Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Tendo como plano de fundo o contexto da Segunda Guerra Mundial, Um judeu deve morrer (Un Juif Pour L’Exemple, 2016) é um representante suíço que participa da 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Retratando histórias desse período, o filme aposta em muitas cenas chocantes e é fiel ao mostrar o comportamento cruel de apoiadores do nazismo alemão.
O filme é uma adaptação do romance do escritor suíço Jacques Chessex, Un Juif pour l’exemple (2008). A história é baseada em acontecimentos durante a infância do autor e que marcaram sua vida. O cenário é a pacata cidade de Payerne, Suíça, no ano 1942. Um grupo de mecânicos de uma oficina, juntamente ao seu chefe, são devotos das ideologias de Adolf Hitler. Os homens sonham e aguardam ansiosamente que um dia o Führer tome o poder de seu país e assim, tenham ele como líder oficial.
Nessa completa obsessão, são vários os momentos em que glorificam o chefe de estado alemão com várias saudações “Heil Hitler”. Essa adoração, literalmente, é levada ao extremo em um momento específico do filme, em que todos se reúnem à noite ao redor de uma fogueira (como em um ritual, ou um culto) para ouvir atentamente um dos discursos de seu mestre. Por conta dessa devoção, o grupo começa a planejar um assassinato de um judeu qualquer para que, dessa forma, consigam agradar Hitler.
Assim como a temática do filme choca, suas cenas também não passam despercebidas nesse quesito. São muitos os momentos em que o filme provoca expressões de agonia no espectador. Corpos de animais sendo jogados em valas, humanos sendo tratados de forma grotesca e sanguinolenta. São tantos os choques expostos, que a cena em que personagens praticam BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão e sadomasoquismo) – uma prática que pode ser considerada desconfortável aos olhos de alguns – acabam tornando-se neutras. A organização das cenas foi feita para mostrar um contraste das cenas perturbadoras com outras de campos tranquilos e silenciosos.
Além da história do passado, o filme é interrompido diversas vezes por flashes do presente, com o autor Chessex dando entrevistas, e ouvindo inúmeras críticas sobre o seu trabalho e seu livro em questão. Em alguns momentos, essa mistura acaba causando confusão na linha do tempo, e até mesmo a extrapola, quando vemos o autor na sua velhice presente em uma cena do período de sua infância.
Apesar da proposta interessante, Um judeu deve morrer peca por conta da monotonia de seus 73 minutos. O tom só é quebrado nos pequenos momentos, como cenas de ação, ou mesmo, as cenas que chocam. Vale ressaltar também a falta de aprofundamento nos personagens. Não fica muito claro o papel do autor como personagem na narrativa, aparecendo em raros momentos quando criança, e depois, quando já é idoso. Quanto aos personagens envolvidos no homicídio, estes são, no mínimo, superficiais. A motivação comum de todos é explícita e clara, mas apenas podemos vê-los como um grupo, sem individualidades.
Entretanto, nem tudo está perdido. O filme ganha um aspecto positivo em sua fotografia. Alguns enquadramentos e cenas ficam bem bonitos quando colocados em prática. O trabalho cenográfico dá um brilho – mesmo que opaco – à história, construído em cenas com tons cinzentos e frios, ou em nuances de verde em meio a natureza, quebrado apenas pelo escarlate vibrante do sangue fresco ao escorrer pela tela.
Aos fãs de filmes mais lineares, concisos e não tão complexos, o filme será tempo perdido. Mas para os que gostam de se aprofundar no tema das grandes guerras e para os entusiastas dos filmes de contexto histórico, Um judeu deve morrer é uma excelente escolha. É mais um na lista de filmes sobre a Segunda Guerra, porém, com uma outra ótica, voltada ao comportamento dos apoiadores do nazismo fora da Alemanha. Em todos os casos, vale a pena a oportunidade de permitir-se abismar com as poucas cenas que deixam o espectador boquiaberto.
por Gabriel Bastos
gabriel.bastos@usp.br