Apesar de ter evoluído em oportunidades durante os últimos anos, o Brasil ainda não possui o cenário mais amigável para aqueles que escolhem viver de arte. Com a desvalorização constante da ocupação artística e ataques do governo aos incentivos culturais, organizações da área, artistas independentes e outras instituições, que têm a arte como principal objetivo, são impactados pela instabilidade e pelo preconceito.
Como o governo atual enxerga a arte?
A extinção do Ministério da Cultura, criado em 15 de março de 1985, não é a única atitude que demonstra qual a postura do Governo sobre a arte e a cultura no Brasil. A ANCINE – Agência Nacional do Cinema – , que é de extrema importância para o desenvolvimento de diversos projetos audiovisuais em território nacional, também foi ameaçada de desmonte e chegou a desocupar um andar inteiro da antiga sede no Rio de Janeiro, que ficou fechada por um período de tempo. Ao final, a sede foi transferida para Brasília, e a Agência não foi extinta. Com a paralisação, diversos projetos não conseguiram a ajuda financeira prevista pelos editais, o que deixou as produções audiovisuais à própria sorte, precisando buscar outras alternativas para conseguir o apoio financeiro necessário.
Após a formalização da Secretaria da Cultura como parte do Ministério do turismo, a gestão da secretaria passou por diversos nomes, dentre eles alguns que protagonizaram ações problemáticas. O primeiro a ocupar o cargo foi Henrique Pires, que se desligou da posição após a tentativa externa de veto de editais que apoiavam projetos com temáticas LGBT. Em declarações para jornais, como a Folha de S.Paulo, Pires contou que não admitia a censura e que essa não era a primeira tentativa do governo de tentar impô-la. Assim, a essência da arte – de expressar opiniões por meio de manifestações culturais – corre perigo no território brasileiro.
Roberto Alvim assumiu a posicao de Secretário Especial da da Cultura de 7 de novembro de 2019 a 17 de janeiro de 2020, quando foi demitido após a divulgação de um pronunciamento no qual partes do seu discurso remetiam às falas de Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista, que teve grande participação na propagação dos ideais fascistas do governo alemão na época. Alvim foi sucedido, então, pela atriz Regina Duarte, que assumiu em 4 março e o deixou cerca de dois meses depois com intenção de assumir a Cinemateca Brasileira – plano que não foi colocado em prática – marcando sua breve gestão com um discurso de minimização da ditadura em uma entrevista à CNN. Hoje a Secretaria Especial da Cultura conta com seu quinto secretário, Mário Frias.
A visão do artista brasileiro
Com o cenário da cultura no Brasil sendo minado cada vez mais, os artistas sofrem com a fragilidade da área e a falta de incentivo. Por isso, ao não conseguir se manter somente com a arte, buscam, por outras vias, complementar sua renda. Professora e bailarina formada pelo Teatro Municipal de São Paulo, Letícia Leal conta que, apesar de ter conseguido se manter só da arte, já pensou em conseguir uma profissão paralela por cobranças externas – de amigos e familiares – e pela instabilidade.
[Imagem: Acervo pessoal/Letícia Leal]
Além disso, alguns artistas em início de carreira optam pela estratégia de trabalhar por um preço muito abaixo do esperado – e muitas vezes até de graça – para conquistar um público. “Trabalhar com arte é muito visceral, suas entranhas pedem para você fazer aquilo. Quando você não consegue fazer arte de jeito nenhum e aí aparece uma oportunidade, seu corpo pede para você fazer e as pessoas se aproveitam disso”, conta a professora.
Letícia faz ballet desde os 4 anos e, alguns anos mais tarde, teve a oportunidade de estudar, gratuitamente, na escola do Teatro Municipal de São Paulo. Além do ballet clássico, a escola possuía na grade outras modalidades como a dança contemporânea e o ballet moderno. A instituição proporciona um ensino artístico gratuito e de qualidade, mas que nem todos os municípios possuem, assim, aqueles que se interessam precisam ter recursos disponíveis para conseguir pagar uma escola de formação, que muitas vezes está longe de ser acessível.
Além disso, a incompreensão pela escolha da profissão está presente na vida de muitos que optam pela ocupação artística. Letícia conta que, muitas vezes, amigos e alguns familiares não foram compreensivos quando se trata da sua profissão e não entendem sua dedicação e escolha por trilhar o caminho da arte.
Já para Robson Lourenço, bailarino e professor do Teatro Municipal de São Paulo, a maior dificuldade que ele teve durante sua formação foi a apresentação tardia da possibilidade de dançar. “Não acho que atrapalhou, mas poderia ter alavancado ainda mais possibilidades”. Robson conta também que precisou identificar sozinho as lacunas em sua formação e buscar referências para cobrí-las de forma autônoma. Ele confirma que para os meninos a possibilidade de dançar ballet sempre foi apresentado mais tarde, e que, apesar de nos últimos anos essa opção estar se apresentando mais cedo, ainda existe um atraso que pode prejudicar os bailarinos, já que para o ballet, quanto mais cedo se inicia, melhor o desempenho.
Robson era funcionário de um banco quando começou sua carreira artística, e manteve as duas funções por um tempo até que seu trabalho com a arte pudesse cobrir sozinho os dois salários. Mas o bailarino afirma que sua família sentiu certa apreensão no início: “muito receio do meu futuro naquele momento, de como é que eu ia organizar o meu futuro. E principalmente financeiramente, né? O medo era a instabilidade do trabalho de um artista.” A história de Robson se repete em famílias ao redor do Brasil, que temem a inconstância e a imprevisibilidade do futuro dos que seguem a arte.
Mas e o público? Eles reconhecem o valor da arte?
Para alguns é difícil até mesmo ter acesso a ela. É complexo entender como a população brasileira enxerga a arte quando uma grande parcela não consegue alcançar as produções artísticas e culturais. Segundo uma pesquisa de 2013 do extinto Ministério da Cultura, 75% dos brasileiros ou não frequentam ou nunca foram a um museu. E, apesar da grande concentração de produções em determinadas regiões, como São Paulo e Rio de Janeiro, cidades de outros estados muitas vezes não têm nenhum acervo disponível. Dados de 2010, que constam em uma pesquisa do IPHAN, afirmam que 72,3% dos municípios brasileiros não apresentam nenhum acervo, enquanto 70% das cidades do Rio confirmam tê-los.
A Rede Nossa São Paulo constatou que 41% dos entrevistados para sua pesquisa afirmaram que o motivo pelo qual não frequentam atividades culturais é o preço. Apesar disso, a cidade oferece atrações culturais gratuitas, como o próprio Museu de Arte de São Paulo, que possui entrada franca às terças feiras, além de atrações como a Virada Cultural, que acontece no Vale do Anhangabaú, próxima ao centro da cidade, e utiliza as ruas como palco.
[Imagem: Reprodução/Virada Cultural 2020/@lostart]
A falta de acesso à cultura pode influenciar em como a arte está situada no imaginário brasileiro. Como valorizar aquilo que não se conhece? A migração de muitos artistas para cidades como São Paulo em busca de mais oportunidades no meio demonstra que o acesso à arte, que é mais abrangente nesta capital, é uma maneira de incentivar a valorização dos trabalhos relacionados à arte. A Av. Paulista, símbolo da concentração da cultura paulista, pode estar há algumas estações de metrô de certos bairros, mas está muito mais distante quando se trata de possibilidade de acesso.