse período, era comum que pessoas passassem apenas cremes hidratantes ou leite de rosas no rosto, enquanto o “ápice” do skincare era uma máscara de abacate e colocar pepinos nos olhos — prática a qual, inclusive, já teve seus benefícios parcialmente desmistificados

mulher com fatias de pepino para autocuidado
Na década de 1990 e 2000, inúmeros filmes e séries inseriram em suas narrativas fatias de pepino como parte de um ritual de beleza dos personagens, a exemplo de Diário de uma princesa (2001) [Imagem: Reprodução/Facebook/Lobbo Filmes]

Passo 3: as redes sociais avançam

Como todo o consumo de moda e beleza no século XXI, o skincare mudou significativamente com o surgimento da era digital. O que começou a se popularizar com o Orkut e o Facebook  em 2004, com aplicações e funcionalidades muito abrangentes, se tornou a principal fonte de informação e contato entre as pessoas e alterou permanentemente a forma como a comunicação e publicidade aconteceriam daquele momento em diante. Informações que antes eram restritas aos profissionais da área de saúde ou cosmético passaram a  ser acessadas em instantes por qualquer pessoa ao redor do mundo, o que fez o skincare se tornar amplamente acessível. 

Entre as décadas de 2010 e 2020, redes sociais como Instagram e Twitter mudaram o comportamento das referências e de seus usuários. Pela primeira vez, pessoas que já tinham acesso à informação em abundância passaram a se preocupar com a veracidade e filtragem dos fatos. Ao mesmo tempo, as tendências se tornaram mais globais, com a crescente influência sul-coreana e japonesa, por exemplo.

A pandemia de Covid-19 foi um marco revolucionário para a indústria cosmética. O confinamento deixou o autocuidado em evidência, o que levou o assunto “skincare” a uma ascensão, com um aumento de 21,9% na venda de  produtos de cuidados com a pele em apenas 1 ano, de acordo com informações da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal (ABIHPEC). Desde então, o tema vem ganhando cada vez mais destaque e espaço dentro do mercado brasileiro, que, segundo dados do Ministério da Economia e do Comércio Exterior, atualmente ocupa a quarta posição no ranking mundial de consumo de produtos de beleza.

máscaras para skincare
Diversos produtos de K-Beauty (Indústria de beleza sul-coreana) se popularizaram durante a pandemia, como as máscaras faciais, que tiveram um crescimento de 91% em suas vendas em 2021 [Imagem: Reprodução/X/@PlobJai]

As redes sociais em si já impulsionam a divulgação de diversos produtos, porém um fator importante que fortaleceu o sucesso em relação à prática do skincare foi o surgimento de influenciadores digitais na área. Da mesma forma que as atrizes de Hollywood influenciavam os ideais de beleza do século XX, nos tempos atuais, os criadores de conteúdo moldam muitas das tendências do mercado de beleza. No entanto, diferente dos famosos, esses não são apenas parte da propaganda, mas, sim, um canal entre o produto e o consumidor.

O aumento no número de marcas, que surgem a cada ano, no ramo cosmético levanta cada vez mais questionamentos sobre quais produtos são realmente efetivos e quais são apenas feitos para lucrar. Em entrevista, Miguel Silva, influenciador digital de Skincare, explica: “Em um segmento tão competitivo, as marcas que conseguem se destacar são aquelas que entenderam o seu público e se propõem efetivamente a fazer algo diferente”. 

Mesmo assim, entre tantas informações, o influenciador deve saber filtrar e divulgar não apenas as marcas boas, como também com custo-benefício para seu público-alvo. “O papel dos influenciadores é auxiliar no processo de escolha do consumidor […] Nós [influenciadores] precisamos fornecer  as informações que ele [consumidor] consiga tomar decisões de forma mais clara, fácil e transparente”, complementa Miguel.

Por outro lado, é importante destacar que, com o aumento da busca por skincare nas redes sociais, a venda de uma imagem fictícia sobre a pele cresce. A adesão a práticas exageradas e a constante exposição nas redes sociais faz com que muitos indivíduos fiquem expostos à busca incessante pela “pele perfeita”.

hailey bieber fazendo skincare em vídeo para canal do youtube da vogue
Mesmo com os influenciadores, muitas celebridades continuam exercendo um grande papel de influência sobre seu público, como com o quadro “Beauty Secrets” do canal da Vogue [Imagem: Reprodução/YouTube]

Passo 4: a complexidade da beleza

Em 1967, o zoologista e etólogo Desmond Morris publicou o livro “The Naked Ape: A Zoologist ‘s Study of the Human Animal”, no qual afirmava que “uma pele sem defeitos é o desejo universal dos seres humanos”. Na obra, ele explica como essa busca cria uma necessidade primordial nas pessoas de fazer “propaganda” de saúde, bem-estar e fertilidade, o que, na prática, demonstra como a aparência tem um papel fundamental na vida cotidiana.

No entanto, além da necessidade humana de ter uma boa aparência, as redes sociais se tornaram mais um meio no qual as pessoas se comparam. O médico dermatologista Guilherme Valério explica que as mídias, ao venderem uma imagem irreal com filtros e outras mudanças nas imagens, acabam gerando um grande problema para os usuários. “Essa comparação pode causar um grande estresse na pessoa e uma insatisfação, porque ela vê a outra na internet com uma pele perfeita e, quando se olha no espelho, vê uma pele real, com poros, pequenas manchas e afins”, complementa.

Na busca pela pele perfeita, os indivíduos costumam procurar sempre pelos melhores produtos e soluções, independentemente de sua origem, o que pode causar muitos problemas. O skincare, como qualquer ferramenta, deve ser utilizado com responsabilidade e acompanhamento de um profissional. O uso de ácidos ou misturas sem indicação, por exemplo, pode causar danos à pele, como hipersensibilidade e queimaduras. Já a comparação excessiva na internet pode impulsionar problemas relacionados a distorções de imagem.

mulher tirando foto com filtro do instagram
Em janeiro de 2025, a Meta removeu os filtros criados por usuários no Instagram e no Facebook.[Imagem: Reprodução/Freepik]

Contudo, a imagem do skincare  não deve ser associada apenas à “pele perfeita”. Em meio à revolução dessa prática no ambiente digital, ela se manteve tão popular, pois traz muitos benefícios. O uso consciente e acompanhado por um profissional no dia a dia não resulta somente em uma boa aparência, como, também, ajuda na autoestima, interações sociais e até uma melhor qualidade de vida. 

Além disso, o skincare pode trazer muitos benefícios a longo prazo. “O acesso à informação e o interesse pelo skincare incentivaram muitas pessoas a adotar uma rotina de cuidados com a pele. Isso ajuda a evitar problemas futuros como câncer de pele e o envelhecimento precoce”, aponta o doutor Guilherme. Com uma boa utilização, aproveitando o melhor que a internet e os profissionais podem oferecer, qualquer um poderá adentrar sua “skincare era”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima