por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com
Imagine-se numa festa com velhos amigos, regado a muito vinho de primeira categoria e uma música ambiente bastante agradável. Imagine agora que os anfitriões decidam mostrar um vídeo de um grupo motivacional ao qual pertenciam, em que o “pastor” acalma o coração de uma de suas seguidoras momentos antes de a vermos morrer. Pois bem, se isso já não é suficiente para incomodar, saiba que The Invitation (sem tradução para o português, 2016) é repleto de momentos ainda piores. Não, aqui nada é escrachado ou gráfico, o incômodo é, por outro lado, bem sutil e psicológico.
Como o recente Ex Machina – Inteligência Artificial (Ex Machina, 2015), muitos bons filmes nunca têm a oportunidade de serem exibidos nos cinemas brasileiros. Felizmente, o que há alguns anos significaria esquecimento, hoje, com a internet, significa difusão, com o filme podendo ser encontrado, em questão de meses, disponível a todos os acessantes. The Invitation chega então ao Netflix, acompanhando Will (Logan Marshall-Green, que parece o sósia de Tom Hardy) e sua namorada, Kira (Emayatzy Corinealdi), numa festa que celebraria o reencontro de velhos amigos após um intervalo de 2 anos.
Lá, constatamos que a festa ocorreria na antiga residência de Will e que a anfitriã Eden (Tammy Blanchard) era, na verdade, a ex-esposa dele, agora casada com David (Michiel Huisman). Conforme o enredo se sucede, descobrimos que Will havia tido um filho com Eden que, tendo morrido num acidente bobo, provavelmente acabou desestabilizando a relação dos dois. Ele, decidiu se isolar e, pouco a pouco, encontrou uma nova parceira. Ela, encontrou-se numa espécie de retiro espiritual, voltando dois anos depois junto a David envolta em sorrisos e otimismo. Enquanto todos relembravam grandes momentos do passado, Will começa a suspeitar de que o casal possa talvez estar guardando alguns segredos dos convidados. Mas será mesmo?
A alma do filme estará então justamente nessa dúvida. E o filme é primoroso em estabelecer desde o começo o clima de desconforto. Seja por uma troca de olhares, ou pela demora com que a câmera observa cada personagem, o espectador é levado a prestar atenção nas mínimas reações e movimentos que acontecem dentro da casa. Seguindo as percepções de Will, suas (e, portanto, nossas) suspeitas são constantemente quebradas, ao ponto de questionarmos a sanidade mental do próprio protagonista – o que faz bastante sentido, se considerarmos sua perda. The Invitation é um filme no qual não torcemos por nenhum dos lados. O que prepondera é a paranoia. Quando nos deparamos com um momento de calmaria, rapidamente outra situação já nos coloca novamente em perigo, fazendo com que o ritmo de tensão seja impecável.
Tensão esta largamente ressaltada pelos excelentes aspectos técnicos. A trilha sonora é minimalista, servindo mais para pontuar a cena do que gerar clima. Com isso, cada detalhe sonoro acaba se tornando assombroso, como o simples ato de abrir uma torneira ou andar sobre o assoalho. O design de produção também contribui para essa sensação, uma vez que a plasticidade e perfeição dos cômodos é tamanha que a casa deixa de ser o lugar humano e aconchegante em que uma família viveria, ainda mais uma como a do casal radiante em questão. Casal este que, de tão impecável que é, acaba beirando o irrealismo, dando por consequência um clima ainda mais macabro à trama. A fotografia ainda engana ao trazer tons predominantemente alaranjados, que dão um clima familiar e positivo aos quadros, quando o que se de fato tem é justamente o contrário.
Por fim, é ainda maravilhoso constatar como o tratamento que o roteiro dá à homossexualidade é muito acertado. Dentre a roda de amigos, um dos casais é de homossexuais. No entanto, ninguém trata isso como algo extraordinário, incluindo os próprios. Ambos estão muito bem resolvidos perante sua sexualidade, servindo como artifícios necessários do roteiro, e não como meramente “o casal homossexual” do filme. Por muito tempo, a homossexualidade foi tratada no cinema como transgressão. O que The Invitation faz é tratá-la como uma orientação sexual natural como qualquer outra, normalizando assim a “transgressão” e a potencializando para a criação de enlaces complexos como as de qualquer outro ser humano.
A paranoia de The Invitation é incômoda e tensa. Incômoda como toda ideia que se fixa na cabeça. Tensa como os grandes dramas psicológicos do cinema de Roman Polanski. E se o percurso até a conclusão já não nos deixa de estômago virado, a cena final será então o soco na barriga.
Trailer (sem legendas):