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Observatório | Corrida pela segurança: exílio de velocista olímpica desperta atenção para o regime de 27 anos em Belarus

Durante Olimpíadas, atleta belarussa atraiu holofotes às denúncias humanitárias do país, um ano após a sexta reeleição do presidente Aleksandr Lukashenko

No dia 2 de agosto, a atleta belarussa Krystsina Tsimanouskaya estava prestes a  competir em sua primeira Olimpíada, quando foi forçada a ir ao Aeroporto Internacional de Tóquio com o intuito de voltar à Belarus depois de haver desavenças com seus técnicos. A medida foi tomada após ela ter publicado, em suas redes sociais, sobre sua insatisfação em ter sido inscrita em uma prova para a qual não tinha se preparado. Com medo de ser presa ou internada em um hospital psiquiátrico, a velocista pediu ajuda a um funcionário do aeroporto japonês e conseguiu asilo na Polônia, onde recebeu um visto humanitário.

 

Belarus
A velocista Krystsina Tsimanouskaya, em entrevista à ESPN, após receber asilo humanitário na Polônia. [Imagem: Reprodução/Instagram/@espncaribbean]

 

O medo da atleta não é em vão. No início de junho, a televisão estatal belarussa divulgou um vídeo do jornalista de oposição Roman Protasevich chorando, com marcas de algemas no punho, admitindo ter participado da organização de “distúrbios civis” e se referindo ao presidente Aleksandr Lukashenko de forma oposta à que costumava fazer quando vivia em exílio na Lituânia  — “novo Hitler”. 

Essa é a terceira aparição pública do jovem desde que foi preso, em 23 de maio, junto à sua namorada, Sofia Sapega, quando o avião em que estavam foi forçado a pousar em Minsk, capital de Belarus. Desde então, ele não tem contato com a família e os vídeos são gravados em um quarto escuro, sem especificação de data. Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteira, Belarus se encontra na 158º posição de 180 no ranking de liberdade de imprensa.

Além de Protasevich, o diretor da ONG Casa Belarussa na Ucrânia, Vitali Shishov, que ajudava belarussos a fugirem para a Ucrânia, foi encontrado morto no dia 3 de agosto, um dia após a atleta Tsimanouskaya se refugiar na Polônia. 

 

Ponto de partida 

No poder desde 1994, ano em que Belarus — chamado “Bielorrússia” quando era um país soviético — conseguiu sua independência, Aleksandr Lukashenko governa um país marcado por inconstâncias, tendo sido dividido e invadido pela Alemanha no pós Segunda Guerra Mundial. Para Danielle Maiko, mestre em Relações Internacionais e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp, Belarus enfrentou uma grande dificuldade para se instituir como nação soberana, herdando a relação mutuamente hostil que tinha com o Ocidente no passado socialista.

“É uma nação que foi dividida e ocupada pela Alemanha nazista, tem uma memória traumatizada do Ocidente. Há um receio de que, se abrindo aos valores ocidentais, a consistência estatal seja ameaçada. Os líderes fortes são os ícones da população, figuras que estão ao lado do povo e lutam pela unificação estatal”, diz a pesquisadora.

Essa aversão ao Ocidente começou a se agravar com as Revoluções Coloridas – uma série de manifestações que, no início deste século, culminaram na substituição de governos ex-soviéticos por lideranças pró-Ocidente. Após esse período, Belarus se distanciou das nações vizinhas pela conservação político-ideológica e, com a recente crise ucraniana, conflito pela área influente entre o governo de Putin e a União Europeia, a aliança entre Rússia e Belarus se tornou ainda mais forte. A posição anti-ocidental de Putin e a dependência belarussa do petróleo russo potencializam a influência do governo de Moscou. Desde os anos 2000, observadores internacionais não consideram justas as eleições no país.

Belarus
O atual presidente de Belarus, Alexandr Lukashenko. [Imagem: Flickr/Secretaria de Comunicação do Equador]

 

Percurso político

Nesta segunda (9), Lukashenko celebrou um ano de sua quinta reeleição à presidência de Belarus e seus 27 anos no poder, afirmando a legitimidade de sua vitória  em contraste às constantes manifestações que acusam seu governo de manipular as eleições. De acordo com o portal Observador, todos os líderes da oposição encontram-se detidos ou exilados. Após sua vitória, a candidata de oposição Svetlana Tikhanovskaia viu necessidade de retirar-se do país e buscar asilo na Lituânia com seus dois filhos. Ela, que não tinha qualquer experiência política, lançou candidatura após a prisão de seu marido, anteriormente candidato oposicionista. Também atribui-se a Lukashenko a supressão de mais duas candidaturas à presidência e a recente prisão do quarto colocado nas eleições, Andrei Dmitriev, detido na quinta (12). Além da prisão de candidatos políticos, a advogada Natália Denisova também foi detida ao tentar averiguar o processo eleitoral e, em poucos dias, registrou fraudes.  Em entrevista à BBC, ela conta sobre como foi torturada psicologicamente e viu os horrores vivenciados pelos presos.

Há um ano, as ruas belarussas foram tomadas por protestos contra o presidente. Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), caracterizou-os como “as maiores manifestações da história da ex-república soviética”. Contudo, após intensas repressões policiais, com aproximadamente 6,7 mil prisões, segundo a BBC, as manifestações têm ocorrido majoritariamente fora de território belarusso, em países que abrigam seus exilados, como a Ucrânia, a Lituânia e a Letônia. Para o professor da UERJ, o desgaste populacional dos quase 30 anos de governo de Lukashenko proporcionaram os recentes protestos massivos.


Protestos por Belarus em Varsóvia, na Polônia, em 2020. [Imagem: Flickr/Grzegorz Żukowski]

 

À margem dos páreos

Sendo o último território europeu a manter a pena de morte, Belarus é frequentemente referenciada como “a última ditadura da Europa”. As denúncias de violação aos direitos humanos no país vêm crescendo, embora Lukashenko negue todas as acusações.

 Em nota liberada no dia 9, a ONG Anistia Internacional aponta que, desde as eleições de 2020, cerca de 30 mil pessoas foram detidas e tiveram sua liberdade de expressão violada, além de alegarem a tortura de centenas de manifestantes. O presidente afirma que todas as suas atitudes são para proteger o país contra opositores que almejam tirá-lo do poder e instaurar o caos.

 Diante disso, Danielle Makio, afirma que Belarus pode ser caracterizada como uma democracia iliberal. Assim, o termo designa toda a aparência de um regime democrático, como a presença de eleições regulares e de partidos políticos,  enquanto, na realidade, essa democracia não é plena e esconde uma série de violências simbólicas contra os cidadãos. Por outro lado, para Maurício Santoro, “Aleksandr Lukashenko pode ser considerado ditador e, seu regime, autoritário”. 

Ativista belarussa em protesto, em 2020. [Imagem: Flickr/Michał Witkowski]

 

 Com as crescentes denúncias de violações aos direitos humanos, enquanto Lukashenko celebrava seu poder, na última segunda-feira, os governos norte-americano, canadense e da União Europeia ampliaram sanções econômicas contra o país, afetando, principalmente, a exportação de petróleo. Segundo Santoro, as sanções aproximam ainda mais Rússia e Belarus — o “satélite russo”, com suas palavras — , uma vez que, pressionado pelo Ocidente, o país encontra apoio e reafirma sua dependência russa. Fato similar foi visto durante a crise ucraniana em que a Rússia, alvo de sanções ocidentais, se aproximou da China.

De acordo com a Anistia Internacional, após o caso da velocista Tsimanouskaya, diversos atletas denunciaram o silenciamento e a repressão de suas vozes no meio esportivo pelo controle do próprio presidente, que reconhece a importância social do esporte para o país. Krystsina, segura na Polônia, afirma que não havia se pronunciado sobre a situação política do país por vê-lo separado do esporte. “Nunca tive a intenção de me envolver politicamente, apenas competir”, conta ela em entrevista à BBC. Para a pesquisadora Danielle Makio, no entanto, em um regime tão ambíguo quanto o de Belarus, torna-se cada vez mais difícil separar qualquer setor da política, haja vista a interferência generalizada e direta das ações de Lukashenko na vida dos cidadãos. “Tudo é política. É preciso levar tudo para a luta”, afirma Makio.

 

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