Muitas cidades litorâneas possuem o artesanato como uma de suas maiores fontes de renda, com forte papel do turismo. Em Maceió, Alagoas, capital situada no litoral nordestino, as artes produzidas e/ou vendidas na praia são um marco cultural da cidade. Geralmente, as produções se dispõem em feiras, onde dezenas de estandes de venda são agrupados para que os artistas apresentem seus produtos e possam ter os lucros desejados. Entre as mais famosas, duas se destacam: o Pavilhão do Artesanato e a Feirinha de Artesanato da Pajuçara, ambas situadas no bairro Pajuçara.
Entre visitas à orla maceioense, que contempla grandes feiras, há espaço para feiras temporárias, como a Artesanato Mundial: Arte, Cultura e Lazer. De iniciativa privada, ela durou entre os dias 05 e 28 de julho e expôs muitas artes, dos mais variados formatos. Assim, percebe-se que há feiras permanentes e outras temporárias, sendo essas últimas comuns não só na orla, mas também em shoppings ao redor da cidade. Fora essas, também existem artistas que vendem suas produções na praia de fato, sem estandes bem elaborados ou aparato de um local destinado à essa venda. Ao longo das praias, há muitos vendedores sentados na orla, expondo seus trabalhos em mesas ou panos estendidos no chão, ou até passando na praia com os produtos para apresentá-los aos banhistas.
A variedade surpreende. Muitos tipos de obras e expressões artísticas estão presentes, como quadros, pulseiras, roupas, colares, móveis, calçados, brinquedos, material escolar, comidas típicas, entre tantos outros. Ir a uma das feiras, ao contrário do que se pensa, passa longe de ser uma tour de repetição de venda dos mesmos produtos. Cada estande tem seu diferencial, e cada artista apresenta sua arte de forma única e singular. Há espaço para tudo. O público se impressionou ao deparar, na feira temporária, com um artista inusitado, que desenha, em tempo real, uma pintura em forma de cartoon de quem deseja comprar seu trabalho.
Nas duas visitas, percebi diferenças entre elas. Num dia fui durante o período da manhã e permaneci até o início da tarde, e no outro fui no período da noite, ambas em época de férias – no mês de julho. Sem dúvidas, minha experiência evidenciou muito mais visitantes, tanto nas feiras quanto na orla, no período da noite, e – principalmente nas feiras – havia grande incidência de turistas. Durante as caminhadas, conversei com alguns vendedores, produtores e turistas. Essas entrevistas irão ilustrar as nuances da profissão desses artistas de praia – na maioria artesãos –, mostrando como ela realmente funciona e suas dificuldades, em que cada entrevistado apresenta uma visão particular sobre as vivências que tiveram ao longo dos anos de exercício. Não foi presente muito padrão entre os depoimentos, o que representa um pouco do trabalho que eles fazem: variado e singular.
Na primeira visita à feira Artesanato Mundial: Arte, Cultura e Lazer, durante o período noturno, um homem chamava a atenção. Ele estava bordando em um grande tecido, muito colorido, chamado renda filé. Edivaldo, 41 anos, trabalha há três anos com a produção de filé. Filé é um tipo de bordado, e, segundo o Instituto de Bordado Filé de Alagoas, “considera-se ‘bordado’ todos os trabalhos exercidos por meio de uma agulha sobre qualquer tipo de suporte pré-existente”. O diferencial do filé, segundo o mesmo instituto, é o fato de ele ser “executado sobre uma superfície de fios tramados e não sobre um tecido já constituído”.
O trabalho que o homem fazia com suas agulhas era grande e detalhado, o que demandava paciência durante a produção para que o resultado desejado fosse adquirido. Ele afirmou que demorava cerca de dez dias para que ficasse pronto, cinco para cada um dos lados.
Edivaldo, contrariando o senso comum, acredita que muitos nativos da terra compram artesanato e que engana-se quem acha que somente turistas apreciam e consomem esse tipo de arte. Além disso, ele comenta sobre as dificuldades da profissão, em que uma das maiores é obter material necessário para bordar. Na visão dele, Maceió em específico é um local desfavorável nesse quesito. Cidades vizinhas, como Aracaju e Caruaru, apresentam melhores estruturas. A entrevista com o artesão terminou com uma conversa sobre amor à profissão e realização pessoal, o que gera uma libertação de amarras sociais. Ele citou que tem a formação de chef de cozinha, mas o que o encanta é o artesanato. “Amo o que faço. É muito gratificante quando a gente começa a fazer e, de uma rede, tira uma peça dessas (renda filé)”.
Fernanda estava sentada em seu estande tomando um café quando passei por lá. A senhora e outra mulher vendiam biquínis, camisetas, panos de prato, passadeiras – tudo feito à mão e com estampas coloridas e excêntricas. Ela comenta que começou fazendo croché há muitos anos atrás e, até hoje, ama a profissão. Ela faz tudo sozinha, numa rotina diária de produção que ela diz já estar acostumada. Sobre os retornos financeiros desejados, a artesã aponta que depende da feira. A feira em que ela vendia no momento, na experiência dela, estava “mais ou menos. Não vou dizer que está ruim, mas também não está boa. Feira boa mesmo é em janeiro”. O mês citado coincide com o período de férias, no qual muitas famílias viajam. E, na vivência de Fernanda, são os turistas que mais compram seus produtos.
A artesã também aponta que há apoio do governo em certas ocasiões. A prefeitura participa num apoio a feiras locais que acontecem fora do ambiente praiano, como em shoppings ou em praças, a exemplo da Praça Lions, uma das mais famosas na capital alagoana. Fernanda também monta seu estande nesses casos.
Os produtos que o terceiro entrevistado vendia na Artesanato Mundial: Arte, Cultura e Lazer eram exorbitantes e logo me chamaram a atenção. Segundo o próprio vendedor, Diógenes de Almeida, “o trabalho é de mosaico em pastilha de vidro, mas a artista se movimenta sobre tudo quanto é possibilidade de arte: barro, resina”. Sim, a artista. Sua esposa que produz o trabalho que ele apresenta. Lá estavam expostos quadros, cadeiras, mesas, xícaras – todos em mosaicos brilhantes, que se destacavam para os visitantes. Mostra o quão diversificado é o artesanato, assumindo formas pouco convencionais mas sem perder sua essência.
O senhor, de 63 anos, aponta a falta de reconhecimento que há com artistas pela sociedade. Ele comenta que os nativos da cidade de Maceió não valorizam essa arte e quem realmente consome são os turistas, afirmando, também, que janeiro é o melhor mês em questão de lucros. Sua esposa tem uma rotina diária exaustiva de produção, trabalha dias e noites para que as peças sejam finalizadas. Ela também faz obras de grande porte, como santos, fundo de banheiros e a de mais destaque é o piso de uma capela de seis metros de diâmetro com mais de 1000 rosas que ela fez para Nossa Senhora de Guadalupe. Neste último, ela demorou quatro meses para terminar.
Após esses três depoimentos, saí dessa feira e fui em direção à outra. A impressão final foi que, apesar de não ter tantos estandes igual às mais famosas da cidade, a variedade nos produtos e artistas era grande e se caracterizava como seu diferencial. A segunda parada foi a Feirinha de Artesanato da Pajuçara, de vasta quantidade de vendedores e, proporcionalmente, de turistas que viam deslumbrantes o que estava exposto.
Júnior, de 24 anos, é de Araraquara, São Paulo, e passeava com a família na feirinha. Ele comentou que achou Maceió muito bonita, assim como o artesanato produzido nela. Ele se intitula admirador de arte e acredita que a produção é muito valorizada. Ao ser questionado se há muito descaso para com os artistas, ele afirmou que “as pessoas que fazem descaso, na verdade, são ignorantes. Mesmo que a pessoa não goste de todas as modalidades, como pintura, dança, de alguma ela deve gostar. Se a pessoa gostar só de dança, ela já é fã de arte”.
Ruthi, mãe do jovem, gostou da variedade, preços acessíveis e da criatividade. Ela também tocou num ponto pouco comentado: pessoas que compram as artes em cidades como Maceió e levam para revender em outros locais, geralmente onde não há um comércio forte de artesanato. Ela afirma ter uma prima que faz essa prática. Percebe-se que essas artes atingem muitos locais, talvez alguns que nem os próprios artesãos do litoral imaginam.
A Feirinha de Artesanato da Pajuçara atrai muitos turistas e é a que possui mais estandes das comentadas nessa reportagem. Em sua entrada, há a realização de shows populares, especialmente de expressões artísticas locais, como baião, forró e axé. É um grande expoente da cultura da região.
Outra forma de expressão e venda comum na capital é a dos artistas independentes que vendem na própria orla. Eles não têm seus estandes em feiras e vendem para os visitantantes que andam na orla, sejam eles turistas ou não. Esses artistas montam, de forma improvisada, seus meios de exposição, que vão desde canos com pulseiras em seu entorno até panos estendidos no chão.
Amaraline, de 23 anos, é uma dessas artistas. Ela vende em diversas praias famosas da cidade há quase um ano. A jovem divide as funções com o esposo, em que ela vende no período da noite e produz pulseiras, tornozeleiras e colares; ele vende durante o dia e produz brincos, que são feitos a partir de aço. Sobre o retorno financeiro, ela afirma ser satisfatório e brinca quando fala que até conseguiu comprar um “Golzinho 2016/2017” (referindo-se ao carro Gol) com os lucros adquiridos somente com o artesanato.
A artesã também comenta algumas questões polêmicas. Ela acredita que muitos, principalmente turistas, se sentem superiores ao trabalho que ela faz e não aceitam o valor que ela impõe nos produtos, acreditando ser caros. Porém, há também quem compra no valor auferido e ainda traz elogios e comentários positivos. Além disso, ela trata sobre o descaso do governo para com os artistas e com as praias da capital: “Não tem apoio não. Ele (o governo) não valoriza a praia. Vários turistas vêm aqui reclamando que a praia está cheia de lixo e eles (autoridades governamentais) nem sequer tomam uma atitude.”. Amaraline finaliza ao retificar a importância do trabalho que produz, já que mostra a cultura da cidade e do povo. Segundo ela, Maceió é conhecida por seu artesanato e esse, por sua vez, é bem nordestino.
Indubitavelmente, a maior feira de Maceió, em questão de estrutura, é o Pavilhão do Artesanato. Atualmente, ele conta com dois andares e o térreo, sendo o segundo uma academia e o primeiro uma mescla de estandes de vendas com um restaurante. A localização também é um fator importante, pois ele fica no início do bairro Pajuçara, um dos mais tradicionais da cidade. É um ponto que sempre aparece nas programações turísticas da região.
Dentro dele, há uma grande quantidade de vendedores e os mais variados produtos, apresentando todos já citados nessa reportagem. Visitei o local nos dois turnos, dia e noite. Durante o período da noite era, claramente, mais cheio e apresentavam-se dificuldades até para andar no local, devido à grande lotação. Foi só no segundo dia que fui na feira, já durante o dia, que consegui realizar entrevistas.
A primeira foi da Maria Aparecida Cabreira, uma turista de São Paulo. Ela achou as praias da capital belas e se deparou com preços satisfatórios nas feirinhas de artesanato que visitou. Para ela, “preservar o artesanato é uma questão de sobrevida, ou seja, todo povo que preserva seu artesanato preserva suas raízes, sua sobrevivência, os valores e a ética”. Ela acredita que o povo alagoano realiza essa preservação e também destaca sua “criatividade ímpar.” A mulher acredita que são os turistas que mais compram as artes.
Ao longo dos estandes, um deles me chamou a atenção pela diversidade de produtos dispostos num só quadrado. Era o da Sandra Maria Tavares, vendedora de souvenirs. Atualmente, ela já não produz tanto igual quando iniciou no artesanato, há cerca de 30 anos. Ela compra produtos de artesãos do interior que não têm onde expor e revende no Pavilhão. Ela afirma que a região de praia é ideal para a venda, já que é um local que atrai o turista que, na experiência dela, é o principal público comprador. A artesã afirma que o trabalho no Pavilhão se dá no dia todo, e não há horário específico que seja melhor para as vendas.
Para ela, “o povo daqui (Maceió) valoriza sim (o artesanato). Claro que tem gente daqui que conhece menos do que os que vêm de fora, mas não que não valorize. Talvez não tenham a oportunidade.”
Possivelmente, uma das causas para que não haja apreciação da cultura local por parte de alguns moradores parte da falta de incentivo à cultura e acesso à educação a que a maioria da população é submetida. Muitos nunca tiveram contato com esse tipo de arte, mesmo que tão próxima geograficamente. É sobre preservar a cultura local por questões de sobrevida e manutenção das raízes.
A entrevista com Sandra finaliza com seus comentários sobre a importância do artesanato na cultura local. Ela comenta sobre a geração de empregos que advém dessa arte e seu comércio e aponta sobre o poder de divulgar o artesanato da região, que, segundo ela, é muito rico e diversificado.
O artesanato e todas as formas de artes vendidas na praia em Maceió, e em outras cidades litorâneas, têm extrema importância na cultura local. Além disso, é uma das maiores fontes de riquezas para a região e se alia ao turismo. Outras vantagens também podem ser citadas, como a geração de empregos e a preservação da história local.
As entrevistas dos vendedores coletadas ao longo dessa reportagem demonstram a visão única que cada um dos artistas tem em relação a seu trabalho. As experiências de cada um são distintas, uma vez que eles se dispõem em locais diferentes, vendem produtos diferentes e têm vivências diferentes. Cada um tem sua história. Mas, para além das rotinas exaustivas, todos se unem por dois fatores, a realização profissional e a resistência cultural que eles constroem na cidade de Maceió.
Maravilhoso, valorização das nossa culturas.