A partir do momento que uma franquia tem mais de três protagonistas no mesmo longa, a briga de egos pode ser muito intensa e assim acabar com o ambiente de trabalho. E já que Vin Diesel domina a saga principal desde o quarto filme da série, nada melhor do que trazer um spin-off para agradar todos os envolvidos. Sendo assim, é nesse sentido que Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw (Fast and Furious Presents: Hobbs & Shaw, 2019) chega aos cinemas.
Já faz tempo que o ambiente agradável das disputas de rachas, tunning e curvas fechadas foi esquecido na série. A partir do quarto longa, os carros passaram a ser mero item a ser usado para sequências de ação cada vez mais mirabolantes e difíceis de acreditar. Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw continua com esse esquema e ainda tenta trazer o mesmo ar das questões familiares abordadas nos longas da série principal. Nesse caso, a família Toretto sai de cena e vemos mais sobre o passado dos familiares de Luke Hobbs (Dwayne Johnson) e de Deckard Shaw (Jason Statham). Com isso, há uma tentativa de fazer com que nos preocupemos com o resultado de cada ação dos protagonistas, já que isso pode afetar diretamente algum de seus parentes.
No entanto, esse esforço dramático fica nas entrelinhas, porque o que o longa quer mostrar é ação, porrada, explosões e muitos, muitos clichês. E esse clichês percorrem todas as camadas que se possa imaginar de um filme de ação: roteiro, posicionamento de câmeras e efeitos visuais.
No roteiro, vemos facilitações que fazem você duvidar que aquilo possa ter acontecido, como na sequência envolvendo um helicóptero e vários carros enfileirados. Aqui, não há tentativa e erro, o que os protagonistas tentam, eles conseguem. Mesmo que isso seja jogar uma corrente em direção a um helicóptero em movimento, e acertar exatamente o local necessário para o plano ser bem-sucedido ou existir um mecânico de carros capaz de reconstruir uma máquina avançada de extração de vírus.
Em determinados momentos, a câmera acaba fechando em closes que nos remetem aos clichês sexistas geralmente vistos em filmes de ação dos anos 1990, em que partes do corpo feminino são objetificadas, sem mais nem menos, apenas para mostrar que o longa tem muita testosterona envolvida. No entanto, quando o assunto é ação, as câmeras fazem um bom trabalho. E em uma das cena, ela está posicionada na parte superior de uma luta em meio a muita lama e chuva. Com esse posicionamento, a sensação que temos ao ver o desenrolar do embate é que as gotas de chuva estão saindo exatamente da câmera, o que dá efeito bem interessante à cena.

A narrativa em si tenta mostrar urgência em seus acontecimentos, mas ela é bem simples: existe uma organização extremamente poderosa que busca a evolução da humanidade através de sua própria extinção, especialmente ao substituir partes humanas por robóticas. Sendo o principal soldado dessa organização, temos Brixton (Idris Elba), um homem alterado geneticamente e capaz de fazer coisas que um humano comum não seria capaz, inclusive derrapar com o próprio pé, enquanto dirige sua motocicleta futurista. O plano dessa organização envolve soltar um vírus mortal que mataria milhões de pessoas. Já ouviu essa premissa em algum lugar? Pode acreditar que sim.
Os efeitos visuais são eficientes, mas você percebe que não há nenhum efeito prático em suas sequências, tudo bem superficial e fora da caixinha. Cada sequência de ação tem que ser superior a anterior, com mais explosões, mais balas, mais lutas e isso até o filme findar. Não chega a ser um Transformers (2007), mas existe muita informação em tela, e às vezes você fica perdido em meio à quantidade de caos envolvida na sequência.
Um pouco mais de praticidade, tal como a série John Wick (2014) mostra atualmente, faria muito bem ao contexto geral de Velozes e Furiosos e o mais estranho é que seu diretor, David Leitch, foi justamente um dos diretores do primeiro filme da série John Wick. Mas aqui, a ação inconsequente de Velozes e Furiosos fala mais alto, bem mais alto.
O que segura o filme é o carisma envolvendo seus protagonistas. Johnson e Statham podem não ser excelentes atores, mas se percebe o quanto eles gostam de fazer esses personagens. Isso chega ao espectador, fazendo-o se envolver mais facilmente à narrativa dos dois e não se preocupar tanto com a duração do filme, já que para alguns, as mais de duas horas podem ser maçantes.
Opostos no jeito de ser, no modo de se vestir, de se comportar, um completa o outro durante o longa, e isso proporciona boas cenas, seja de ação, ou algo mais cômico, quando ambos se ofendem. Aliás, existe uma camada de humor ácido no filme, provavelmente derivada de Deadpool 2 (2018), dirigida pelo mesmo diretor. As influências de Deadpool não param por aí, já que o próprio Ryan Reynolds participa do filme como um agente da CIA.
Há uma interessante homenagem às raízes samoanas de “The Rock”, em que vemos a dança tradicional de Samoa sendo executada antes da batalha final; em determinadas partes, a homenagem ultrapassa um pouco o limite do aceitável, e parece mais uma galhofa do que qualquer outra coisa. Mas a questão é essa: tudo relacionado a Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw é galhofa, e por não se levar tão a sério, o longa é mais honesto do que as últimas tentativas da série original.
Lotadas de referências a cultura pop, desde o final de Game of Thrones a golpes de roubo inspirados em nomes de bandas britânicas, Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw mantém a essência da série principal, e ao partir para um lado menos sério, nos transporta diretamente aos filmes de ação dos anos 1980/1990, uma época no qual só queríamos ver uma boa dupla de protagonistas quebrando tudo e um vilão com presença imponente, mas sem background algum.
O longa tem estreia prevista para o dia 1 de agosto no Brasil. Confira o trailer: