por Flávio Ismerim
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A Guerra da Bósnia é uma das maiores tragédias ocorridas no mundo desde a Segunda Guerra Mundial. O conflito deixou aproximadamente um milhão de pessoas sem lar, 275 mil mortos ou desaparecidos e 175 mil feridos. O clima de crise nos Bálcãs começou a se intensificar em 1991, quando a Eslovênia e a Croácia declararam independência da Iugoslávia. Por ser um Estado com população plural, a Bósnia-Herzegovina foi disputada pelos sérvios do regime iugoslavo e pelos croatas. Em meio a tanta tensão, a parcela muçulmana, predominante do território bósnio já em 1992, declarou independência, seguindo o resultado de plebiscito realizado naquele ano e a tendência dos países vizinhos.
O conflito teve início porque a parcela sérvia que vivia lá não ficou satisfeita com a independência, e foi financiada pelo governo iugoslavo. Bastante dramática, a guerra ficou marcada pelos artifícios dos quais lançou mão o regime do ditador Slobovan Milosevic, na tentativa de manter os bósnios sob seu poder. Durante o cerco de Sarajevo, foram construídos campos de concentração e efetivados assassinatos em massa sem a menor cobertura da imprensa internacional. As tropas e milícias sérvias invadiram até mesmo abrigos da missão de paz da ONU, buscando dizimar a população bósnia muçulmana.
É nesse cenário de desolação que se passa o filme Bem-vindo a Sarajevo (Welcome to Sarajevo, 1997), do britânico Michael Winterbottom, que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes daquele ano. Ele narra a luta do jornalista Michael (Stephen Dillane) para levar Emira, uma criança de um orfanato bósnio, para o exterior em meio ao genocídio cometido pelas forças sérvias. O nome do longa é uma relação direta com a frase “bem-vindos ao inferno”, lida por todos que chegavam a Sarajevo em 1992 nos muros e paredes que cercavam a cidade, noticia por todo o mundo. A trama do filme definitivamente não é tão rica quanto o seu plano de fundo.
Imagens documentais do conflito foram utilizadas para ajudar a compor a estética realista do filme, gravado meses depois na própria Sarajevo. Momentos icônicos da época também estiveram no filme, como o pedido de socorro veiculado durante o concurso Miss Sarajevo e o recital do violoncelista Vedran Smailovic, em plena guerra. São exatamente esses recursos que conferem realidade e exatidão ao filme, quase como em uma matéria jornalística.
A guerra e a função do jornalista
O filme também expõe o contraste entre a vida dos jornalistas, regados de mordomias e ajudas vindas do regime sérvio, e o cenário dramático de guerra civil que predominava em Sarajevo. Os limites éticos da profissão foram expostos e muitas vezes violados durante o conflito retratado pela obra de Winterbottom. O enredo do longa por si só já atravessa a fronteira do aceitável de acordo com os mais tradicionais: um jornalista conhece um orfanato e lá adota uma menina bósnia.
É motivo de questionamento há décadas a necessidade de afastamento e isenção entre o jornalista e seu objeto. Um exemplo claro é o caso do jornalista Kevin Carter, que fotografou uma criança africana sucumbindo diante de um abutre. Até que ponto é realmente crucial que o repórter não interfira na cena? Já no filme, a trama nos faz flutuar entre o concordar e o discordar, o compactuar e o questionar, de uma forma bastante simples, mas densa. Henderson mergulha emocionalmente naquele orfanato a ponto de construir novos aspectos para aquele conflito. O que é irônico, uma vez que boa parte da cobertura mundial sobre Sarajevo foi bastante fria e condescendente com o genocídio promovido pelos sérvios.