Este filme faz parte da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Tudo começa quando a porta encontra o seu batente. É a partir disso que Mike pode isolar-se completamente da sociedade, trancando-se em seu quarto no seu aniversário de 18 anos, deixando tudo e todos para o lado de fora. Mas Diferentes tipos de chuva (1000 Arten Regen zu beschreiben, 2017) não é sobre Mike e seu quarto – na verdade, não sabemos nem mesmo se ele existe realmente –, mas sim sobre o que está no lado de fora: sua família, prestes a vivenciar sua própria tempestade.
Não importa o que façam, a porta nunca se abre para a família de Mike. Desesperadamente, tentam ver o rosto do garoto novamente. Seja seu pai, com chutes ininterruptos em surtos de raiva e angústia, sua irmã, em lágrimas na porta, ou sua mãe, a mais dedicada em tentar tirar ao menos uma palavra do filho, do outro lado da enorme barreira que os separa.
Apesar da mãe sempre alimentá-lo, deixando comida em sua porta para que não morra de fome, ninguém nunca consegue ter contato com o garoto. A única pessoa que mais se aproxima disso é sua irmã, Miriam (Emma Bading), que ao ficar na porta, recebe bilhetes misteriosos do irmão, descrevendo chuvas em lugares pelo mundo. Um misterioso enigma que (aparentemente) fica sem solução. E é essa a única comunicação estabelecida entre Mike e o mundo externo.
Essa rotina exaustiva desgasta cada vez mais a família, que fica mais frágil a cada dia. Surtos de stress se tornam ainda mais comuns e as relações pessoais são claramente afetadas nesse processo. É então que as vidas e singularidades de cada personagem começam a ser mais exploradas, ao passo que cada um volta a recolonizar suas próprias vidas.
A mãe, Susanne (Bibiana Beglau), ainda na intenção de falar com o filho, começa a se aproximar de um amigo seu muito próximo. O rapaz se compadece da mulher, contribuindo nessa tentativa, mesmo que a princípio aparente ser em vão. Contudo, a aproximação vai excedendo esses limites. Não demora até que a mãe esteja com o garoto quase como se esse fosse seu Mike, ensinando suas habilidades e realizando atividades, como quando ensina o jovem a lutar, num momento de extrema descontração e proximidade entre os dois.
O pai, Thomas (Bjarne Mädel), ao contrário dos outros, afoga-se em seu trabalho. O homem busca desenvolver um sistema para possibilitar que um senhor idoso se comunique apenas com o olhar. Isso pois a condição do senhor o impossibilita de falar e andar, ficando a mercê de cuidadores em um hospital. Thomas não descansa – literalmente. Incessantemente, encontramos o pai focado em seus objetivos para o que planeja.
A irmã, em meio a tantos problemas como a sua própria adolescência, acaba se explorando mais no convívio social. É então que vemos a garota descobrir a juventude através de seus amigos: primeiras festas, primeiras bebidas, primeiras vezes. Além de tudo, Miriam sente vergonha do que se passa em sua casa, portanto, inventa histórias sobre o irmão sempre que questionada, como a que ele estaria em Nova York, por exemplo. Em meio a todas as situações, a garota se envolve em mais momentos desconfortáveis, chegando a causar pena aos espectadores.
O maior ponto positivo de Diferentes tipos de chuva é ter sido muito bem executado. Apesar de sua premissa parecer nebulosa e complexa, a forma como suas cenas são desenvolvidas mostram uma grande maestria. O abuso de ângulos dinâmicos na construção das cenas pode ser considerado um grande acerto na direção do filme.
A direção do filme, aliás, merece ser reconhecida pelo feito. Apesar de ser o primeiro longa-metragem de Isabel Prahl, a alemã se mostra um grande talento, aparentando um toque bem experiente na elaboração do filme. Essa construção visual também combina perfeitamente com a trilha sonora endereçada à obra. As duas coisas, quando casadas, produzem um bom efeito de harmonia ao filme, como na cena que abre o longa, em que chove dentro de um quarto e vemos a câmera passeando pelo cenário por poucos segundos, dando uma ótima e empolgante boa impressão.
Entretanto, esses detalhes são apenas elementos coadjuvantes, pois a confusa e misteriosa história do filme ofuscam o resto, causando inúmeras dúvidas e curiosidade a quem assiste. Todo esse suspense pode acabar sendo muito decisivo para a avaliação final do filme, e é nisso que Diferente tipos de chuva tem um grande acerto ou um grande erro.
A complexidade da história é um convite à mente para inúmeras teorias sobre todas as possíveis metáforas que o roteiro faz com a vida real. Na própria construção desta resenha, muitas possibilidades surgiram quanto ao enredo. Talvez esteja nessa a principal complicação da história: ser muito inacessível. Ao público leigo, algumas coisas podem ser compreendidas, mas é provável que muitos chegarão aos créditos apenas com interrogações. Porém, novamente, apesar da possibilidade disso ser visto como negativo, também pode ser, sim, considerado como um grande acerto.
Em suma, Diferentes tipos de chuva é um grande drama familiar, aparentemente incomum em muitas famílias. Vemos a decadência de três personagens – em função de uma quarta personagem que é uma incógnita – e a sua busca para se reconstruir. Mesmo não sendo digno de inúmeras honrarias, pode ser uma boa opção para quem busca conteúdo para reflexão e introspecção – quase certos em seus diferentes tipos.
Confira abaixo o trailer original (legendas em inglês):
por Gabriel Bastos
gabriel.bastos@usp.br