Sul da Fronteira, Oeste do Sol, publicado pela primeira vez em 1992, encontra um novo público com a recente edição da Companhia das Letras (2021), que revive o aclamado clássico de Haruki Murakami. Com poucas páginas para um romance, o livro envolve o leitor na viagem introspectiva que é a vida do narrador, o japonês Hajime, desde a infância até a meia-idade.
Hajime conhece Shimamoto na escola, quando os dois não passam de crianças tímidas. Ambos são filhos únicos e essa característica, que para Hajime é uma maldição, é o que causa simpatia inicial entre os dois. A simpatia acaba culminando em um amor infantil mas, quando o narrador muda de escola, a dupla perde contato.
Isso não significa, porém, que Hajime tenha parado de pensar em Shimamoto. Durante o livro inteiro, o narrador privilegia contar histórias que remetem à menina. Exemplo disso é quando ele lista todos os encontros românticos que teve com mulheres que mancavam com alguma das pernas — característica que Hajime observou primeiro em Shimamoto.
Como outros livros do autor, Sul da Fronteira, Oeste do Sol é um romance que finge ser romântico. A obra se esconde atrás de comentários do narrador sobre uma mulher idealizada, sobre a busca de Hajime pela sua amada em todas as esquinas de Tóquio. Mas, no final, é sobre um homem egoísta.
Pode causar certa estranheza no leitor passar mais de 150 páginas lendo sobre uma mulher, Shimamoto, e, ao fechar o livro, ter a sensação de não a conhecer em nada. Mas essa sensação não é novidade para a audiência fiel de Murakami, que já sentiu isso ao terminar Norwegian Wood (2004, Civilização) e perceber que a tão adorada Naoko não passava de uma silhueta mal definida.
Escrever é saber o que dizer, mas também saber o que esconder. E Murakami faz isso com maestria. Já é um clichê que cada pessoa vê o mundo por uma perspectiva singular e subjetiva, e o escritor se aproveita disso para nos mostrar como Hajime se vê como o protagonista da narrativa que conta para si mesmo — assim como todos nós fazemos com as narrativas das nossas vidas. Essa crueza, apesar de sutil, é o que torna a prosa de Murakami tão convincente.
*Imagem de capa: Lívia Magalhães/Jornalismo Júnior