Novas técnicas ajudam a promover ‘super-heróis’ em competições esportivas e questionam limites do corpo humano
Por Paloma Rodrigues (martinho.paloma@gmail.com)
Estamos no século da tecnologia. Vivemos rodeados de aparelhos, artefatos e aplicativos que completam nosso dia a dia com a premissa de tornar a vida mais simples e melhor. Há muito tempo essa temática é colocada em pauta, sempre questionando os reais benefícios de toda essa parafernália. Mas uma coisa é certa: agora, onde quer que estejamos, a tecnologia é sempre bem-vinda.
A tecnologia já se provou uma profunda aliada da área esportiva. As novidades ajudam o homem a superar seus limites e dar um passo a frente rumo ao limite do ser humano. “A tecnologia vai além de otimizar o tempo de treino do atleta ou confeccionar uma roupa que lhe permita melhor rendimento. Ela acaba dando uma forcinha para o juiz quando o olho humano acaba falhando, por exemplo. As máquinas podem contribuir para dar o resultado mais justo”, diz Alexandre Vieira, professor de Educação Física e autor do livro Atividade Física – Tudo o que você queria saber sobre Qualidade de Vida e Promoção da Saúde em diversos aspectos.
Deficientes físicos
A tecnologia que se une ao esporte também representa uma forma de inclusão social. Ela expande a possibilidade da prática esportiva para aqueles que têm algum impedimento fisiológico em seu caminho.
“A deficiência física pode ser definida como sendo uma desvantagem, porém, não significa invalidez social”, coloca Vieira. A partir do momento que esse deficiente enxerga a possibilidade de participar de uma prática esportiva sem o pesar de se julgar incapaz de fazer algo, ele supera a si próprio e melhora a sua autoestima. “A prática de exercícios para os deficientes físicos representa uma ampliação de interação social e é de extrema eficácia para a promoção da qualidade de vida dessas pessoas”, completa.
O envolvimento com o esporte adaptado tem de ser feito com cautela e a partir da personalidade do praticante.
O sul-africano Oscar Pistorius se tornou um dos mais conhecidos exemplos da intervenção tecnológica no esporte. Nascido com ausência congênita da fíbula nas pernas, teve de amputar os dois membros com menos de um ano de idade.
A deficiência não o impediu de entrar para o mundo do esporte. Por meio de próteses de fibras de carbono, Oscar conseguiu evoluir a tal ponto que seu desempenho conseguiu se equiparar com o de atletas olímpicos. Ele se tornou o primeiro atleta olímpico e paraolímpico da história do esporte, competindo simultaneamente com atletas deficientes e não deficientes em nível mundial.
Esse fato levantou a questão dos benefícios que a tecnologia lhe impunham. Para o Comitê Olímpico Internacional, as próteses não apenas lhe permitiam a prática do esporte, como também lhe garantiam vantagens perante os outros atletas, como a impulsão durante a corrida.
Em suas declarações, Oscar afirma que suas próteses não ajudam no seu desempenho, pois são fabricadas com “molas elásticas passivas”.
Dentre os planos futuros de Oscar estão os Jogos Olímpicos de Londres, que acontecerá em 2012.
Esporte de alto rendimento
No esporte de alto rendimento, a discussão em torno da tecnologia é mais abrangente e com mais polêmicas a envolvendo.
Desde 2008, a questão dos supermaiôs traz a tona um debate acerca dos artifícios confeccionados industrialmente que melhoram o desempenho dos atletas. Com o uso dos trajes de material poliuretano, os nadadores conseguiram ir além e quebrar diversos recordes em sequência. No mesmo ano de 2008, mais de 100 marcas mundiais foram quebradas. Isso levantou um ponto: até onde a melhora no desempenho significava uma progressão da capacidade humana e onde começava a influência substancial da tecnologia nesses resultados?
O desenrolar deste debate culminou com a proibição do uso dos supermaiôs pela Federação Internacional de Natação (Fina). Nas novas regras, o regulamento diz que “nenhum nadador será autorizado a utilizar ou vestir qualquer máquina ou maiô que possa lhe dar velocidade, resistência ou flutuação extras durante uma competição”.
A consequência desta ação foi bastante reveladora: no ano de 2010, o número de recordes quebrados caiu vertiginosamente. O Troféu Maria Lenk, que em 2009 registrara mais de 30 recordes sulamericanos, no ano seguinte não viu nenhum. Nem ao menos um recorde brasileiro, apenas duas marcas de campeonato.
O caso dos supermaiôs evidencia a necessidade do uso da tecnologia para a formação do atleta e para a melhoria da execução de seu rendimento, de modo que essa tecnologia lhe explore mais desde os treinos até as competições. “A tecnologia é importantíssima hoje porque ela prediz a ação do atleta. Ela não apenas potencializa a parte fisiológica. Ela me diz como o atleta chega àquela ação e, a partir disso, ele pode melhorá-la e melhorá-la e melhorá-la”, diz Bianca Miarka, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Combate da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP.
Bianca foi a idealizadora do projeto do Software FRAMI, desenvolvido em seu trabalho de mestrado, que demonstra a excelente contribuição que a teconologia pode dar ao esporte. Lutadora de Judô, foi para o meio acadêmico por meio de suas inquietações referentes ao desempenho dos atletas no esporte. “Analisando as técnicas de combate, vi que não existia nenhum instrumento para analisar as táticas de luta”. Intrigada com a descoberta, passou a juntar as variáveis que determinavam o bom desempenho do judoca em uma competição.
Dentre os critérios que determinavam o sucesso no combate estavam os tipos de pegada, os golpes mais utilizados e a classificação desses golpes. Além disso, Bianca acrescentou elementos importantes como a direção escolhida para executar os golpes. Para ter uma visão ampla, considerou os oito pontos cardeais.
“Fiz uma avaliação do controle que o judoca tinha sobre o oponente. Por exemplo, o tipo de pegada que imobilizava mais o adversário. Classifiquei todas essas variáveis e as coloquei dentro de um sistema de computador”, explica. Com as variáveis registradas, Bianca iniciou a fase de testes. Analisou lutadores com mais de dez anos de prática, faixas preta e professores de educação física. O software analisou os golpes destes atletas, a maneira como eles os executavam e arquivou estes dados.
Depois de ter analisado o modelo de luta de cada um – golpes mais eficientes, pontos fortes e fracos, direções mais freqüentes – o software comparou o estilo de luta de uns contra os outros. O software conseguiu identificar, em 89% das vezes, que golpes seriam efetivos durante esta luta e que táticas dariam certo para que o judoca chegasse à vitória.
O software foi validado, pois sua margem de acerto foi considerada muito alta. “A idéia é que ele seja aplicado e ajude no desempenho dos lutadores”, coloca Bianca. A orientação de todo o trabalho foi do professorto do FRAMI
Quando visa a melhoria na qualidade de vida do praticante, a tecnologia é extremamente benéfica para o esporte. Seja auxiliando amadores, profissionais ou juízes, ela representa uma melhora significativa na excelência da prática esportiva.
A cautela deve estar presente no sentido de o objetivo principal das intervenções acontecer para que o desempenho do esportista seja priorizado, e não os resultados que este desempenho trará.
“O esporte é um fenômeno social complexo. Definimos dessa forma pela sua abrangência e inserção social. Devemos valorizá-lo e buscar aprimorar suas práticas”, diz Vieira. O esforço vai além da tentativa de se alcançar o sucesso, mas para entender como o atleta chegou naquele ponto e do que ele precisa para evoluir e se sentir melhor. “A tecnologia potencializa a capacidade de inteligência do esporte”, completa Bianca.