Na quinta-feira de Bienal, já encontramos os corredores mais cheios, e ninguém demora a descobrir o porquê: na capa do programa do dia, encontramos um dos rostos mais influentes do Brasil, em especial para os adolescentes – a youtuber Kéfera. A primeira palestra que assisto não é a dela – que ocorre no Espaço BNDES, o maior do evento – mas os gritos da plateia podem ser escutados de qualquer ponto do Anhembi, tamanha euforia.
Em meio a uma prova concreta do poder dos youtubers, ocorre a palestra “O que querem as crianças leitoras?”, contando com três autoras de literatura infantil: Regina Drummond, Silvana Salerno, Anna Claudia Ramos e a professora universitária Juliana Loyola, na mediação. Sua conversa foca na prepotência do adulto – quem produz, compra e indica livros às crianças – em acreditar saber o que a criança quer, geralmente se baseando num ideal infantil que não existe. “Não podemos esquecer que criança tem tristeza, alegria… Precisamos parar de achar que nossa concepção das coisas é a da criança” diz Regina, lembrando que uma de suas histórias favoritas na infância era justamente uma notoriamente triste: A menina dos fósforos.
“Todo escritor tem que manter viva a criança dentro de nós” disse Silvana, quando questionada sobre o que é necessário para criar um livro bom para as crianças. Regina ecoou a fala: “tem um espaço dentro de mim que nunca envelheceu”, e seguiu dando destaque para como crescer numa família leitora, que tinha livros como pauta de conversa – seu caso – é importante para a inserção da leitura no dia a dia da criança. Elas também ressaltaram a importância de sua introversão como crianças para a criatividade “esse momento de quietude, de entrar pra dentro de você, é muito criativo”, pontuou Silvana.
Quando a dominância de livros escritos por adolescentes e, principalmente, youtubers nos lançamentos da Bienal foi trazida à tona, Regina propôs a seguinte visão “O que um youtuber escreve pode não transformar tanto, mas é uma porta de entrada. Só podemos perguntar o que quer uma criança leitora a partir do pressuposto que ela seja leitora”, finalizou.
Logo em seguida, aconteceu a mesa de bate-papo “Quem é o tradutor?”, no espaço de palestras do Sesc. Contando com três tradutores de tempos e áreas de experiência diversos – Érico Assis, Mamede Jarouche e Sérgio Molina – e mediação de Daniel Gil Lopes, apresentador e editor do site Pipoca e Nanquim; a mesa cobriu três eixos principais da profissão: os desafios e método da tradução, a trajetória pessoal de cada um deles no campo e as questões de pagamento e direitos autorais no campo.
Érico é o tradutor mais recente da mesa, com nove anos de experiência, e teve como formação original o jornalismo. Sua porta de entrada no universo da tradução foi seu interesse em quadrinhos, que lhe rendeu um convite de consultoria para uma editora. A curiosidadepela prática veio antes: “a vontade de traduzir começou quando peguei um gibi do Spiderman e tentei entender o que estava escrito ali, porque eu descobri que os gibis aqui no Brasil saiam com quatro ou cinco anos de atraso. Percebi que se lesse em inglês, saberia o futuro.”
Sérgio, que passou anos traduzindo em conjunto com sua esposa, Rubia Prates Goldoni, disse de partida que “o melhor jeito de traduzir é em dupla, apesar de ser o pior pro bolso”. O tradutor tem uma extensa trajetória pelo campo e tem nele sua principal atividade profissional – ele já traduziu mais de 90 títulos – e criticou fortemente a forma com que a maior parte dos contratos de tradução são firmados no Brasil. Aqui, as opções de vender a tradução por lauda – sendo esta uma unidade de medida que representa cerca de 2000 palavras, a qual é atribuído um valor – e escolher ter parte dos direitos autorais e, portanto, receber de acordo com as vendas, são apresentadas como mutuamente excludentes, quando o correto – praticado em outros países – seria recompensar o tradutor de ambas maneiras.
Mamede, cuja principal ocupação é sua carreira docente na Universidade de São Paulo, entrou nesta mesma questão: experiente em traduções do árabe, ele lamentou o fato de contratos firmados com base em lauda envolverem a cessão de direitos à editora, que pode optar ou não por republicar determinados trabalhos – decisão ainda mais delicada quando se trata de títulos não requisitados pelo mercado editoral, demasiadamente centrado, assim como toda a indústria cultural, em produções de língua inglesa. “Ao vender a lauda, corremos o risco de ver nosso livro nunca mais reeditado” disse “mas a literatura árabe não é comercial, então acaba valendo mais a pena”. Como resolução para o conflito dos direitos autorais, eles citaram o exemplo de alguns autores que exigem nos contratos que parte de seus direitos sejam cedidos aos tradutores.
Todos ressaltaram a importância da vivência da língua da qual se traduz (saída) e, principalmente, para a qual se está traduzindo (chegada). Quando traduzem do português para alguma língua estrangeira, todos reportaram já terem pedido para nativos do idioma revisarem; e citaram como dificuldade – principalmente no árabe – de ter noção do efeito estético das palavras traduzidas.
Por Bárbara Reis
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