Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

45ª Mostra Internacional de SP | ‘Assim Como no Céu’

O filme de Tea Lindeburg aborda com sensibilidade a maturidade forçada da irmã mais velha de uma família na zona rural da Dinamarca

Há filmes que transportam para dentro de seus desdobramentos o telespectador  através do roteiro, das falas poéticas ou chocantes. Ele deposita a pessoa em frente à tela, ali, nos cantos da narrativa, participando e observando ao mesmo tempo. Outros, optam por fazê-lo por meio da trilha sonora, que empresta sentimentos a quem assiste e embala-os com notas musicais e batidas envolventes. Na obra dinamarquesa Assim Como No Céu (Du som er i himlen, 2021), a viagem para dentro da história acontece, essencialmente, por meio da fotografia: mesmo dois séculos depois do contexto em que os fatos se passam e dependendo das legendas para compreender o que as personagens falam, aquele que assiste ao longa na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo se perde entre as realidades fora e dentro da tela. 

Tea Lindeburg roteiriza e dirige a história de Lise (Flora Ofelia), a mais velha entre cinco irmãos e a primeira a frequentar a escola. A menina possui uma relação colorida e regada à gentileza e admiração com a mãe, Anna (Ida Cæcilie Rasmussen), em contraste com a hostilidade e desprezo que recebe do pai (Thure Lindhardt) em todos os momentos em que os dois contracenam — o progenitor não aceita que a garota opte por estudar e não se dedicar inteiramente a cuidar da casa. 

Com apenas 14 anos, os irmãos ainda contam com Lise para participar de suas brincadeiras, o que confere uma atmosfera de ingenuidade e simplicidade à Assim Como No Céu. Sensações essas que são pinceladas em todas as cenas, inclusive aquelas que retratam a paquera entre a menina e o rapaz que cuida da fazenda de sua família e o conflito entre ela e um garoto abandonado na propriedade vizinha.  

Tudo muda, entretanto, quando a mãe de Lise, grávida do sexto filho, entra em um doloroso trabalho de parto. O filme se passa nas 24 horas do dia em que ocorreram dois nascimentos simultâneos: do mais novo bebê da casa e, em paralelo, da nova realidade de Lise. Conforme a noite cai, a situação de Anna piora e o telespectador acompanha a agonia da primogênita ao perceber que teria que ocupar o lugar de mulher responsável pela família.

Em Assim Como No Céu, uma das simbologias que a chuva de sangue pode ter no longa é a morte da mãe. [Imagem: Divulgação/Motor]
Uma das simbologias que a chuva de sangue pode ter no longa é a morte da mãe. [Imagem: Divulgação/Motor]
O longa Assim Como No Céu foi batizado em uma clara referência à oração cristã, que pede que as coisas aconteçam na terra assim como ocorrem no céu. Os crucifixos, bíblias e terços participam de todos os cenários da obra, o que não impede que Lise se questione sobre sua religiosidade com a morte da mãe e tenha sonhos em que do céu escorre um triste sangue, ao contrário de uma relaxante chuva — metáfora que faz sentido no filme, uma vez que é por crer que Deus resolveria seu sangramento que Anna não aceita que um médico seja convocado. 

As violências sofridas pela protagonista são de diversos tipos e se apresentam em várias situações: o tapa na cara recebido pelo pai, a chantagem emocional realizada pelo garoto da fazenda vizinha, a responsabilidade depositada pela sociedade sobre ela para que cuidasse de seus irmãos, ao invés de seguir seu sonho de ir à escola, a imposição de sua família para que acreditasse em Deus e não sofresse pela morte de sua mãe, entre outras, mais ou menos sutis. Por elas, torna-se fácil se identificar e afeiçoar por Lise, principalmente ao perceber que, mesmo com dois séculos de história entre o contexto dos séculos XIX, a realidade da garota, e XXI, o mundo atual, as violências sofridas pelas mulheres não mudaram grandemente

Durante toda a narrativa, a câmera é posicionada próxima às personagens, de maneira instável e com a ajuda de um filtro, o que confere a sensação intimista e quase infantil para quem assiste à obra. Porém, assim que a vida de Lise muda, e, consequentemente, sua forma de enxergar o mundo também, a câmera é gradativamente colocada de forma quase panorâmica.

Em cena de Assim Como No Céu, Lise tem que ocupar o lugar da mãe na casa e abrir mão de seus sonhos [Imagem: Divulgação/Motor]
Lise tem que ocupar o lugar da mãe na casa e abrir mão de seus sonhos [Imagem: Divulgação/Motor]
Tea foi genial ao pesar os acontecimentos ruins na mesma medida em que a noite se estendia, dando a impressão, apesar dos poucos (83) minutos de filme, que a história se desdobra por muito mais tempo do que apenas aquelas vinte e quatro horas às quais o telespectador tem acesso. 

Assim Como No Céu é um vento de sensibilidade vindo diretamente da Dinamarca soprando na 45ª Mostra Internacional de São Paulo. Cabe aos telespectadores ficar, ou não, em céu aberto.  

Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/Motor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima