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Para virar a página do machismo

Por Larissa Lopes (larissaflopesjor@gmail.com) Apesar de negarem o evidente desgaste editorial, as empresas jornalísticas buscam outros meios de se sustentar. Segundo Instituto Verificador de Comunicação (IVC), 2014 registrou quedas consideráveis na circulação de impressos: a média diária de jornais pagos diminuiu 8,9%, as revistas assinadas, 9,6% e as avulsas, 19,8%. A metamorfose do calhamaço para os eletrônicos …

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Por Larissa Lopes (larissaflopesjor@gmail.com)

Apesar de negarem o evidente desgaste editorial, as empresas jornalísticas buscam outros meios de se sustentar. Segundo Instituto Verificador de Comunicação (IVC), 2014 registrou quedas consideráveis na circulação de impressos: a média diária de jornais pagos diminuiu 8,9%, as revistas assinadas, 9,6% e as avulsas, 19,8%. A metamorfose do calhamaço para os eletrônicos do leitor não é suficiente para a atenuar a crise. No caso das revistas femininas, nota-se que muito se deve ao descontentamento do público alvo, que tem migrado para plataformas mais identitárias, como as novas revistas online feministas, e tem feito as grandes mídias repensarem ou moderarem seu discurso.

Recentemente, a teen Capricho foi retirada das bancas e agora sobrevive em formato online. Nos últimos anos, tem se tornado frequente a contestação aos conteúdos machistas em revistas adolescentes, visto que, num portal no qual a jovem deveria encontrar suporte para amadurecer e empoderar-se, ela se depara com mais condições para se encaixar à idealização de mulher. Buscando fugir desse estigma, a Elle aproveitou a comemoração dos 27 anos para reinventar sua imagem como uma revista mais próxima da realidade de sua leitora através do editorial Love-se e a campanha #VocêNaCapa.

Acompanhando a progressão do feminismo nas ruas (veja nossa galeria da Marcha das Vadias) e nas páginas da internet, conversamos com a jornalista Nana Queiroz, diretora executiva do projeto jornalístico AzMina, e a graduanda de Letras Clara Browne, editora geral da revista teen online Capitolina, sobre os diferenciais que essas publicações oferecem ao mercado editorial aparentemente estagnado e anacrônico.

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Instalada na Avenida Paulista, câmera em ponto de ônibus faz parte da campanha publicitária para democratizar os flashes. (Fotos: Elle Brasil)

Das revistas femininas ao feminismo

Entre 1827 e 1828, circulava com as mulheres da corte brasileira a primeira revista feminina do país: O Espelho Diamantino. Escrita por homens, com design gráfico semelhante ao de um livro e com algumas matérias em francês, ela visava instruir e entreter as senhoras sobre política, arte e moda. Outras revistas de mesmo caráter como O Mentor das BrasileirasO Manual das Brasileiras e O Espelho das Brasileiras, conforme propõem os títulos, doutrinavam as leitoras de acordo com as expectativas masculinas. Enquanto isso, revistas feministas eram clandestinamente publicadas e, por causa da ferrenha crítica por parte dos conservadores, nunca vingaram grande público ou visibilidade social.

Não houve mudança significativa na primeira metade do século seguinte. A seção gastronômica da Revista Feminina (1914-1936) se chamava O menu do meu marido; o Jornal das Moças (1914-1965) formulava mandamentos para manter o casamento (“A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa”, 1945). “O fato é, nem tudo era melhor, mais simples ou mais civilizado para todo mundo no passado”, relembra a equipe da Life Magazine sobre uma matéria da própria revista, na edição de fevereiro de 1937, que ilustrava técnicas de como se despir para evitar o divórcio.

Já na segunda metade, a Editora Abril criou as marcas Manequim, Capricho, Cláudia e Nova, que foi pioneira em discutir a liberdade sexual da mulher. Na calada da ditadura militar, o feminismo, tabu até entre as esquerdas, prosperou numa vertente própria da imprensa alternativa que acarretou maior independência e responsabilidade do movimento sobre a representação de suas bandeiras. Os jornais feministas Brasil Mulher e Nós Mulheres surgiram em 1976 para se contrapor à imprensa hegemônica, ímpeto que vem ressurgindo pela insatisfação do público feminino com reportagens coercivas e machistas.

Não me Kahlo

https://www.youtube.com/watch?v=ACo1ExYl7RA

A edição comemorativa da Elle despertou entusiasmo e algumas aprovações ressabiadas sobre a legitimidade do novo ciclo discursivo da revista. “Particularmente, a primeira edição com a capa espelhada foi algo que me incomodou um pouco. Porque na internet eles jogaram a capa da Ju Romano – que ficou incrível – mas eu não senti coragem de colocarem na revista física. Todo o resto da revista continuou igual. É uma pequena mudança, é bom ter essa mudança e é bom que continue assim, mas, se não for pra frente, é só jogada de marketing e daí vale de quê?” questiona Clara Browne, editora da Capitolina.

Para Nana Queiroz do projeto AzMina – Mulheres de A a Z, não é possível desenvolver jornalismo associando-se ao anunciante. Em 2014, Queiroz criou o protesto Eu Não Mereço Ser Estuprada em virtude do resultado da pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que revelou que a maioria da população brasileira culpabiliza as vítimas de estupro por usarem roupas curtas. A campanha repercutiu entre milhares de internautas, artistas e jornais internacionais como o The Huffington Post, o que fez Nana perceber a necessidade de criar uma forma mais madura e crítica de jornalismo feminino.

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Protesto de Nana Queiroz em Brasília que reverberou contra a cultura do estupro. (Foto: Nana Queiroz)

Ajusto-me a mim, não ao mundo

“Basta parar na primeira banca de esquina para ver: as revistas femininas não são feitas para mulheres reais. Elas fazem com que as leitoras se sintam feias, antiquadas e presas no corpo errado. Tampouco falam sobre assuntos que contemplem todos os tipos de mulheres e sua imensa variedade de preferências”, observa o texto de divulgação d’AzMina. Inspirada na Agência Pública, o projeto de jornalismo investigativo independente será financiado com as doações das leitoras, não havendo a retroalimentação e dependência entre publicidade e conteúdo como há em revistas comerciais. “Você é a nossa patroa!”.

A revista se organizará mensalmente, liberando o conteúdo aos poucos, sendo composta por reportagens ambientais, sobre moda, finanças, análises sobre as principais notícias relacionadas a questão de gênero, colunas de representatividade e histórias em quadrinhos com Lívia Carvalho, ilustradora da Menina Não Pode sobre cotidiano, e Gabriela Masson, da Garota Siririca sobre educação sexual. A comunidade LGBT será contemplada por Tamyris Rodrigues e Luisa Marilac, a maternidade terá visão atualizada por Carolina Vicentin e o feminismo será discutido também com o programador Rafael Tosta, que se considera “um macho em desconstrução”. “O feminismo é um reino das mulheres, mas também deve ser dialogado com homens”, a revista segue a vertente interseccional, por isso acredita que a diplomacia seja um importante meio de difusão do movimento.

O maior desafio do projeto promete ser o ensaio de moda mensal que, apesar do amplo leque de musas – toda mulher! -, será restrito à marcas que honrem a bandeira ecológica e não se utilizem de trabalho escravo, além de ser acessível a todos os bolsos.

Olhos de cigana oblíqua e dissimulada

“A gente surgiu discutindo os problemas das revistas adolescentes, mas a partir disso nós criamos uma identidade muito própria. O que nós sentimos falta? É esse caminho que a gente segue. Temos garotas que se importam com o público adolescente, que estão próximas desse assunto e que não o subestimam, que é o que acontece na maioria das revistas. Adolescente entende as coisas, fala sobre várias coisas e, afinal de contas, quem está na frente da nossa militância são as jovens. Pessoas que subestimam essa fase acabam achando que a Capitolina não é [uma revista teen] e realmente, como não subestima, todo mundo pode ler”, comenta Clara Browne, a editora geral da Capitolina em São Paulo.

A revista, também mensal e de publicação gradativa, segue diretrizes claras e simples: “sem machismo, elitismo, racismo, transfobia, gordofobia”. Destinada ao público feminino e não-binário, os temas abordados vão bem além de celebridades e beleza. Universo, linguagem, poder, começo e identidade, família, sonhos, movimentos já foram alguns pontos de partida para a produção jornalística colaborativa e para a produção do livro que será lançado pela Editora Seguinte, selo da Companhia das Letras. “Como somos em quase 80 meninas, tem muita boca pra falar [risos]”.

Para expandir – afinal, Capitolina era também a loba que amamentou os fundadores de Roma, o maior império da história -, a magazine pretende abrir três novas editorias e modificar o layout do site, deixá-lo mais intuitivo, no próximo ano de publicações.

Piquenique 1 ano - SP
“Mais do que qualquer coisa, nós somos irmãs” costuma dizer a colaboradora Maria Clara. (Foto: Capitolina)

We can do it

No final de junho, AzMina conseguiu arrecadar os 50 mil reais para realizar sua primeira edição – os gastos previstos estão computados em um gráfico desse crowdfunding. “Não temos palavras para dizer o quanto estamos agradecidas e o quanto sentimos a responsabilidade de pagar a vocês esta dívida com uma revista da buceta! Cada centavo a mais já garante que [a revista] terá continuidade enquanto nos viramos nos 30 para conquistar captação num mercado seco”.

A Capitolina também atingiu a meta da arrecadação antes da data estipulada, o que reafirma o parecer de Nana Queiroz sobre o mercado e a avidez feminina por um conteúdo amadurecido e autêntico, produto do jornalismo independente e colaborativo.

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