Veja em fotos os detalhes de uma pesca de arrasto, a técnica artesanal sobre a qual cantou Elis.
“Olha o arrastão entrando no mar sem fim / Eh! meu irmão me traz Yemanjá prá mim.”
Por Laura Molinari
É fim de tarde, quase batem sete horas, quando uma estranha movimentação irrompe na praia de Guaratuba, em Bertioga. Um caminhão munido de um antigo barco de madeira sobre a carreta desperta curiosidade nos poucos visitantes que frequentam a região. Atrás do veículo, um mutirão. De maioria jovem, todos homens. O caminhão então estaciona e o grupo se divide entre os que retiram a embarcação, os que preparam a comprida rede de pesca e os que ocupam o tempo de ócio batendo uma bolinha ou jogando conversa fora.
O arrasto de praia é uma técnica de pesca artesanal muito comum em território nacional e acontece, basicamente, da seguinte forma: alguns dos pescadores vão ao mar à barco e estendem a rede sob as águas, cercando os cardumes. Em seguida, os companheiros que permaneceram em terra puxam a rede de volta à areia através das cordas em suas extremidades.
Os pescadores se dividem em dois grupos com cerca de dez a quinze pessoas, um em cada extremidade da rede. Vestindo fortes cinturões acoplados à corda, eles a puxam por quase uma hora, revezando de posição na fila e se aproximando cada vez mais do grupo localizado na outra ponta da rede.
Quem frequenta Guaratuba não nega. É uma ótima alternativa de sossego, com pouco movimento até nos finais de semana, em contraste às urbanizadas praias vizinhas. Sua orla é dominada por um conjunto de loteamentos residenciais de luxo que, no entanto, sofreu uma restrição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) em 2002. De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente de Bertioga, foi impedida a construção nos primeiros 300 metros após a linha de praia mar. Como resultado, a mata ainda recobre boa parte dos terrenos antes postos à venda.
Normas da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) delimitam que a pesca deve ser executada com redes de no máximo 500 metros de comprimento e malha de no mínimo 70 milímetros de distância entre nós opostos. Além disso, atualmente é permitido apenas o uso de tração humana na atividade.
De acordo com um pescador local, o alvo principal do arrasto na praia de Guaratuba é o robalo, peixe de porte grande que pode chegar ao peso de 20 quilos, aproximadamente. Ele explica que a atividade é tanto praticada por hobby como é, para muitos outros, a principal fonte de renda.
Outras espécies também costumam ser capturadas na pescaria. Marcos, dono da peixaria da Luiza e comprador eventual do grupo de pescadores, cita a bicuda, o cação, a oveva, o xaréu, entre várias outras. Ele explica que a captura de peixes pequenos e de espécies variadas é conhecida pelo nome de “mistura”.
Quanto mais a rede de pesca se aproxima da praia, mais os ânimos se agitam. A esta altura, os banhistas já rodeiam a movimentação com maior curiosidade. Os homens gritam ordens de canto a outro, que puxem a corda para a esquerda ou direita, com mais ou menos força. O sol já se pôs e a luz para capturar os movimentos da multidão é cada vez mais escassa.
E a rede finalmente chega à praia, carregada. O alvoroço é grande e a força conjunta é maior do que nunca. Todos movem esforços para estender e abrir a rede, retirar os peixes e colocar cada um deles em seu devido lugar: arraias, por exemplo, são retornadas ao mar e os peixes que interessam são movidos aos caixotes. Já caiu a noite há tempos, mas o público permanece no local, mostrando-se um bocado impressionado com o tamanho de algumas das presas.
As crianças, como de costume, não escondem a agitação. Percorrem a rede de ponta a outra em busca dos pequenos peixes esquecidos, emaranhados, enterrados na areia. Seus olhos não piscam: estão curiosas e espantadas. Angustiadas com a morte dos peixinhos, porém alegres com tantas novidades. São lembranças que poderão ficar na mente dos pequenos, que deram a sorte de presenciar a cena durante as férias de verão.
Terminada a catação, logo é iniciada a barganha. Alguns dos peixes são negociados com os banhistas que assistiram a toda a ação, lá na praia mesmo, e outros são rateados entre os participantes da pesca para o consumo próprio na comunidade. Outra grande parte é destinada à Peixaria da Luiza, estabelecimento conhecido na região.
“Pescaria é um jogo”, diz Marcos, quando perguntado sobre a quantidade de peixes negociados com sua peixaria. A pesca de arrasto não é rotineira e depende muito de condições temporais, sazonais e de ambiente, por isso a compra torna-se irregular de tempos em tempos.
São quase nove horas da noite e a multidão dispersa. Para os pescadores, no entanto, a primeira leva não foi suficiente. O espetáculo pode ter sido bonito, mas o resultado foi de apenas alguns caixotes meio cheios. Eles se preparam para entrar ao mar novamente e recomeçar toda a rotina. Hoje, ao menos para eles, a noite será longa.