O xintoísmo e o budismo são as duas maiores religiões do Japão. Ao se pensar nessas práticas, é comum lembrar dos templos, que chamam atenção pela beleza arquitetônica e pela riqueza de detalhes. Mas, enquanto os santuários xintoístas surgiram no próprio país, os templos budistas tiveram origem na Índia e depois se diversificaram em terras japonesas. Entenda mais sobre essas estruturas ricas em cultura, história e beleza e sobre as práticas espirituais a que pertencem.
Os santuários xintoístas
As práticas xintoístas têm como essência a conexão entre a espiritualidade e a natureza e, por isso, não se concentram nos santuários, mas permeiam o cotidiano dos praticantes.
Em entrevista ao Sala33, Andréa Tomita, pós-doutora em Ciência da Religião com formações em Teologia e em Língua, Literatura e Teologia Japonesa, conta que a principal função dos santuários é “abrigar ou consagrar os kamis – forças sobrenaturais que podem ser nomeadas como divindades ou espíritos presentes na natureza”. Segundo a pesquisadora, “os ofícios religiosos são realizados por sacerdotes xintoístas e a circulação de pessoas é restrita a fins de visitação”.
Os santuários costumam estar associados a lugares presentes na mitologia e surgem, também, a partir do culto de personalidades mitológicas e políticas importantes, como imperadores e xoguns, como explica Rafael Shoji, pós-doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Outra função desses espaços é abrigar matsuris, festivais japoneses que celebram os kamis por meio de procissões, danças, performances teatrais e desfiles.
Os templos budistas
Os templos marcam a paisagem japonesa por sua estrutura de madeira e cores fortes. Normalmente, eles se localizam em pontos próximos a paisagens naturais, como florestas e cachoeiras que são consideradas sagradas. É o caso do Templo Água Pura (Kiyomizu-dera, em japonês), construído próximo à cachoeira Kiyomizu — os visitantes bebem de sua água, pois acredita-se que ela tem poder de realizar desejos.
Ao contrário do xintoísmo, no budismo os templos são dedicados ao culto e à consagração de Buda. As histórias de suas construções relacionam-se às narrativas religiosas, como, por exemplo, o templo Horyu-ji, que foi construído como oferenda a Buda pelo príncipe Shōtoku para curar a doença de seu pai. Outros seguem uma linha mais divina, como o Seiganto-ji, que, de acordo com a lenda, foi feito por um monge indiano que vislumbrou Kannon (deusa da compaixão e piedade) no local. Rafael conta que “o budismo é uma religião bastante diversificada” e, ao longo da sua história, se fundiu a religiões locais como o Taoísmo e o Xintoísmo, o que influenciou também no significado dos templos. “Inicialmente, os templos eram mosteiros, dedicados à formação de monges e instrução de leigos”, diz Rafael.
Andréa complementa que “além de ser o local para a realização de cultos, rituais e meditações budistas, [o templo] também abriga objetos sagrados e de valor artístico”. Ela explica que esse papel mudou ao longo da história. Durante o período Edo, que compreendeu os séculos 17 a 19, os templos, além de serem centros culturais, tinham como função receber registros de nascimento e óbito. Atualmente são locais de peregrinação e culto, mas também constituem os principais pontos de visitação turística no Japão.
Ainda que o país se destaque por suas estruturas budistas, a religião não nasceu no Japão. Na verdade, o budismo tem origem na Índia antiga, e foi levado ao país por chineses e coreanos através da Rota da Seda. “As escolas budistas japonesas foram importadas a partir da cultura chinesa, como também foi o caso da escrita e de várias artes tradicionais chinesas, que foram trazidas ao Japão”, conta Rafael. De acordo com a Agência de Assuntos Culturais da Embaixada do Japão no Brasil, em uma pesquisa de 2018, 66% da população segue o budismo e o primeiro lugar pertence ao xintoísmo, com alta sobreposição entre as duas religiões.
Inspirações no Brasil
Em várias cidades brasileiras, podem-se encontrar muitas referências à arquitetura japonesa. Na região de Ribeirão Pires, no estado de São Paulo, a Torre de Miroku é um exemplo.
A torre tem oito metros de altura e foi construída sem pregos ou parafusos, como a maioria dos templos japoneses. Rafael diz que a Torre de Miroku “é uma cópia do templo Horyuji de Nara, considerado um dos templos budistas mais antigos do Japão”. Ele ainda explica que a torre, ainda que seja inspirada num templo budista, incorporou figuras católicas — como um espaço reservado para a imagem da Nossa Senhora Aparecida.
A mistura de crenças demonstra a grande importância dos templos japoneses não apenas como locais de consagração budista, mas de contemplação de todos os públicos no país.
As práticas espirituais no cotidiano japonês
No dia a dia do Japão, xintoísmo e budismo muitas vezes interagem. Segundo Andréa, não é incomum que japoneses se declarem ao mesmo tempo budistas e xintoístas. As duas religiões se conectaram com os passar dos séculos e “costuma-se dizer que, no Japão, o xintoísmo se encarrega da vida e o budismo da morte. O primeiro cuida dos ritos de nascimento e matrimônio, enquanto o segundo atua na esfera do culto aos antepassados e dos ritos funerários”, como conta Andréa.
Entre culto às divindades, contemplação da natureza, eventos culturais e atividades administrativas, templos e santuários extrapolam o valor arquitetônico. Quem se aventurar a pesquisar sobre um templo específico perceberá a profundidade de informação que cada um desses lugares carrega. Cada estrutura interage com lendas e episódios da história japonesa, além de participar de todo um universo de relações humanas, práticas artísticas e espiritualidade.