Por Rafael Dourador (rafa.dourador@usp.br)
André nasceu em Santo André, no dia 26 de novembro de 1972, e deu seus primeiros passos no esporte ainda quando estudava na Escola Estadual de Primeiro Grau Professor Tocantins, onde se destacava nas atividades de corrida propostas por seu professor de educação física.
Ele foi integrado à rede de ensino do Serviço Social da Indústria (SESI) do município andreense após o diretor de seu colégio encaminhar uma carta de recomendação à instituição. Contando com melhores condições estruturais, foi lá que o jovem prodígio iniciou de fato sua trajetória no atletismo.
Filho de empregada doméstica, André revela que enfrentou dificuldades desde o início: “Passei fome e pedia esmola na rua, mas eu tinha um sonho muito grande de ser um atleta”, diz. Para ele, não faltam motivos para sentir orgulho de sua infância e da forma como cresceu no esporte.
Um momento marcante na vida do ex-corredor foi quando ganhou dois pares de tênis de sua mãe, Neide, fruto de uma doação da patroa dela. Quando questionou a numeração dos calçados, que era dois números menor que seu pé, André ouviu a frase que passou a ressoar em seus ouvidos a cada treino: “Filho, pé de pobre não tem tamanho”.
“Até hoje se eu olho para os dedos dos meus pés eles são em formato de garra devido aqueles pares de tênis que eu usei por muitos anos”
André Domingos
Domingos aponta que essa é a realidade de muitas crianças pobres brasileiras que desejam iniciar no atletismo. Ele conta que jovens constantemente lhe pedem seus calçados mesmo que não sejam o número ideal. “Você não pode interromper o sonho das pessoas”, diz o ex-atleta.
Desde 2021, André é embaixador dos Jogos Escolares Brasileiros (JEBs) [Reprodução/Fernando Frazão/Agência Brasil]
André nos Jogos Olímpicos
Se “pé de pobre não tem tamanho”, a determinação de André também não tinha. Aos 19 anos, ele participou de sua primeira Olimpíada, na cidade de Barcelona, Espanha, chegando à semifinal. Foi ali que conheceu Jayme Netto — que seria seu futuro treinador — e aceitou o convite para morar com a família de Jayme em Presidente Prudente, a partir do ano seguinte.
As dificuldades para a adaptação na nova cidade valeram a pena quando André se viu ganhando a medalha de bronze no revezamento 4x100m nas olimpíadas de Atlanta, em 1996, ao lado de Arnaldo de Oliveira, Edson Luciano Ribeiro e Robson Caetano – ídolo nacional de André no atletismo. Juntos, os quatro estabeleceram um novo recorde sul-americano naquela edição (38 segundos e 41 milésimos).
Foi nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, que André Domingos alcançou sua redenção nas pistas. A equipe, que contava com ele, Vicente Lenilson, Edson Luciano Ribeiro, Claudinei Quirino, Claudio Roberto Sousa e Raphael Raymundo de Oliveira – sendo os quatro primeiros os titulares e os dois últimos os reservas – fez um tempo de 37 segundos e 90 milésimos, o qual garantiu o segundo lugar aos brasileiros, atrás apenas dos estadunidenses. “É prata, é prata, é prata, é prata para o Brasil!” foi a fala de Galvão Bueno que ficou marcada na transmissão pela TV.
André possui o quarto melhor tempo nos 100 metros rasos na história do atletismo brasileiro [Reprodução/Instagram:@andredomingosoficial]
O prêmio evidencia a resiliência dos atletas em contraste com as péssimas condições de treinamento enfrentadas por eles. Sem uma pista oficial, André conta que eles corriam na rua e destaca a habilidade de Jayme Netto para lidar com a crise infraestrutural. Em uma conversa com Roberto Felitto, André chegou a comparar a situação da equipe naquela ocasião com a dos jamaicanos no filme “Jamaica abaixo de zero”, baseado na história real de um grupo de atletas que se esforçam para disputar a prova de bobsled (corrida de trenós) nas Olimpíadas de Inverno.
No entanto, os brasileiros deveriam ter recebido o ouro naquela edição. Em 2008, durante uma entrevista ao programa Real Sports with Bryant Gumbel, da HBO, Tim Montgomery, corredor norte americano que participou das eliminatórias de Sydney, admitiu que tomou testosterona e hormônio de crescimento humano — substâncias que influenciariam o desempenho do atleta nas pistas — para competir e, portanto, não era merecedor do prêmio.
Após a declaração de Montgomery, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) informou, em nota à imprensa, que não mediria esforços para “atuar em defesa dos interesses do esporte e dos atletas olímpicos brasileiros”. A entidade contratou o advogado Sergio Mazzillo para acompanhar o caso e a possível transferência do ouro para o Brasil.
Na época, o Comitê Olímpico Internacional (COI) se comprometeu a investigar o caso. A entidade olímpica dos Estados Unidos (USOC) também se manifestou, pedindo que Tim devolvesse a medalha, como outros atletas também já haviam feito. O escândalo de doping foi o sétimo envolvendo atletas norte-americanos daquela edição. Até hoje, o ouro dos brasileiros não foi devidamente reconhecido. O próprio COB em seu site oficial coloca a equipe como segunda colocada. André diz já não ter mais esperança de que a troca seja feita.
O descaso do COI com os atletas não é novidade. O reserva da equipe do Brasil em Sydney, Claudio Roberto de Sousa, por exemplo, só recebeu a sua medalha de prata vinte anos depois da premiação. Antes disso, o ex-atleta havia recebido de André Domingos uma réplica como forma de reconhecimento de sua contribuição. Nos Jogos de Pequim (2008), tanto a equipe feminina quanto a masculina do revezamento 4×100 metros rasos passaram pela mesma situação e tiveram que esperar, respectivamente, oito e onze anos para ganharem suas honrarias.
André participou da cerimônia oficial de recebimento da prata olímpica do ex-companheiro de equipe [Reprodução/Instagram:@andredomingosoficial]
André Domingos ainda correu em Atenas, em 2004, ficando em oitavo lugar na modalidade em que foi prata em Sydney e na 33ª posição nos cem metros rasos do masculino. O atleta tinha a expectativa de competir em 2008, na China, mas uma lesão no tendão de Aquiles eliminou qualquer chance disso acontecer. Para ele, cada Olimpíada tem sua particularidade e todas têm o mesmo valor em sua trajetória, apesar da diferença de premiações.
Arquitetando novas pistas
Pendurar as sapatilhas e deixar as pistas olímpicas foi uma decisão difícil para André. “Eu não me preparei para este momento. Sofri muito psicologicamente. Mesmo parado, ia para a pista com vontade de voltar. A cabeça até quer, mas o corpo dá sinais que é o fim de um ciclo”.
Após a aposentadoria como atleta, André se formou em Educação Física pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), e em Arquitetura e Urbanismo e pela Unoeste (Universidade do Oeste Paulista). Seu dom artístico já tinha sido revelado em uma reportagem da ESPN. O velocista chegou a projetar a própria casa e hoje ainda atende pedidos. “Sempre gostei de dar forma ao espaço, ser criativo, desenhar, imaginar. Quando eu me sento para desenvolver o projeto dos meus clientes parece que todo o meu cansaço vai embora”, afirma.
André é apaixonado por arquitetura neoclássica. [Reprodução/Instagram:@andredomingosoficial]
Projeto “André Domingos: Velozes em Ação”
André também é idealizador e fundador de um projeto social de atletismo. O “Velozes em Ação” recebe crianças de nove a dezessete anos com o intuito de introduzir os pequenos ao esporte. Segundo ele, o projeto conta com oitenta participantes hoje.
O Instituto Esportivo Social (IES) é a organização proponente, que auxilia na execução das aulas. Maurício Fragata, presidente do IES, conta que estão entre os benefícios do projeto a melhora da coordenação motora e da interação social. “O nosso papel é apresentar o atletismo e todas as suas modalidades e desenvolver a criança como um todo usando o esporte como ferramenta”, diz ele.
Atualmente, o “Velozes em Ação” ocorre nas cidades de Presidente Prudente e Sumaré, no interior paulista, e tem duração de 12 meses [Reprodução/Instagram:@andredomingosoficial]
Tendo trabalhado como patrocinador de André nas olimpíadas de Sydney, Fragata descreve o ex-atleta como uma pessoa muito transparente e extrovertida, características que, para ele, facilitam a parceria entre as entidades e conquistam o público infantil. “Ele é muito claro nas suas atitudes, na sua comunicação, e muito alegre. Isso é muito legal e as crianças adoram”, afirma Maurício.
O projeto é uma consolidação daquilo que André enxerga como o papel do esporte na sociedade. Para ele, a prática esportiva precisa ser vista como ferramenta de inclusão social e deve caminhar junto com a educação formal do cidadão. André sente que falta seriedade nos investimentos feitos nas categorias de base no Brasil.
“Enquanto a gente não tiver uma política esportiva voltada para a educação, não vemos uma luz no fim do túnel”
André Domingos
André na política
No meio político, comandou a Secretaria Municipal de Esportes de Presidente Prudente por cerca de dois anos marcados por altos e baixos. Apesar de algumas ações positivas, como a reforma da pista de atletismo da Unesp, André pediu a exoneração de seu cargo, em outubro de 2023, desgastado por sofrer denúncias na Câmara Municipal.
Na época, o ex-atleta alegou que não foi respeitado e que estava “tirando um peso das costas” com o pedido de demissão. Hoje, ele afirma que a experiência foi muito importante para o seu crescimento pessoal e intelectual, apesar das dificuldades encontradas. “Você acaba conhecendo os agentes da política e tem que se virar para uma pasta que não tem tanto apoio que é o esporte”, diz André.
Em abril de 2024, André publicou em suas redes sociais a confirmação de sua pré-candidatura a vereador de Presidente Prudente, pelo Partido Liberal (PL). Em dezembro do ano anterior, ele já tinha manifestado sua intenção de atuar no grupo de Bolsonaro, a quem ele considera um amigo. “Quero estar lá pelo povo, pela periferia, que entende a minha história”, disse, em entrevista ao videocast Consciência POD.